sábado, 21 de dezembro de 2013

A majestade do ReiGinaldo Rossi



Tenho andado impaciente com nosso Brasil, cada vez mais. Talvez a idade diminua a tolerância com nossas mazelas naturalizadas, o que é uma burrice minha, sem dúvidas, pela incapacidade em exercer tolerância até como arma de defesa. A raiz do meu enfado reside nisso: a naturalização dos nossos defeitos. Ontem, 20 de dezembro, tomei um porre federal para embalar a viagem de Reginaldo Rossi. Gastei cada faixa dos sete ou oito CDs desse que era, de fato, um grande cantor. Sem querer puxar assunto com os defensores de uma suposta estética musical, me intriga o fato dessa banda de intelectuais ignorarem solenemente o fenômeno Rossi. Nada de mais em passar a vida caetaneando os pós-modernismos, os hermetismos pascais, mas conseguir passar ao largo das canções de amor e de sofrimento de um compositor tão rico, é puro esnobismo.
Rossi levou para o túmulo uma mágoa que jamais conseguiu remover: a pecha de brega, uma idiotice fabricada pelos formadores das opiniões, incluindo a miúda e rasa imprensa. Mais importante do que abrir uma discussão sobre isso é a constatação de mais esse sintoma da esquizofrenia que rege as mentalidades desse Brasil que se arvora a moderno e grande. Grande no tamanho, pequeno de alma. Na curta história da música brasileira, tivemos poucos cantores tão talentosos como esse que pespegaram a fama de O Rei do Brega. Poucos conseguiram retratar com tanta humanidade as dores e as delícias da vida, particularmente das coisas do coração e da paixão. Mas é como se ele nem existisse. Melhor: para existir, tiveram de folclorizá-lo, transformá-lo num sub-produto da cultura, figura excêntrica, um personagem.
Acho que ele cansou de dizer que não era nada disso e resolveu encarar as coisas como elas estavam postas, ou seja, naturalizar o tratamento de imbecil dispensado por gente do naipe de Faustão, pra ficar no mais vistoso dos galhofeiros. Em terra de sapo, de cócoras com eles, afinal, era o preço cobrado pelo sucesso, a carreira e os louro$$ que tanto fascinam os homens e as mulheres. Rossi não deveria mesmo ficar de fora do circo musical e deixar de desfrutar da merecida glória. Mas nunca engoliu essa grosseria perpetrada por jornalistas burros e a classe média brasileira. Brega são vocês! Como pode alguém ouvir os sete ou oito CDs que ouvi ontem e concluir, depois de tudo, que se trata de uma obra brega? De onde esses estilistas do acaso tiraram seus conceitos? Não foi em Walter Benjamin nem em Adorno, claro. De todo modo, a mágoa de Rossi foi com ele no caixão, mas o espantoso é isso: a continuidade de nossa (nossa, e não dele!) breguice desfilando incólume, às vezes até buscando ares de elegância, como se vê nas entrevistas das ivetes da praça. Nossa jequice, esta sim, é a religião da hora, com a péssima música que toca nas ruas e uma televisão porcaria, que dá ouvidos a iniquidades como o Padre Marcelo, desgraçadamente também Rossi.
Por essas e por tudo o mais, Rey Rossi, a gente de alguma forma morre um pouco com você. Porque o espetáculo que fica está cada dia pior.

sábado, 16 de novembro de 2013

Nota de pesar

A Globo News, desde ontem, transmitindo ao vivo a prisão dos envolvidos no processo que ela cunhou (e o resto do país, a reboque, como sempre) como o mensalão. Fico perplexo que não haja um deputado de esquerda do país inteiro, nem mesmo do PT, a ter, não a coragem (porque não o são), mas, pelo menos, a dignidade mínima para discutir o mérito. Engana-se quem pensa que essa investida furiosa e virulenta da velha burguesia nacional, a apodrecida elite brasileira que saqueia este país há exatos 513 anos, faz uma campanha diária, incansável, sistemática e metódica contra os setores de esquerda que assumiram uma pequena parcela do poder (do poder executivo, porque os demais seguem sendo despóticos, ditatoriais). Isso não é contra o PT. É contra todos os que apostaram na utopia de um Brasil livre e independente. A ditadura militar foi substituída por outra muito pior, com a capa de uma legalidade construída pelo aparato jurídico dessas instâncias que movem suas filigranas para conspurcar a democracia, de todas as formas e de forma psicótica, como faz a Globo News. Dá para entender a posição de um oligopólio como o do "doutor" (doutor sou eu, rolabosta!) Roberto Marinho, que trata de dinheiros & interesses. Mas fico sem entender a adesão voluntária e quase delirante de jornalistas que assumem a causa dos patrões, como a senhora Mônica Waldvogel, essa velha matreira com cara de codorna (uma das mulheres mais feias que já vi na vida). Ok, vocês venceram. Lembrando aquele célebre poema de Brecht, já pisaram nosso jardim e mataram todas as rosas. Vou me permitir agora àqueles cinco minutos do rumor e fúria de Shakespeare. Continue ardendo no enxofre do inferno, "doutor" Roberto. E que a maldição dos deuses, a praga dos ciganos, o caldeirão das bruxas e toda sorte de desgraças recaiam sobre todos os seus descendentes. Minha TV está desligada, em sinal de luto, porque não permito que o senhor e os seus façam isso com meu pacato feriado.A Globo News, desde ontem, transmitindo ao vivo a prisão dos envolvidos no processo que ela cunhou (e o resto do país, a reboque, como sempre) como o mensalão. Fico perplexo que não haja um deputado de esquerda do país inteiro, nem mesmo do PT, a ter, não a coragem (porque não o são), mas, pelo menos, a dignidade mínima para discutir o mérito. Engana-se quem pensa que essa investida furiosa e virulenta da velha burguesia nacional, a apodrecida elite brasileira que saqueia este país há exatos 513 anos, faz uma campanha diária, incansável, sistemática e metódica contra os setores de esquerda que assumiram uma pequena parcela do poder (do poder executivo, porque os demais seguem sendo despóticos, ditatoriais). Isso não é contra o PT. É contra todos os que apostaram na utopia de um Brasil livre e independente. A ditadura militar foi substituída por outra muito pior, com a capa de uma legalidade construída pelo aparato jurídico dessas instâncias que movem suas filigranas para conspurcar a democracia, de todas as formas e de forma psicótica, como faz a Globo News. Dá para entender a posição de um oligopólio como o do "doutor" (doutor sou eu, rolabosta!) Roberto Marinho, que trata de dinheiros & interesses. Mas fico sem entender a adesão voluntária e quase delirante de jornalistas que assumem a causa dos patrões, como a senhora Mônica Waldvogel, essa velha matreira com cara de codorna (uma das mulheres mais feias que já vi na vida). Ok, vocês venceram. Lembrando aquele célebre poema de Brecht, já pisaram nosso jardim e mataram todas as rosas. Vou me permitir agora àqueles cinco minutos do rumor e fúria de Shakespeare. Continue ardendo no enxofre do inferno, "doutor" Roberto. E que a maldição dos deuses, a praga dos ciganos, o caldeirão das bruxas e toda sorte de desgraças recaiam sobre todos os seus descendentes. Minha TV está desligada, em sinal de luto, porque não permito que o senhor e os seus façam isso com meu pacato feriado.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Vai Diego Costa, nosso bravo papa-jaca

1) Ainda sábado eu dizia que Joel Silveira é considerado o maior repórter da imprensa brasileira de todos os tempos. Está dito aí abaixo.

2) Diego Costa fez o certo. Felipão fez o de costume: o grunhido de um homem bruto, mau educado, desonesto e mesquinho. Qualificar de "ridícula" a pergunta de um repórter, é muita pretensão, senhor Scolari. O senhor é rico e poderoso, mas é burro.

3) Manzanares e Vaza-Barris, dois rios de minha vida.


Deu no blog de Xico Sá


Carta a Diego Costa

Caríssimo rapaz de Lagarto, tomaste a decisão mais certeira; sem essa de traidor da pátria

Amigo torcedor, amigo secador, peço a devida licença para me dirigir, especialmente, a este brasileiríssimo rapaz de Lagarto, Sergipe, que dentro de campo, doravante, é tão espanhol quanto uma tourada ou um sapateado de flamenco. Caríssimo Diego Costa, tomaste a decisão mais certeira, sem essa de traidor da pátria, como se fora um Calabar durante a invasão holandesa (1630-1654).

Sem essa, meu nego, "no passa nada", só tu sabes o que passaste na tua vida de papa-jaca, como é chamado um autêntico lagartense. Tua pátria é a tua bola e aqui não rolou chance alguma entre os profissas. Aqui tua pátria foi apenas tua várzea. "Perdido en el corazón/ De la grande babylon", eras um clandestino da pelota, como diria Manu Chao, este cantante que também aboliu as linhas dos mapas.

Tua pátria é a do Iniesta --cá entre nós, caro Diego, viste como ele se parece com nosotros nordestinos?

Segundo o site "Cearenses Internacionais", que faz humor sobre a semelhança de variados povos e personagens famosos, o craque do Barça nasceu na praia de Morro Branco, Beberibe (CE), em 1984. Não duvido. Cearense é um bicho que corre mundo.

Brincadeiras globalizadas à parte, o Felipão ficou bravo, o que não é lá mui difícil. O Felipão pôs a questão de ordem, marcha, para mexer com os brios da tropa de Pachecos. "No passa nada", amigo, a Espanha te valoriza, disseste tudo. Aqui és, mesmo depois desta peleja, uma tremenda dúvida. Até para este vagabundo cronista que te escreve, embora veja no teu jeito de marcar gols um quê de Emílio Butragueño --o objetivíssimo espanhol da filosofia "un toque e me voy".

Deste um exemplo, Diego, para os milhares de jovens que saem cada vez mais cedo sem chance nas peneiras da pátria amada, mãe gentil. Sem essa, meu nego, brigam Espanha e Brasil pelos direitos do mar, o mar, porém, meu velho, é das gaivotas que nele sabem voar --que me desculpe pelo arremedo de paródia da música de Milton Nascimento e Leila Diniz.

Caríssimo rapaz de Lagarto, sem essa de traição à pátria, bom foi observar como os espanhóis ficaram orgulhosos pela tua escolha futebolística --sei que seguirás como um brasileiríssimo papa-jaca.

O jornalista e escritor David Trueba, em crônica no "El País", falou bonito. Disse que a tua decisão é motivo de euforia para os espanhóis que vivem grave crise na economia e na autoestima. Com a pegada de chiste e gozação elegante, Trueba exaltou o triunfo sobre a praia de Copacabana, o carnaval da Bahia, as mulheres com adornos de frutas na cabeça, o lema "Ordem e Progresso", a voz de João Gilberto com música de Tom Jobim e versos de Vinicius.

Um legítimo samba-exaltação puxado na castanhola. Aqui, amigo, no máximo farias companhia aos cupins no esquenta-banco de reservas de luxo. Tua pátria é tua bola. O rio Vaza-Barris corre no teu sangue de infância em transfusão com o madrileño Manzanares que te apontou o destino.

"No passa nada". Tua pátria é o universal grito de gol em qualquer língua. Tua pátria é a pequena área. E saibas de uma coisa importante: agora és o papa-jaca mais conhecido do mundo. Deixaste para trás outro filho ilustre da terra, o homem-víbora, Joel Silveira, o maior repórter brasileiro de todos os tempos. Palavra do jornalista pernambucano Geneton Moraes Neto. Aquele abrazo e nos vemos na final do Maraca.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Deu no Diário do Centro do Mundo : Preso por um post: por que a legislação está mais dura com calúnias no Facebook by Mauro Donato

Para quem esquece que a liberdade de expressão deve resguardar o respeito à imagem e à honra de terceiros. E isso vale para nosso comezinho jornalismo diário e semanal, que, de reforma recorrente, "esquece" de ouvir o outro lado, ou, quando o faz, complementa com comentários injuriosos ou jocosos.


Deu no "Diário do Centro do Mundo"   
   
   
Preso por um post: por que a legislação está mais dura com calúnias no Facebook
by Mauro Donato


No recente caso ocorrido no bairro do Butantã (SP) em que as irmãs Victorazzo de 13 e 14 anos foram mortas pela própria mãe numa condição envolta em tanta complexidade que uma avaliação psquiátrica tornou-se primeiro passo, um leitor assinado como Leo Dias comentou abaixo da notícia em um grande portal: “Matem essa cachorra na cadeia”.

Há um risco muito grande nesse comportamento, normalmente desprezado ou ignorado. A internet não só não é “terra de ninguém” como pode trazer problemas sérios ao cobrar judicialmente a responsabilidade de quem fala o que quer.

“Ameaça, calúnia, difamação, injúria, são crimes ao vivo ou por meio da internet. Aliás, essa divisão - mundo real ou mundo virtual - não existe. O que quer que tenha repercussão e interesses jurídicos é passível de responsabilização, sendo que no mundo virtual existe a agravante que é a extensão do dano”, diz Gustavo Guimarães Leite, do ZRDF Advogados. “Difamar ou caluniar alguém aos gritos no meio a rua é uma coisa, fazê-lo na internet é outra, a dimensão do dano é exponencial, a quantidade de pessoas suscetíveis ao ato passa a ser muito maior, portanto a gravidade também é maior”.

Não vivemos sob um regime chinês ou mesmo iraniano, cujo acesso ao Facebook está sendo vagarosamente permitido só agora após 4 anos de bloqueio total. Temos liberdade para acessar, opinar e dar pitacos em tudo o que acreditamos ser relevante. Porém muitos passam daquilo que Obama chama de linha vermelha. “A todos é assegurado o direito à livre manifestação, é um direito constitucional. O que não significa que, ao exercê-lo, você possa ultrapassar determinados limites impostos, principalmente ofender terceiros. Configura-se ato ilícito, abuso de direito, que é passível de responsabilização”, afirma Leite.

Engana-se ainda quem acredita estar protegido caso o ataque não seja individualizado. “Antes de mais nada, é preciso haver a denúncia, que pode ser de uma pessoa (para um crime pessoal – de ação condicionada - só a vítima pode denunciar), mas pode ser movida uma ação penal através do Ministério Público, por exemplo”, continua Gustavo Leite.

Foi o risco que correu o estilista Alexandre Herchcovitch. Após participar da manifestação do dia 17 de junho, no dia seguinte seu perfil oficial do Twitter continha a seguinte frase: "Por que não acontecem manifestações no norte e nordeste? É lá que elegem os políticos corruptos do Brasil". A repercussão foi tão negativa, inclusive entre seus seguidores, que Herchcovitch saiu-se com uma explicação ao estilo porta dos fundos, alegando que sua conta pessoal havia sido hackeada.

Cancelou a conta, mas não evitou provar da máxima “quem fala o que quer, ouve o que não quer” que a internet propicia com crueldade: “Eu sugiro que o moço vá para o Senegal, onde dimensões penianas generosas poderão aplacar eventuais desgostos políticos. Bonne chance!”, foi postado por um leitor do G1, comprovando que dois erros não fazem um acerto.

Mesma sorte não teve um advogado paranaense que, trabalhando em um escritório de São Luís do Maranhão, passou a publicar comentários em sua rede social criticando a cultura maranhense. Alegou que o Brasil não evoluiria por causa dos nordestinos e sugeriu que as regiões Norte e Nordeste sejam riscadas do mapa brasileiro, restando apenas Sul e Sudeste. A Ordem dos Advogados instaurou procedimento disciplinar contra o advogado por conduta indevida de xenofobia e ele hoje está em vias de perder seu registro para exercício da atividade.

Na selva cibernética, as empresas também são alvos frequentes e decisões judiciais estão ajudando a protegê-las dos excessos. A Justiça de Piracicaba condenou três mulheres que organizaram através do Facebook um protesto difundindo boicote à rede Habib’s, a pagarem uma indenização de R$ 100 mil (R$ 33,3 mil para cada uma) pois a iniciativa teve "o intuito de abalar a reputação" da empresa e a induzir a "sociedade a não consumir os produtos por ela fornecidos".

O que faz pessoas julgarem um suicida como Champignon, baixista do Carlie Brown Junior, ou que defendam a extradição compulsória de nordestinos após uma reintegração de posse ocorrida no Grajaú à base de bombas de gás da polícia contra mulheres e crianças é algo que deixo para a psiquiatria explicar. Já as consequências, quem explica é a legislação. Cuidado com o que você posta. Pode sim dar cadeia. Bonne chance.
   

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Um brinde a Dominguinhos

A primeira morte da MPB que curti com reverência e saudade foi Adnorinan Barbosa. Morava ainda na cidade de São Salvador da Bahia, mas a Folha da Praia, naqueles efervescentes verões pós abertura, era minha conexão com meu chão (o Poeta Amaral dizia: seus leitores!). Virou crônica do imberbe estudante de jornalismo na emotiva FDP.
A segunda foi o maior artista da música brasileira (popular? MPB? Isso é invenção acadêmica, pois...), o gênio Luiz Gonzaga, maior de todos os tempos e, pelo que tocam aí, eterno rei. Acho que foi Luiz Eduardo Oliva (pela UFS), - só me ocorre ele agora - que organizou uma festa-sentinela no alto do bairro América, os artistas sergipanos se revezando numa inesquecível homenagem ao rei do baião e de todos os outros ritmos. Despachamos Gonzaga com alegria e festa, apressando ainda seu assento no panteão de nossa fabulosa música.
Depois só me tocou o transbordante Waldick, cuja morte me alcançou no meio de um doutorado agônico, mas que, naquele dia, eu bradei para minhas frágeis convicções com uma rara lucidez: “hoje perdemos um grande pedaço da vida de todos nós”. Larguei textos e certezas acadêmicas e fui ao bar do meu amigo Fabiano, na gélida São Leopoldo, no meu querido e caro Vale do Rio dos Sinos, beber por um dos maiores cantores da música brasileira. Um poeta que também compunha coisas demasiadamente humanas. Me vinguei de nossa imprensa coxinha, que torturou esse latin lover dos palcos do povo e pespegou por cima de seu talento, até o fim da vida, o timbre-preconceito de “brega” (e ele levou essa mágoa para o túmulo), quando li uma crônica de Xico Sá.
Dizia (citando os primeiros versos de “Torturas de amor”): “No cinquentenário da bossa-nova, sinto muito pelos bons modos jazzísticos que tanto agradaram a classe média do sr. João Gilberto, mas ninguém me disse mais coisas do que esse homem que cantava Dostoievski para as putas e para nossas mães ao mesmo tempo”:
“Hoje que a noite está calma/ E que minha alma esperava por ti. / Apareceste afinal, torturando esse ser que te adora.”
Hoje, verto meus copos pela memória de Dominguinhos. Há um disco antológico, registro ao vivo, de uma apresentação de Gonzaga no teatro João Caetano, em 1971, no Rio, com o moleque Domingos arrebentando na sanfona, algo como o que fazem agora os dois filhos sanfoneiros de Erivaldo de Carira. Na passagem de “Numa sala de reboco” para “O cheiro da Carolina”, o gênio se manifesta ali, num solo que só loucos por música sabem se tratar de momento único, porque a indústria fonográfica, na sua ânsia e burrice, não permite esses experimentos se não no acaso de um teatro, fora de seus cânones comerciais (o ouvido das massas, me perdoem os revolucionários da última temporada, é pobre e colonizado. Ou pobre porque colonizado). Essa alegria criativa na música nordestina só é encontrada em raros, como Oswaldinho, outro gigante (luzes nele, faz favor, para não chorarmos saudades só na hora da morte). Oswaldinho é filho de Pedro Sertanejo, um conterrâneo caipira que se impôs no mercado musical do Rio-SP e cujo filho faz diabruras tocando Beethoven no acordeon. Sanfoneiro tocando Beethoven? Só se for da linhagem de Januário, essas almas tocadas pelo dom da arte.
Há uma outra boa história de Dominguinhos, trilha de um amor errante de minha bruta juventude, que, pelo tamanho da epopeia e preguiça do autor, deixo para o próximo adeus. Só cito a música, para quem, como eu, quiser viajar nessas promessas de paixão do nosso forró (isso mesmo: compositores como Humberto Teixeira e Dominguinhos, entre tantos, souberam derramar grandes histórias de amor entre xotes e xaxados). É “Eu me lembro”, um xotinho apaixonado que só quem viveu sabe como toca os mistérios insondáveis do coração.
Uma vez, nos longínquos 80, encontrei Dominguinhos no calçadão da Laranjeiras, ali por onde havia uma loja de discos que apoiou imensamente os artistas nordestinos, a Aki Discos. Numa época em que estrelas como ele deviam ostentar aquela pose artificial obrigatória às celebridades, aquele matuto, grosso na forma e simples no trato, caminhava entre aracajuanos com um despojamento tácito, negociado pelos dois lados, artista e fãs, que, igualmente, o tratavam como alguém que animasse os forrós dos pinga-pus do Beco dos Côcos, um parente próximo a quem cumprimentavam com uma gostosa sem-cerimônica: “Digaaaa, Dominguinhos!”. Eu vi isso e anotei na minha coluna de admiração pelos dois, Gonzaguinha e o povo-povo do Sergipe profundo.

Este senhor que hoje passou para o outro lado (que lado? Pois...) é um dos últimos, sem dúvidas. Mas, como a citação quase forçada de Oswaldinho, talvez para falar de uma continuidade sem a qual não suportamos, como diz Xico Sá, a bundamolice da classe média, saio dessa sentinela-bêbada dizendo aos desavisados: graças a Deus ou ao deus do acaso, gente como Petrúcio Amorim, Maciel Melo e Nando Cordel anda tecendo outras maravilhas do amor e da paixão. Enganam e encantam bestalhões como eu, que, tão incrédulo nessas coisas como nas improváveis conexões com o outro plano, precisam tanto de umas como das outras.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Um texto do jornalista Paulo Nogueira, tão útil e atual nesses tempos de ideias embaralhadas

Usar as prerrogativas da liberdade de imprensa para fins como o de Augusto Nunes incorre justamente no oposto: abusar de um direito da sociedade e, desta forma, enfraquecê-lo. Como diz Paulo Nogueira no texto abaixo, a mídia deve servir à sociedade, e não o contrário. Jornalismo tem que ser crítico e com responsabilidade. Os cursos de comunicação precisam urgentemente rever seus currículos, a formação de seus professores e a própria razão de ser. A maioria deles é feita de gente que jamais pisou numa redação, que não escreve em jornal, internet ou lugar algum. As pesquisas giram em torno do umbigo de seus mestres. Os critérios de seleção de mestrados e doutorados nas universidades públicas precisam ser abertos e transparentes, porque se tornaram políticas de panelinhas, ação entre amigos.
Se os gritos das ruas quiserem a atenção da sociedade, devem incluir demandas como essas.

O ataque de Augusto Nunes a Lula é pedagógico
PAULO NOGUEIRA 10 DE JULHO DE 2013

Ele prova quanto a sociedade está indefesa diante de agressões.

Um texto de Augusto Nunes na Veja ilustra a necessidade torrencial de discutir os limites da mídia no Brasil.

Todo país socialmente avançado tem regras e limites em nome do interesse público.

Para recordar, a Inglaterra, berço da liberdade de imprensa, recentemente promoveu esta mesma discussão depois que um jornal de Rupert Murdoch foi pilhado invadindo a caixa postal do celular de uma garota de 13 anos sequestrada e morta.

Um juiz – o discreto, sereno e brilhante Brian Leveson, que ao contrário dos nossos guarda uma distância intransponível da mídia e dos políticos – comandou os debates, travados sob o seguinte consenso: a mídia existe para servir a sociedade e não o oposto. E não está acima da lei e nem de regras.

O texto de Augusto Nunes me chegou por duas fontes, o que mostra o quanto ele incomodou quem não é fanático de direita.

Numa tentativa bisonha de humor, ele compila títulos de um livro com o qual Lula se candidataria à ABL. Os nomes são sugestões de leitores, e ali você pode ver o nível mental de quem lê Nunes.

Lula é chamado de bêbado, ladrão, molusco, burro, afanador, cachaceiro, larápio e cachaceiro, entre outras coisas.

É um texto que jamais seria publicado na Inglaterra por duas razões. A primeira é cultural: há décadas já não se aceita entre os ingleses este tipo de jornalismo insultuoso e boçal. A segunda é jurídica: a Justiça condenaria rapidamente o autor e imporia uma multa exemplar não só a ele, autor, mas ao veículo que publicou a infâmia.

Não se trata, como cinicamente se poderia argumentar, de censura. Mas de proteção à sociedade contra excessos da mídia.

Em outra circunstância, se alguém quisesse escrever o que quisesse do próprio Augusto Nunes, ele também estaria protegido. Esta a beleza da proteção.

Liberdade de expressão não significa licença para publicar tudo. Um juiz americano mostrou isso de uma forma didática ao falar na hipótese de alguém que chegasse a um auditório lotado e gritasse “fogo”.

Pessoas poderiam morrer no caos resultante do pânico. A liberdade de expressão não poderia ser invocada por quem falasse em fogo.

Murdoch foi obrigado a se submeter a duas sabatinas em que o juiz Leveson questionou o tipo de jornalismo feito em seus jornais
A desproteção à sociedade no Brasil é tamanha que, num caso clássico, diretores da Petrobras tiveram que processar Paulo Francis pela justiça americana depois de repetidas vezes serem chamados de corruptos.

Para sorte dos diretores da Petrobras, as acusações de Francis foram feitas em solo americano, no Manhatan Connection. A ação seguiu seu curso – sem que ninguém conseguisse interferir, o que fatalmente teria ocorrido sob a justiça brasileira. (Serra e FHC se mobilizaram a favor de Francis.)

Tudo que a justiça americana pediu a Francis foram provas. Ele não tinha. Diante da possibilidade de uma multa que o quebraria, ele se aterrorizou e morreu do coração.

No Brasil, Ayres Britto – autor de um absurdo prefácio num livro de Merval – acabou com a Lei da Imprensa quando era do STF, e deixou a sociedade sem sequer direito de resposta e exposta a arbitrariedades e a agressões de quem tem muito poder e pouco escrúpulo em usá-lo.

Para as empresas de mídia, foi mais uma vantagem entre tantas outras. Para a sociedade, foi um recuo pavoroso: ela foi posta em situação subalterna perante a imprensa.

O bom jornalista Flávio Gomes, no Twitter, afirmou que Lula deveria processar Nunes.

Isso se ele pudesse processar nos Estados Unidos, e não no Brasil. Aqui seria simplesmente inútil: o processo seria usado freneticamente como prova de intolerância de Lula à “imprensa livre”, aspas e gargalhada.

E não daria em nada.

Melhor respirar fundo e seguir em frente, para Lula ou para quem enfrente tanta infâmia.

Mas isso não elimina o fato de que o texto é uma prova do primitivismo da mídia brasileira e da legislação que deveria colocar limites claros e intransponíveis.

Não fazer nada em relação a isso – debater limites como a Inglaterra — é um caso de lesa pátria.

O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Matéria retirada do site da Empresa Brasil de Comunicação (EBC/TV Brasil)

TV Brasil recebe a visita do presidente da Fundação Aperipê, Luciano Correia

Gerência de Comunicação Social - EBC 28.05.2013 - 19h29 | Atualizado em 29.05.2013 - 19h43

O rapper Hot Black participou do programa Sem Censura. (Ana Paula Migliari/ TV Brasil)
O presidente da Fundação Aperipê, de Sergipe, Luciano Correia, visitou as instalações da TV Brasil, no Rio de Janeiro, na segunda-feira, 27 de maio. Juntamente com Mônica Passos e Leonel Nascimento, diretora Financeira e procurador Jurídico da Fundação, respectivamente, Luciano acompanhou o rapper sergipano Anderson Passos, o Hot Black, em ações de divulgação do programa Estação Periferia, que vai estrear na TV Brasil no sábado, 1º de junho, às 17h.
O projeto é resultado da parceria entre a Fundação Aperipê e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e surgiu da versão local do programa Periferia, produzido pela Aperipê e idealizado por jovens da periferia de Aracaju. “A gente já desenvolve as nossas gramáticas audiovisuais no universo da televisão e com uma qualidade que tem repercussão e boa aceitação no Estado”, diz o presidente da Fundação Aperipê, Luciano Correia.
“A coprodução com a TV Brasil do Estação Periferia é uma coroação dessa experiência de televisão, levada para a importantíssima janela dos 27 estados do País e também da TV Brasil Internacional”, diz Correia. Para ele, o Estação Periferia também marca o início de um diálogo capaz de permitir a exibição de outras produções locais na emissora pública.
Correia também destaca o fato de o programa ter sido inteiramente produzido por um equipe local, fora do eixo Rio-São Paulo. “O Estação Periferia também nos enche de orgulho por apresentar uma alternativa concreta de programação televisiva para o país inteiro”, afirmou. “A indústria cultural brasileira teve o modelo montado a partir do eixo Rio-São Paulo, de costas para o Brasil” afirmou, reforçando que o programa é um bom exemplo da capacidade técnica e criativa da produção de emissoras de outros estados do país.
Para divulgar a estreia do programa, o rapper Hot Black participou do programa Sem Censura, comandado pela jornalista Leda Nagle, na TV Brasil. “No Estação Periferia, a gente dá oportunidade para que as pessoas possam falar por elas mesmas”, contou o rapper que também gravou participação em outra atração diária da emissora, o Estúdio Móvel.
“Pessoalmente, me sinto muito feliz por ter a oportunidade de mostrar a periferia como comumente ela não é vista na TV”, diz o apresentador, que também se orgulha de ver um projeto de Sergipe em observação nacional, a partir da estreia na grade da TV Brasil.
Estação Periferia. O projeto surgiu da versão local do programa Periferia, produzido pela Aperipê de Sergipe, idealizado por jovens da periferia de Aracaju. O objetivo é revelar o que há de mais positivo nos aglomerados de baixa renda. Com edição dinâmica e trilha musical cuidadosa, o Estação Periferia é o retrato do audiovisual de um enorme contingente que vive fora dos grandes centros, marginalizados, com dificuldades, mas com uma criatividade incrível.
Inteiramente desenvolvido por uma equipe fora do eixo Rio-São Paulo, o programa mostra a capacidade técnica e criativa de produção audiovisual de outros Estados brasileiros.
  • Direitos autorais: Creative Commons - CC BY 3.0

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Os uivos, gritos e sussurros de uma resistente periferia


Os uivos, gritos e sussurros de uma resistente periferia


* Luciano Correia



Uma notícia está chegando lá do Maranhão
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão 
Veio no vento que soprava lá no litoral 
De Fortaleza, de Recife e de Natal 
A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus, 
João Pessoa, Teresina e Aracaju 
E lá do norte foi descendo pro Brasil central 
Chegou em Minas, já bateu bem lá no sul 
                   (Milton Nascimento-Fernando Brant)



Em 1º. de junho estréia em rede nacional, pela TV Brasil (e outros 68 países que recebem a TV Brasil Internacional), o programa “Estação Periferia”, produzido pela TV Aperipê de Sergipe, comandado pelo rapper Hot Black. Periferia é uma expressão que virou moda e, como ocorre nesses casos, logo apropriada pela cultura mainstream. A emissora líder tem até uma apresentadora especialista nessas emergências de culturas que irrompem a todo momento, em todos os lados do mundo. Cá para nós da Aperipê e do pequeno estado de Sergipe, além do marco significativo de emplacar nacionalmente e mundo afora um programa feito em casa, demarca ainda uma nova forma de olhar a vida e a matéria prima de que se serve a tevê.
O mercado brasileiro de televisão nasceu e se multiplicou com um defeito de fabricação: conceber um país com uma visão distorcida, a partir do eixo Rio-SP, desconhecendo, como na música de Milton, que o Brasil não é só litoral. O “litoral” aqui é uma metáfora para essas concepções de Brasis paridas desde o circuito Ipanema/Leblon-Av. Paulista, desfocada porque autista, ignorando tudo que não seja o umbigo ou, quando muito, exibindo uma amostra canhestra do que supõem ser o país fora de seus domínios. Foi preciso que um presidente desalinhado com o oligopólio exercido pela rede dominante criasse uma alternativa para os brasileiros enfastiados com seus realities e novelas emburrecedores, usando a presença do poder público para ofertar outros mundos possíveis na cultura, na arte e nos modos de fazer televisão.
O establisment, como é de seu feitio, costuma absorver inclusive as demandas emergentes e domesticá-las, num processo de pasteurização que expurga nutrientes, que, no caso da produção cultural, mata o espírito criativo. A riqueza do Estação Periferia é que ele sorve diretamente na fonte, sem intermediários que busquem interpretar o mundo para terceiros, além de ser chancelado pela deliciosa aventura de fazer televisão, sem conceder às coca-colas do mercado. Concebido, roteirizado, produzido e depois realizado pela TV Aperipê de Sergipe, a equipe viajou por todo país para captar a alma bruta das ruas, todas as manifestações da vida e da cultura que “não saem no jornal” nem “passa na TV”, ou, quando comparecem, é com essa versão artificializada referida anteriormente. Para isso, contou com a execução de um projeto, que resultou em recursos, limitados mas suficientes para encararmos os desafios. Desde a primeira captura de imagens até a conclusão dos primeiros dezenove episódios, foi um longo e penoso caminho, que aqui não cabe relatar, mas apenas lembrar que o engenho de transformar um projeto em papel em programas de TV implica em obstáculos, transpiração e sofrimento.
Evidente que essas empreitadas são comuns já há bastante tempo pelos grandes canais estabelecidos na praça publicitária que os financia. O inusitado aqui é a capacidade de uma equipe sergipana, que destrinchou os meandros burocráticos de Brasília para emplacar o projeto e, por fim, realizar um feito inédito na história da televisão sergipana. O Brasil pulsante das ruas que vocês verão na tela da TV Brasil a partir de 1º. de junho não é só o espetáculo televisivo traduzido nas cores da arte, mas lições de vida, conhecimentos do povo e da juventude que muitas vezes se reinventam a todo instante para sobreviver, em muitos casos sob o olhar frio das autoridades e a criminosa ausência do Estado, o poder público.
Cumpre, assim, uma infinidade de missões sagradas, num país cujo audiovisual tornou-se refém da mediocridade das audiências e dos ditames do mercado publicitário. No caso de um programa que desvia o foco daquela que um político definiu como nossa classe média branca e bem nutrida, mais que dar voz à massa cinzenta e opaca que não está nas novelas da zona sul carioca, traz um canto como esse aqui, pouco lembrado, que ilustra a alma dos guetos e nos permite encerrar novamente com música: “Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade/ Somos nós a alegria da cidade. / Apesar de tanto não, tanta marginalidade/ Somos nós, a alegria da cidade” (“Alegria da cidade”, Jorge Portugal/Lazzo).

* Luciano Correia é professor da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Ciências da Comunicação pela Unisinos (RS) e presidente da Fundação Aperipê de Sergipe.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

“100% transpiração e toda inspiração que couber”


Jornalista Luciano Correia explica como a Fundação Aperipê evolui em sua gestão

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“100% transpiração e toda inspiração que couber”

Por Joedson Telles

Quem assiste à TV Aperipê, hoje, atesta um amadurecimento. A televisão parece mais profissional. O que o senhor apontaria para justificar essa mudança?
Começa com a escolha de uma equipe profissional, cujo critério observado é tão somente: capacidade, seriedade, ética e dedicação. 100% transpiração e toda inspiração que couber. Depois, a otimização dos recursos disponíveis, desde o pessoal, material e financeiro. É graças a essa visão que temos conseguido produzir muito, mesmo funcionando no limite.

Qual a importância do jornalismo nesta nova fase do sistema Aperipê?
O jornalismo é fundamental em qualquer veículo, porque ele sedimenta a relação com o público, na garantia do direito à informação, à diversidade, e na fiscalização do exercício da democracia. Nós expandimos nossa produção jornalística, com  mais um telejornal, o “Conexão Aperipê”, com um formato novo, com a participação de colunistas diariamente. São colaboradores que versam sobre os assuntos mais variados: comunicação, meio-ambiente, economia, cultura, políticas públicas, vida urbana, mídia e mercado etc. Implantamos um boletim apresentado desde a redação a cada hora, o “De hora em hora”, tanto na TV como nas rádios. Há um mês colocamos no ar dois novos programas: o “Espaço Público”, que eu apresento, dedicado a temas do interesse da sociedade e o “Contraponto”, um programa que eu concebi e apresentei durante quatro anos numa TV fechada de Aracaju. É uma salada semanal de assuntos abordados sob o tom informal das boas conversas, como se fosse uma mesa de bar ou café, por figuras da comunicação e da cultura sergipanas, como Antônio Passos, Amaral Cavalcante, Carlos Cauê, Jorge Carvalho, Sales Neto, Paulo Lobo e outros convidados.

Em se tratando de linha editorial, o que o telespectador deve esperar de uma TV Estatal? E como o senhor definiria, hoje, a situação da Aperipê?
Em termos editoriais, levo a credibilidade que persigo há anos, junto com uma equipe rigorosa e sem vícios da política e do mercado, embora eu não tenha preconceitos contra um ou outro. O Estado e a sociedade bancam uma TV pública, no nosso entender, para receber dela uma programação alternativa ao cardápio ofertado pelas grandes redes abertas, que, no Brasil, está cada dia pior. Esse é o papel das políticas culturais do Estado e de um governo comprometido com uma visão moderna, arejada e progressista nos campos da comunicação e da cultura.

O programa Espaço Público, apresentado pelo senhor, às terças-feiras, vem tratando de temas variados, levando opinião e contraditório ao telespectador – e aos internautas. É difícil fazer um programa aberto, sem censura, numa TV Estatal? Que tipo de programa jamais vai ao ar na Aperipê, enquanto o senhor for presidente?
Não tenho lista de vetos. Jamais trabalharia com essa perigosa sombra. Agora, tenho minha formação na área de televisão, que, portanto, se traduz em escolhas, metas, diretrizes. Eu apenas lamento que o Estado, como ente público e que representa a sociedade, não seja laico no seu pleno funcionamento. Recebi outro dia representantes de movimentos do audiovisual, parlamentares e sindicatos da comunicação e disse que gostaria de vê-los também defendendo esse laicismo na definição da grade de nossa TV e rádios. Tenho acenado ainda para outros segmentos, como o Ministério Público Federal, que tem se mostrado interessado em discutir a comunicação pública e democrática. De todo modo, nossa líder, a TV Brasil, vem discutindo a questão dos programas de cunho religioso e é possível que tenhamos novidades nos próximos meses.

A TV é um veículo focado no entretenimento. Um bom observador percebe que o jornalismo, em muitos casos, soa um penetra na programação. O senhor como jornalista de formação acha que é possível mudar esta realidade?
Essa é uma questão delicada. Defendo ainda que cada um funcione no seu quadrado. O jornalismo está sendo espetacularizado. Aliás, trato desse tema num livro que lancei em 2007, “Jornalismo e espetáculo: o mundo da vida nos canais midiáticos”. Esta invasão do entretenimento no campo estrito do jornalismo está submetendo este último às lógicas do mercado e do mundo dos negócios. É um perigo evidente que põe em risco uma das conquistas clássicas, desde as lutas ideológicas do Iluminisno, que é o jornalismo como direito público e independente, com a missão incondicional de fiscalizar o funcionamento dos poderes e da democracia.

E no que diz respeito ao rádio? Quais as principais mudanças? O rádio em Sergipe é muito persuasivo. Na política mesmo é talvez o veículo mais forte. Mas é muito vulnerável à participação de pessoas a serviço de políticos. Os chamados “ratos de rádio”. Como o senhor lida com isso?
 O rádio segue sendo um meio extremamente forte, de fácil penetração e de longa vida. Quando surgiu o cinema, acharam que era o seu fim. E ele se manteve forte. Idem com o advento da televisão. Agora, com a internet e a convergência digital, seguramente vai manter seu lugar privilegiado, embora, como os demais, buscando seus reposicionamentos, inclusive novos modelos de negócio. Aqui em Sergipe temos uma situação única, que é a reverberação de uma esfera pública distorcida, porque fruto da ação de lobistas, assessores carimbados e outra sorte de “ouvintes” e “cidadãos”, mas, enfim, este é o tecido social, que é feito mesmo dessas matizes e contradições. O que não entendo é o uso político e partidário. Por exemplo: um parlamentar trata de sua representação política no exercício do mandato, e, em seguida, utiliza o rádio para promover demandas que ele considera importantes. É uma completa confusão de papéis que as autoridades deveriam observar. O rádio não pode servir de instrumento para a chantagem contra o poder público ou qualquer outro. Entretanto, em sua maioria, ele é porta voz de causas específicas e localizadas.

Qual a importância da Internet nesta nova fase da Aperipê?
A importância é estratégica: com a digitalização, os meios de comunicação de massa começam a mudar suas lógicas, a começar pela própria perda de importância. Não que os grandes veículos irão desaparecer. Ao contrário, é possível até que entrem nesse novo mundo digital com bem mais condições de enfrentar a concorrência, promovendo uma espécie de “refeudalização” do espaço público midiático. Na Aperipê, nós já entendemos há bastante tempo que tudo daqui em diante será pensado a partir das lógicas da convergência de meios. Enquanto não fizermos nossa passagem para o patamar digital, exploramos com radicalidade as possibilidades da internet. Por isso, nosso conteúdo local, que é infinitamente superior – em horas e em qualidade – à concorrência, é postado todo ele nos nossos canais no You Tube.

E o sinal digital e os novos equipamentos para modernizar a TV? Quando o senhor espera contar com isso? 
Os veículos da Fundação Aperipê, as duas emissoras de rádio e a TV, já sofreram um forte investimento no digital desde o começo do governo de Marcelo Déda. São quase dois milhões de reais num processo que, a rigor, já representa o primeiro passo para a digitalização. Agora estamos focado na TV digital, que começa com a compra do transmissor e os complementos necessários. Temos de fazer isso para não desaparecermos nos novos televisores que serão sintonizados só pelos canais digitais. E também porque temos diante de nós o chamado switch off, ou seja, o apagão analógico, que é o tempo determinado por lei para o desligamento da transmissão analógica. Ele foi antecipado nas capitais e grandes regiões metropolitanas para 2015. Mas estamos nos movendo dentro do governo para fazê-lo nos próximos meses. O governador Marcelo Déda vem conversando sistematicamente comigo sobre essa agenda. Apenas depende das condições financeiras do Estado, que, como nas demais unidades da federação, vem sofrendo constantes quedas de receita. Mas confiamos que logo teremos a Aperipê digital.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Carta de Aracaju


Documento elaborado pelas TVs públicas do Nordeste, reunidas em Aracaju, no final de abril. Como anfitrião do encontro li a carta hoje na abertura do V Encontro do Comitê de Rede da TV Pública, em Brasília, na sede da EBC/TV Brasil.


CARTA DE ARACAJU


Os representantes das TVs Públicas do Nordeste, reunidos em mais um encontro, em Aracaju (SE), nos dias 26 e 27 de abril de 2013, vêm reafirmar o firme compromisso com a construção de uma televisão pública brasileira democrática, plural e diversa, sob o comando e liderança da TV Brasil, cuja própria criação, pelo ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, materializa as expectativas de uma programação televisiva que ofereça à sociedade brasileira os valores que contemplem o reforço da cidadania nos aspectos culturais, econômicos, políticos, identitários, esportivos etc.
Definiu também pela construção de “janelas de produção” que funcionem como banco dos produtos realizados pelas emissoras integrantes do grupo, para intercâmbio, discussão e fortalecimento das respectivas grades de programação. Reconheceu a importância da transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série C, não só pela sua força como produto televisivo, traduzido em audiência e perspectivas de captação, mas também como elemento agregador pela via do desporto, entendendo que o futebol praticado fora das séries de maior visibilidade contribui para a preservação dos clubes regionais, enraizados na identidade dos brasileiros de pequenas e médias cidades, principalmente.
Também apontou a importância da transmissão da Copa das Confederações pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em parceria com as rádios públicas associadas, cuja rede configurada fortalece as emissoras regionais e a própria cabeça geradora. Por fim, os membros do encontro apostam firmemente na junção de esforços para uma transmissão coletiva e em rede dos festejos juninos no Nordeste, por entendê-los como produto essencialmente voltado para o formato da televisão, proposta que deve ser apresentada no Encontro do Comitê de Rede da TV Pública, em Brasília, nos dias 7 e 8 de maio de 2013.

As TVs Públicas do Nordeste.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Incansáveis golpistas


Não gosto dessas posições apriorísticas de uma certa esquerda superficial, ou, pior, do falso batalhão de democratas de última hora, como o senhor Paulo Henrique Amorim, que, por conta de suas refregas com a Globo, inventou um improvável PIG, o Partido da Imprensa Golpista. Não que o exercício da imprensa, no Brasil, não seja muito pior do que os chavões brandidos pelo sensacionalista apresentador da Record, mas quando as discussões já nascem toscas, o resultado sai ainda pior.
Vejamos o caso das eleições na Venezuela. A imprensa brasileira, sobretudo aquelas meninas bonitinhas da Globo News, trabalham duro há anos para desconstruir a figura de Hugo Chavez e a herança política legada por ele. Um detalhe (se é que isso é detalhe): governou por 14 anos, após ser eleito democraticamente. Antes disso, tentou um golpe e pagou por isso, na forma que as democracias cobram: cadeia. E o que querem mais as menininhas da Globo News? Capar Hugo Chavez? Ou, como diz a música de Chico, jogar pedra na Geni?
Ontem o herdeiro principal do Chavismo, Nicolás Maduro, venceu a eleição democraticamente. O derrotado é um molecote fascista, um Collor nascido com uns 20 anos de atraso nessa América Latina cansada de mauricinhos aventureiros. Eleição é feita de regra: e Maduro venceu dentro da regra. Mas, por ter vencido por uma margem surpreendentemente pequena (esperavam-se oito pontos de diferença e esta não passou de dois pontos), o arremedo de estadista financiado pelos venezuelanos de Miami rasgou a norma, pediu recontagem e assanhou a imprensa golpista. É triste concordar com PH Amorim, mas é fato. Acuado – e abatido pela vitória apertada – Maduro concordou com uma recontagem, que, ao fim e ao cabo, confirmará sua vitória. Porque o sistema eleitoral da Venezuela é tão confiável quanto o nosso (das poucas coisas confiáveis, lá e cá).
Enfim, é inacreditável que o analista-mor da Globo, aquele que o populacho chama de Merdal Pereira, questionasse hoje cedo a “legitimidade” do vencedor para governar. Estamos agora aguardando as soluções propostas pelos herdeiros do dotô Roberto Marinho sobre o caso. Ou seja, o presidente ganhou, mas ganhou por pouco na contagem do Merdal. Assim, na sua lógica caseira, ganha mas não leva. Esta é a visão de democracia da Globo e do jornalismo periguete da Globo News.
  

quinta-feira, 21 de março de 2013

O Ministro Joaquim Barbosa


Artigo do advogado Amadeu Garrido


O MINISTRO JOAQUIM BARBOSA 
* Amadeu Garrido

Não faz parte da análise política e, especialmente, da política judiciária, examinar as características pessoais de seus agentes. O que importa é ter em mira seus atos, sob a ótica da axiologia e do interesse público. 
No entanto, o princípio, como todas as regras, pressupõem inevitáveis excessões. É o caso do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Joaquim Barbosa. Originário do Ministério Público Federal, onde militou por pouco tempo, teve a felicidade, em geral extremada de seus irmãos afrodescendentes, de adornar os conhecimentos jurídicos adquiridos na Universidade de Brasília, nos Estados Unidos e na Europa, aperfeiçoamento possível graças à sua inegável inteligência, marcada, sobretudo, pela objetividade. 
Conquistou uma cadeira no Supremo Tribunal Federal graças a uma visão enviesada do então Presidente da República, no interior de uma sistema nada democrático de escolha dos Ministros de nossa Suprema Corte. Considerava-se imperioso escolher um negro, depois da primeira mulher, Ellen Gracie. No seio da comunidade, conquistou a primeira posição aquele que era forrado de erudição, ficando evidenciado à nação que nem todos os negros são carecedores desse atributo. 
No entanto, Joaquim nunca manifestara solidariedade a seus pares ou se engajara em atividades políticas. Preferiu a via misógina do crescimento pessoal, em que, sem nenhuma dúvida, saiu-se vencedor. Num país de profunda injustiça social, sobretudo em relação aos negros e pobres, optou pela acusação. A defesa dos que se desviam ainda que um milímetro das malhas da lei, seja por  justificados motivos sociais, nunca foi seu forte. 
No STF, sempre deixando público seu mal de coluna (ainda que tenha sido pilhado por um jornalista "inconveniente" saboreando, relaxadamente, com um amigo, uma estupidamente gelada), foi o único Ministro que jamais recebeu advogados em seu gabinete, que lá se dirigem para expor razões, não para ousar corromper e sair algemados. Os relacionamentos descortezes com seus pares também demonstraram que não é um homem vocacionado ao trabalho respeitoso num colegiado judiciário. 
Agora, reiteradamente coloca sob suspeição toda a magistratura. Insatisfeito com uma primeira increpação, que ensejou resistência de todas as entidades nacionais de juízes, volta à carga, falando em conluio entre magistrados e advogados. Pela razão de serem próximos, amigos, antigos colegas de faculdade etc. Foi enfrentado por seu colega do CNJ, Tourinho Neto: "Vossa Excelência é duro como o diabo", disse o antigo juiz ao nosso Torquemada. 
Longe, com o acima exposto, de pretendermos dizer que as condenações do Mensalão foram injustas. Nesse episódio, Joaquim Barbosa foi irrepreensível. É preciso, porém, que o povo entenda que, simplesmente, um membro do Judiciário cumpriu seu dever e, por isso, não merece o endeusamento que lhe rendeu uma população combalida pela corrupção crônica. 
Não nos cabe aconselhar ninguém e tampouco o titular desses cargos figurantes no cume do Estado brasileiro. Porém, convém lembrar a matéria de Sumathi Reddy, do "Wall Street Journal", a respeito do riso e com menção ao "sorriso de Duchêne", que "gera uma emoção psicológica positiva e mudança no cérebro", como disse Paul Eknem, professor emérito de psicologia da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Um único (o primeiro) já poderia ser benjazejo pessoal e politicamente ao Ministro Joaquim.

* Amadeu Garrido é advogado, membro da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História

segunda-feira, 11 de março de 2013

Um sujeito que o vulgo mal educado, cansado de tanta calhordice, trata-o por "Merdal".


Do blog Indignem-se, de Paulo Nogueira:


Devemos entender que a violência dá as costas à esperança. Devemos preferir a esperança, a esperança da não violência. Este é o caminho que se deve aprender a trilhar.
Stéphane Hessel, autor de “Indignai-vos”.
A epígrafe acima fala sozinha. E reflete a alma do Diário.
Indignação, sim. Violência, não. Luther King é uma eterna inspiração.
Isto posto, algumas palavras sobre um tema que despertou apaixonada polêmica nas redes sociais neste final de semana: o esculacho dado por um grupo de manifestantes no colunista Merval Pereira.
Em sua coluna no Globo, Merval afirmou que teve seu “dia de Yoani”. Foi reconhecido, xingado e hostilizado, segundo seu relato. Chutaram seu carro, afirmou.
A versão dramática foi colocada em dúvida por alguns. “Merval teve seu atentado da bolinha de papel”, tuitou alguém.
A referência é ao clássico episódio em que Serra terminou num aparelho de ressonância magnética, na campanha de 2010, depois de levar uma bolinha de papel na testa piramidal.
Alguém desafiou Merval a provar, com uma vistoria, que seu carro foi danificado.
Tudo isso colocado, e sem que eu de Londres possa elucidar a real dimensão do episódio, o que me impressiona é o seguinte: Merval imaginava que era admirado fora do exíguo circulo conservador em que milita?
Foi o que me pareceu, pelo tom de seu artigo. Merval me lembrou o diretor da Bastilha que estranhou que a multidão não estivesse ali para festejá-lo naquele 14 de Julho de 1789.
A mesma coisa já me chamara a atenção no caso Yoani. Os organizadores da fala em que Yoani foi hostilizada foram claramente surpreendidos pelas vaias entusiasmadas a ela.
Merecidas ou não, e cada um tem sua opinião, as vaias eram absolutamente previsíveis. Yoani virou, no Brasil, ídolo do chamado 1%. Exatamente por isso, será esculachada pelo povo.
A defesa obstinada que Merval faz de causas antipopulares dá a ele uma série de coisas: coluna no Globo, microfone na CBN e na Globonews e, por isso, bons cachês para palestras.
Mas admiração, carinho, afeto por parte da chamada voz rouca das ruas, evidentemente, não.
Merval e congêneres são amplamente detestados, e é surpreendente que não tenham noção disso. Parecem viver num universo paralelo.
Em seu “dia de Yoani” Merval teve, na verdade, um choque de realidade. Está – graças a Deus – inteiro, intacto para fazer as reflexões que o episódio merece.
O mais importante é ele aceitar o fato de que não é, definitivamente, um campeão de popularidade.
Leia mais: Indignem-se