quarta-feira, 22 de maio de 2013

Os uivos, gritos e sussurros de uma resistente periferia


Os uivos, gritos e sussurros de uma resistente periferia


* Luciano Correia



Uma notícia está chegando lá do Maranhão
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão 
Veio no vento que soprava lá no litoral 
De Fortaleza, de Recife e de Natal 
A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus, 
João Pessoa, Teresina e Aracaju 
E lá do norte foi descendo pro Brasil central 
Chegou em Minas, já bateu bem lá no sul 
                   (Milton Nascimento-Fernando Brant)



Em 1º. de junho estréia em rede nacional, pela TV Brasil (e outros 68 países que recebem a TV Brasil Internacional), o programa “Estação Periferia”, produzido pela TV Aperipê de Sergipe, comandado pelo rapper Hot Black. Periferia é uma expressão que virou moda e, como ocorre nesses casos, logo apropriada pela cultura mainstream. A emissora líder tem até uma apresentadora especialista nessas emergências de culturas que irrompem a todo momento, em todos os lados do mundo. Cá para nós da Aperipê e do pequeno estado de Sergipe, além do marco significativo de emplacar nacionalmente e mundo afora um programa feito em casa, demarca ainda uma nova forma de olhar a vida e a matéria prima de que se serve a tevê.
O mercado brasileiro de televisão nasceu e se multiplicou com um defeito de fabricação: conceber um país com uma visão distorcida, a partir do eixo Rio-SP, desconhecendo, como na música de Milton, que o Brasil não é só litoral. O “litoral” aqui é uma metáfora para essas concepções de Brasis paridas desde o circuito Ipanema/Leblon-Av. Paulista, desfocada porque autista, ignorando tudo que não seja o umbigo ou, quando muito, exibindo uma amostra canhestra do que supõem ser o país fora de seus domínios. Foi preciso que um presidente desalinhado com o oligopólio exercido pela rede dominante criasse uma alternativa para os brasileiros enfastiados com seus realities e novelas emburrecedores, usando a presença do poder público para ofertar outros mundos possíveis na cultura, na arte e nos modos de fazer televisão.
O establisment, como é de seu feitio, costuma absorver inclusive as demandas emergentes e domesticá-las, num processo de pasteurização que expurga nutrientes, que, no caso da produção cultural, mata o espírito criativo. A riqueza do Estação Periferia é que ele sorve diretamente na fonte, sem intermediários que busquem interpretar o mundo para terceiros, além de ser chancelado pela deliciosa aventura de fazer televisão, sem conceder às coca-colas do mercado. Concebido, roteirizado, produzido e depois realizado pela TV Aperipê de Sergipe, a equipe viajou por todo país para captar a alma bruta das ruas, todas as manifestações da vida e da cultura que “não saem no jornal” nem “passa na TV”, ou, quando comparecem, é com essa versão artificializada referida anteriormente. Para isso, contou com a execução de um projeto, que resultou em recursos, limitados mas suficientes para encararmos os desafios. Desde a primeira captura de imagens até a conclusão dos primeiros dezenove episódios, foi um longo e penoso caminho, que aqui não cabe relatar, mas apenas lembrar que o engenho de transformar um projeto em papel em programas de TV implica em obstáculos, transpiração e sofrimento.
Evidente que essas empreitadas são comuns já há bastante tempo pelos grandes canais estabelecidos na praça publicitária que os financia. O inusitado aqui é a capacidade de uma equipe sergipana, que destrinchou os meandros burocráticos de Brasília para emplacar o projeto e, por fim, realizar um feito inédito na história da televisão sergipana. O Brasil pulsante das ruas que vocês verão na tela da TV Brasil a partir de 1º. de junho não é só o espetáculo televisivo traduzido nas cores da arte, mas lições de vida, conhecimentos do povo e da juventude que muitas vezes se reinventam a todo instante para sobreviver, em muitos casos sob o olhar frio das autoridades e a criminosa ausência do Estado, o poder público.
Cumpre, assim, uma infinidade de missões sagradas, num país cujo audiovisual tornou-se refém da mediocridade das audiências e dos ditames do mercado publicitário. No caso de um programa que desvia o foco daquela que um político definiu como nossa classe média branca e bem nutrida, mais que dar voz à massa cinzenta e opaca que não está nas novelas da zona sul carioca, traz um canto como esse aqui, pouco lembrado, que ilustra a alma dos guetos e nos permite encerrar novamente com música: “Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade/ Somos nós a alegria da cidade. / Apesar de tanto não, tanta marginalidade/ Somos nós, a alegria da cidade” (“Alegria da cidade”, Jorge Portugal/Lazzo).

* Luciano Correia é professor da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Ciências da Comunicação pela Unisinos (RS) e presidente da Fundação Aperipê de Sergipe.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

“100% transpiração e toda inspiração que couber”


Jornalista Luciano Correia explica como a Fundação Aperipê evolui em sua gestão

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“100% transpiração e toda inspiração que couber”

Por Joedson Telles

Quem assiste à TV Aperipê, hoje, atesta um amadurecimento. A televisão parece mais profissional. O que o senhor apontaria para justificar essa mudança?
Começa com a escolha de uma equipe profissional, cujo critério observado é tão somente: capacidade, seriedade, ética e dedicação. 100% transpiração e toda inspiração que couber. Depois, a otimização dos recursos disponíveis, desde o pessoal, material e financeiro. É graças a essa visão que temos conseguido produzir muito, mesmo funcionando no limite.

Qual a importância do jornalismo nesta nova fase do sistema Aperipê?
O jornalismo é fundamental em qualquer veículo, porque ele sedimenta a relação com o público, na garantia do direito à informação, à diversidade, e na fiscalização do exercício da democracia. Nós expandimos nossa produção jornalística, com  mais um telejornal, o “Conexão Aperipê”, com um formato novo, com a participação de colunistas diariamente. São colaboradores que versam sobre os assuntos mais variados: comunicação, meio-ambiente, economia, cultura, políticas públicas, vida urbana, mídia e mercado etc. Implantamos um boletim apresentado desde a redação a cada hora, o “De hora em hora”, tanto na TV como nas rádios. Há um mês colocamos no ar dois novos programas: o “Espaço Público”, que eu apresento, dedicado a temas do interesse da sociedade e o “Contraponto”, um programa que eu concebi e apresentei durante quatro anos numa TV fechada de Aracaju. É uma salada semanal de assuntos abordados sob o tom informal das boas conversas, como se fosse uma mesa de bar ou café, por figuras da comunicação e da cultura sergipanas, como Antônio Passos, Amaral Cavalcante, Carlos Cauê, Jorge Carvalho, Sales Neto, Paulo Lobo e outros convidados.

Em se tratando de linha editorial, o que o telespectador deve esperar de uma TV Estatal? E como o senhor definiria, hoje, a situação da Aperipê?
Em termos editoriais, levo a credibilidade que persigo há anos, junto com uma equipe rigorosa e sem vícios da política e do mercado, embora eu não tenha preconceitos contra um ou outro. O Estado e a sociedade bancam uma TV pública, no nosso entender, para receber dela uma programação alternativa ao cardápio ofertado pelas grandes redes abertas, que, no Brasil, está cada dia pior. Esse é o papel das políticas culturais do Estado e de um governo comprometido com uma visão moderna, arejada e progressista nos campos da comunicação e da cultura.

O programa Espaço Público, apresentado pelo senhor, às terças-feiras, vem tratando de temas variados, levando opinião e contraditório ao telespectador – e aos internautas. É difícil fazer um programa aberto, sem censura, numa TV Estatal? Que tipo de programa jamais vai ao ar na Aperipê, enquanto o senhor for presidente?
Não tenho lista de vetos. Jamais trabalharia com essa perigosa sombra. Agora, tenho minha formação na área de televisão, que, portanto, se traduz em escolhas, metas, diretrizes. Eu apenas lamento que o Estado, como ente público e que representa a sociedade, não seja laico no seu pleno funcionamento. Recebi outro dia representantes de movimentos do audiovisual, parlamentares e sindicatos da comunicação e disse que gostaria de vê-los também defendendo esse laicismo na definição da grade de nossa TV e rádios. Tenho acenado ainda para outros segmentos, como o Ministério Público Federal, que tem se mostrado interessado em discutir a comunicação pública e democrática. De todo modo, nossa líder, a TV Brasil, vem discutindo a questão dos programas de cunho religioso e é possível que tenhamos novidades nos próximos meses.

A TV é um veículo focado no entretenimento. Um bom observador percebe que o jornalismo, em muitos casos, soa um penetra na programação. O senhor como jornalista de formação acha que é possível mudar esta realidade?
Essa é uma questão delicada. Defendo ainda que cada um funcione no seu quadrado. O jornalismo está sendo espetacularizado. Aliás, trato desse tema num livro que lancei em 2007, “Jornalismo e espetáculo: o mundo da vida nos canais midiáticos”. Esta invasão do entretenimento no campo estrito do jornalismo está submetendo este último às lógicas do mercado e do mundo dos negócios. É um perigo evidente que põe em risco uma das conquistas clássicas, desde as lutas ideológicas do Iluminisno, que é o jornalismo como direito público e independente, com a missão incondicional de fiscalizar o funcionamento dos poderes e da democracia.

E no que diz respeito ao rádio? Quais as principais mudanças? O rádio em Sergipe é muito persuasivo. Na política mesmo é talvez o veículo mais forte. Mas é muito vulnerável à participação de pessoas a serviço de políticos. Os chamados “ratos de rádio”. Como o senhor lida com isso?
 O rádio segue sendo um meio extremamente forte, de fácil penetração e de longa vida. Quando surgiu o cinema, acharam que era o seu fim. E ele se manteve forte. Idem com o advento da televisão. Agora, com a internet e a convergência digital, seguramente vai manter seu lugar privilegiado, embora, como os demais, buscando seus reposicionamentos, inclusive novos modelos de negócio. Aqui em Sergipe temos uma situação única, que é a reverberação de uma esfera pública distorcida, porque fruto da ação de lobistas, assessores carimbados e outra sorte de “ouvintes” e “cidadãos”, mas, enfim, este é o tecido social, que é feito mesmo dessas matizes e contradições. O que não entendo é o uso político e partidário. Por exemplo: um parlamentar trata de sua representação política no exercício do mandato, e, em seguida, utiliza o rádio para promover demandas que ele considera importantes. É uma completa confusão de papéis que as autoridades deveriam observar. O rádio não pode servir de instrumento para a chantagem contra o poder público ou qualquer outro. Entretanto, em sua maioria, ele é porta voz de causas específicas e localizadas.

Qual a importância da Internet nesta nova fase da Aperipê?
A importância é estratégica: com a digitalização, os meios de comunicação de massa começam a mudar suas lógicas, a começar pela própria perda de importância. Não que os grandes veículos irão desaparecer. Ao contrário, é possível até que entrem nesse novo mundo digital com bem mais condições de enfrentar a concorrência, promovendo uma espécie de “refeudalização” do espaço público midiático. Na Aperipê, nós já entendemos há bastante tempo que tudo daqui em diante será pensado a partir das lógicas da convergência de meios. Enquanto não fizermos nossa passagem para o patamar digital, exploramos com radicalidade as possibilidades da internet. Por isso, nosso conteúdo local, que é infinitamente superior – em horas e em qualidade – à concorrência, é postado todo ele nos nossos canais no You Tube.

E o sinal digital e os novos equipamentos para modernizar a TV? Quando o senhor espera contar com isso? 
Os veículos da Fundação Aperipê, as duas emissoras de rádio e a TV, já sofreram um forte investimento no digital desde o começo do governo de Marcelo Déda. São quase dois milhões de reais num processo que, a rigor, já representa o primeiro passo para a digitalização. Agora estamos focado na TV digital, que começa com a compra do transmissor e os complementos necessários. Temos de fazer isso para não desaparecermos nos novos televisores que serão sintonizados só pelos canais digitais. E também porque temos diante de nós o chamado switch off, ou seja, o apagão analógico, que é o tempo determinado por lei para o desligamento da transmissão analógica. Ele foi antecipado nas capitais e grandes regiões metropolitanas para 2015. Mas estamos nos movendo dentro do governo para fazê-lo nos próximos meses. O governador Marcelo Déda vem conversando sistematicamente comigo sobre essa agenda. Apenas depende das condições financeiras do Estado, que, como nas demais unidades da federação, vem sofrendo constantes quedas de receita. Mas confiamos que logo teremos a Aperipê digital.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Carta de Aracaju


Documento elaborado pelas TVs públicas do Nordeste, reunidas em Aracaju, no final de abril. Como anfitrião do encontro li a carta hoje na abertura do V Encontro do Comitê de Rede da TV Pública, em Brasília, na sede da EBC/TV Brasil.


CARTA DE ARACAJU


Os representantes das TVs Públicas do Nordeste, reunidos em mais um encontro, em Aracaju (SE), nos dias 26 e 27 de abril de 2013, vêm reafirmar o firme compromisso com a construção de uma televisão pública brasileira democrática, plural e diversa, sob o comando e liderança da TV Brasil, cuja própria criação, pelo ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, materializa as expectativas de uma programação televisiva que ofereça à sociedade brasileira os valores que contemplem o reforço da cidadania nos aspectos culturais, econômicos, políticos, identitários, esportivos etc.
Definiu também pela construção de “janelas de produção” que funcionem como banco dos produtos realizados pelas emissoras integrantes do grupo, para intercâmbio, discussão e fortalecimento das respectivas grades de programação. Reconheceu a importância da transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série C, não só pela sua força como produto televisivo, traduzido em audiência e perspectivas de captação, mas também como elemento agregador pela via do desporto, entendendo que o futebol praticado fora das séries de maior visibilidade contribui para a preservação dos clubes regionais, enraizados na identidade dos brasileiros de pequenas e médias cidades, principalmente.
Também apontou a importância da transmissão da Copa das Confederações pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em parceria com as rádios públicas associadas, cuja rede configurada fortalece as emissoras regionais e a própria cabeça geradora. Por fim, os membros do encontro apostam firmemente na junção de esforços para uma transmissão coletiva e em rede dos festejos juninos no Nordeste, por entendê-los como produto essencialmente voltado para o formato da televisão, proposta que deve ser apresentada no Encontro do Comitê de Rede da TV Pública, em Brasília, nos dias 7 e 8 de maio de 2013.

As TVs Públicas do Nordeste.