O chamado
brasileiro médio é uma abstração construída pelos sociólogos e
que representa não esse tipo bonachão, simpático, o homem cordial
de Sérgio Buarque de Holanda ou o de Belchior, aquele que diz sempre
“com licença, por favor”. Nosso brasileiro em questão é o mais
corriqueiro, aquele que existe desde Cabral e que o jogador Gérson
celebrizou no famigerado comercial do cigarro Vila Rica (“o
importante é levar vantagem”), estabelecendo desde então a
lastimável Lei de Gérson, a única que a classe média brasileira
cumpre com devoção canina. Os mais ricos e mais pobres também têm
o mesmo apreço para a tal lei, que significa a adoção do salve-se
quem puder em todos os campos da vida.
Assim somos
desde sempre, para ilustrar nossa ignorância, ausência de
protocolos, desrespeito ao próximo e egoísmo criminoso. Na
literatura, talvez Nelson Rodrigues tenha sido quem melhor descreveu
nossas iniquidades. Agora pulemos para a vida real da pandemia.
No Mosqueiro há
um supermercado antes chamado de Pão de Açúcar, embora de nome
pretensioso, um simpático mercadinho frequentado pela gente simples
do lugar e os passantes melhor providos. Após a chegada do
“verdadeiro” Pão de Açúcar em Sergipe, o proprietário, rapaz
simples, conterrâneo meu de Macambira, logo tratou de rebatizar seu
negócio para Paseo, que não sei o que significa, mas ele,
certamente, sabe o que significa peitar os tubarões da gigante
fundada por Abílio Diniz.
Nesses dias de
pangonia nossas compras são nervosas, com olhos tensos para quem
passa por nós raspando a tinta e espalhando vírus no ar.
Infelizmente, lá no Paseo, como em qualquer lugar, pais e mães
irresponsáveis ainda insistem em levar filhos pequenos para esses
passeios, com o perdão do trocadilho. Sabe-se lá o que explica pais
levarem crianças numa ida ao supermercado, mas o fato é que muitos
não acham isso, ou não se incomodam com a vida de seus pequenos e
do resto das pessoas. Daí, ignoram os riscos que ambos representam
num contato que poderia ser evitado.
Sábado
passado, em meio ao mencionado nervosismo das compras, somos
obrigados a desviar de um par de moleques malcriados, um deles já
grande, jeitão de abobado, fazendo dos corredores do modesto Paseo o
playground para brincadeira de criança pequena. No caixa, o
responsável pelo retardo dos meninos, pai branco, cara de bem
nascido, máscara na sua cara de mascarado e olhar furioso da classe
média quando alguém ousa contrariar suas vontades. Ninguém ousou
reclamar, mas muitos dirigiam o olhar de reprovação para o
marombado pai, tão cioso de si, tão negligente com os outros.
Na porta do
super, desconhecendo regras, desprezando o amplo e vazio
estacionamento da empresa, um portentoso Audi preto aguardava
completamente irregular, interrompendo o fluxo, prejudicando a
mobilidade. Nada mais que um caso comum de trânsito, como cantava o
mesmo Belchior, nossa classe média mal educada e arrogante, rasgando
regras e cuspindo perdigotos em nossa cara. Pelo visto, seguirá
sendo assim em mais outros 500 anos. Toca a vinheta: Brasil, zil,
zil!