terça-feira, 20 de julho de 2010

DIA DO AMIGO




Pois faltava essa, um dia do amigo. Acordei hoje com esse frisson, desde as ruazinhas, os pequenos becos e as grandes avenidas do mundo virtual da internê onde vivemos hoje, mais que no outro de fora. Antes de voltar ao dia de hoje, é preciso dizer que o mundo externo, no caso aqui de Madrid, está cada dia mais inóspito. O verão daqui é uma sauna aberta, com um sol da bixiga e nem uma lufada de ar pra espantar a melancolia que bate. Nem no interior do Nordeste, onde podemos nos defender do sol embaixo de um juazeiro, e , sem dúvida, uma brisa vai soprar. Idem nas cidades. Mas, o  tal dia do amigo...
Na minha primeira juventude (e isso está ficando pelo século XVII), eu achava dia dos país e das mães uma besteira. Coisa de comunista de faculdade, que, sem disposição para pegar no batente contra os adversários reais do mundo burguês, buscava se ocupar com tais tonterias. E comunista, naquela época, não era de cultivar pai nem mãe. Ao contrário, o ideal era romper com a família “tradicional” e atirar-se no mundo, o rebelde e sua causa tão doméstica.
Dia dos namorados, então, nem pensar: isto devia ser coisa do Satanás capitalista, para deslanchar as vendas do comércio alimentando romancezinhos de novelas. No fundo, a causa da rejeição a essa data, minha e de minha geração de esquerda, era o simples fato de não termos namoradas. Sim, éramos revolucionários, defensores do novo homem e da nova sociedade, mas nos faltavam mesmo eram as mulheres, fossem novas ou velhas. A esquerda militante era de moral cristã, ou, se não tanto, temerosa de contrariar os prognósticos de papai e mamãe, os mesmos com quem havíamos rompido atrás porrazões ideológicas”.
Bem, o tempo passou, as patrulhas foram abaixadas e a moral rigorosa afrouxou, como também nossa cisma com o capitalismo inventor desses “dias de alguém”. De fato, eu não esperava um Dia do Amigo, ainda mais que, se não provam o contrário, trata-se de inocente data que passa praticamente em branco frente à voracidade dos comerciantes. No entanto, o dia amanheceu inundado de mensagens para todos os lados. E não que isso me incomode. Pelo contrário, se tem alguém que valoriza os amigos que tem, sou eu. A graça está no fato de que não existia isso quando eu era menino, se me entendem. Assim também foi com as frutas. Como nunca me dei conta de que existisse acerola ou kiwi no meu tempo de menino, foi o bastante para achar que kiwi e acerola foram inventados depois de mim. E diante de tamanho desaforo, eu, claro, simplesmente não como uma nem chupo a outra (vixe!! Tá ficando pornográfico esse negócio, hein). Meu apego às coisas como elas são (ou como eram) é tanto, que não me acostumo com novidades assim, sem cerimônia. Ficaria com vergonha se minha mãe soubesse que hoje eu disparara 247 felicitações ao dia do amigo à tigrada que me tem como amigo. No fim, recebi todas mensagens com meu indefectível fairplay (hoje conhecido internacionalmente), embora não tenha “respostado” nenhuma, porque , claro, era demais. Sou homem de rasgar a Aleluia, de atravessar as dolorosas quinta e sexta feira santa, da penosa quarta de cinzas, do glorioso 7 de setembro e de São João e São Pedro. Agora, dia do amigo é esquisitice demais para um tabaréu como eu.

Por Luciano Correia

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A morte e o céu segundo Saramago

Do grande José Saramago, falecido recentemente, no seu luminoso “As pequenas memórias”.

Falando sobre o avô, homem simples, analfabeto, mas sábio.

- Mas a imagem que não me larga nesta hora de melancolia é a do velho que avança sobre a chuva, obstinado, silencioso, como quem cumpre um destino que nada poderá modificar. A não ser a morte. Este velho, que quase toco com a mão, não sabe como irá morrer. Ainda não sabe que poucos dias antes do seu último dia terá o pressentimento de que o fim chegou, e irá, de árvore em árvore do seu quintal, abraçar os troncos, despedir-se deles, das sombras amigas, dos frutos que não voltará a comer. Porque terá chegado a grande sombra, enquanto a memória não o ressuscitar no caminho alagado ou sob o côncavo do céu e a eterna interrogação dos astros. Que palavra dirá então?

Para a avó:

- Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito eu tenho tanta pena de morrer.” Assim mesmo. Eu estava lá.

Sobre os bichinhos de criação da família:

- Entre os bacorinhos acabados de nascer aparecia de vez em quando um ou outro mais débil que inevitavelmente sofreria com o frio da noite, sobretudo se era Inverno, que poderia ser-lhe fatal. No entanto, que eu saiba, nenhum desses animais morreu. Todas as noites, meu avô e minha avó iam buscar às pocilgas os três ou quatro bácoros mais fracos, limpavam-lhes as patas e deitavam-nos na sua própria cama. Aí dormiriam juntos, as mesmas mantas e os mesmos lençóis que cobririam os humanos cobririam também os animais, minha avó num lado da cama, meu avô no outro, e, entre eles, três ou quatro bacorinhos que certamente julgariam estar no reino dos céus...


Saramago & Samarone

     Saramago conta uma coisa interessante no mesmo livro. Seu pai quis registrá-lo na distante aldeia de Azinhaga, em Portugal, com o seu próprio nome: José de Sousa. Mas o tabelião, chegado aos vinhos e dono de ironia perversa, acrescentou por sua conta o Saramago, que era uma espécie de apelido pelo qual a família era conhecida na região. Somente quando marchou para a escola, anos mais tarde, é que o pai, frente à dificuldade de encontrar o registro do seu pequeno José de Sousa, se deu conta de que não havia ninguém com este nome, e sim um certo José de Sousa Saramago.
     O futuro escritor abandonou então o Sousa e ficou só José Saramago, mas o espetacular da história foi a atitude do pai: diante de tal imbróglio resolveu, ele também, incorporar Saramago ao seu anterior José de Sousa. E assim verifica-se o primeiro caso no mundo em que filho dá nome ao pai.
     Em Itabaiana, nossa Azinhaga serrana, ocorreu o mesmo com o hoje médico Antônio Samarone, que deveria se chamar, no registro, Antônio Fernando de Santana. Até hoje irmãos e pais do rapaz o tratam por Fernando. Mas só quando ele, já grande, foi procurar o registro para se matricular no ginásio, é que a mãe descobriu que não tinha nenhum Antônio Fernando na caixa de sapatos onde se guardavam os documentos oficiais da família de “seo” Elpídio Santana. Dona Santana, como todas as mulheres de Itabaiana, de temperamento forte, confiou a Elpídio a tarefa de registrar o menino. Naqueles tempos, nomes como Fernando eram raridade de lugar civilizado. Na aldeia do agreste sergipano vicejavam os Antônios e Josés, nomes de santos a quem as famílias invocavam, na esperança de que, pelo menos, seus bruguelos vingassem. Não deu outra: entre a casa e o cartório de Serapião, Elpídio esqueceu o complicado nome que teria de dar ao filho e, na afobação, apelou para o corriqueiro: Antônio. Zeloso da própria pele, no entanto, jamais contou à mulher sobre o esquecimento e o nome que ficara registrado.
     Mas por essas alturas o boleiro e fanático pelo Fluminense já ganhara, das ruas, outra alcunha: a do grande meio campista do clube carioca. Depois, aproveitou a primeira campanha política que disputou para apor no papel, não o Fernando da mãe, mas o Samarone dos gramados.


Coisas que só têm Itabaiana

     E é o mesmo Samarone quem lembra a escalação do memorável Cantagalo, hoje extinto, junto com seu inesquecível Chico, covardemente assassinado há cerca de um ano. Lá pelos anos 60 o rival local do Tremendão da Serra chegou a ter toda sua escalação só com nomes iniciados em “B”, conforme abaixo:
     - Boló, Boião, Baldo, Biolo e Boca-de-Cabelo. Benedito e Bobô; Bibi, Boanerges, Beto e Biriba. O treinador era Boca Rica, o massagista Birunga, o roupeiro Bonga. E o presidente, Chico, que consideravam Broco.

Luciano Correia