Ontem
à noite fui ver “Cabaret dos insensatos”,
peça com textos
de Brecht e Jean Genet, direção de Lindenberg Monteiro, do prolífico
grupo Stultifera
Navis. Como passei cinco
anos fora de Sergipe,
acabei me afastando desta nova
cena cultural sergipana
que brotou em vários
segmentos da arte. O Stultifera é
uma dessas iniciativas que
anima a crença numa produção
cultural local rica e
descolonizada. Minha chegada
na Aperipê é uma oportunidade única
de defender o conteúdo local,
objeto de meu mestrado
ao estudar o mercado de TV por
assinatura em
Aracaju. No futebol faço isso
desde menino: sou dos
poucos aqui que
não tem um time
fora de Sergipe.
Tenho uma leve
queda pelo Santos,
da cidade que abrigou
muitos de meus conterrâneos
macambirenses, mas, ao contrário
do que diz o bloco carnavalesco,
simpatia nem sempre
é amor. Minha paixão
pelas três cores da faixa
do Tremendão da Serra, o glorioso
Itabaiana, é – para além da emoção
– um ato de resistência
à pasteurização do futebol via televisão,
baseada num modelo de negócio
que empacota a adesão
dos jovens a algum
dos clubes presentes
na série “A” do Brasileirão. Neste modelo,
não há lugar para
o pequeno e o local. Isto
acontece também com a
cultura e não por
acaso a televisão é a
mesma via de introjeção
de uma cultura global
hegemônica e massacrante. O mesmo
ocorre com as pequenas
línguas nativas ameaçadas de desaparecerem – são
três mil que
correm o risco de sumir neste século.
A força
bruta da publicidade
fez com o futebol algo
que pretendia com a política:
com o patrocínio das
TVs, o teatro das torcidas
nos estádios perde força
e, a essa altura, nem
é mais a principal fonte
financiadora do esporte. Os estádios,
contra toda lógica,
têm sua capacidade
reduzida. Vejam o exemplo do Maracanã,
que chegou a receber 200 mil
torcedores, mas, quando
fechou as portas, há dois anos,
não cabiam mais que
80 mil. Com a política
intentou-se o mesmo: transferir
da praça para a telinha o vigor
do debate público. A platéia
das praças foi esvaziada.
Stultifera e o moderno
teatro sergipano
O Sytultifera Navis não
é a única novidade
nesta nova cena sergipana.
Conversando com o público
de sábado, me
informam que cerca de
500 bandas musicais sobrevivem no estado,
percorrendo circuitos alternativos,
divulgando pelas redes sociais.
Mas o caso deste grupo
teatral em particular
é emblemático, pelo trabalho
que Lindemberg vem tecendo desde
que aportou aqui, já
há alguns pares de anos,
materializado na luminosa surpresa
da Casa Rua da Cultura,
experiência inspirada no projeto
Rua da Cultura, no Mercado,
estendida para um espaço
amplo para oficinas
de circo e teatro, além
das próprias salas para a apresentação
de peças.
Fiquei comovido com
a presença de um público
jovem e arejado, interessado em
cultura, lotando as três
apresentações de diferentes
peças na noite do sábado.
A Casa apresenta peças
em temporadas, em
vez das exibições
avulsas, criando um circuito
consistente, baseado na oferta constante
e na consolidação do hábito. A direção
de Lindemberg em “Cabaret...” é leve
e segura, com uma brilhante
geração de atores, que
muito me lembrou um
moderno teatro que
assisti na Faculdade de Teatro da
UFBa, quando o genial
Walter Seixas Jr. brindava o público com
suas montagens
glauberianas, do próprio Glauber a Nelson Rodrigues. Isto
foi nos profícuos anos
80 e eu achei que tinha
se perdido nas minhas melhores
memórias. Minha ida
à Casa mostrou que não,
com a vantagem de que
esta cena está aqui,
na nossa casa.