segunda-feira, 4 de maio de 2020

Anotações sobre o fim do mundo (XI)

Minha (triste) vida de cachorro com a Deso
Há 25 anos vim morar no Mosqueiro, na ponta final da Sarney, onde Judas perdeu as botas. Ninguém queria nem andar por aqui, imagine viver. Mas vi uma entrevista de Jane Fonda dizendo que dormia com um travesseiro com um simulador das ondas do mar e aí tomei a decisão que há tempos pretendia: vim morar no mar. Não é um mar de Pessoa ou dos bem nascidos (e melhor vividos) do Morada da Praia, I e II. O condomínio onde me escondo foi assim descrito pelo jornalista Zenóbio Melo numa visita que me fez, para alguma rodada de grogue certamente, há uns 15 anos: “porra, eu pensei que você morava num condomínio da Sarney. Isso aqui é o Marcos Freire IV”.
Além de fazer parte da série D, no dizer do linguarudo Zenóbio, não recebíamos sequer os vapores da então preciosa água da Deso. Todos tínhamos que recorrer a poços artesianos que nos ofereciam diariamente água, barro e ferro, este último diluído nas duas substâncias. Como tal estatal é mal afamada desde os tempos do nosso fundador Cristóvão de Barros, instalei uma geringonça tecnológica que separava a água que jogava no jardim e outra que era filtrada por carvões e mecanismos da engenharia, para ter o moderno direito a uma água capaz de lavar um copo. Investimento de uns dois pilas.
Anos depois a sempre mal afamada Deso descobriu que já era lucrativo expandir seus negócios pras bandas da Sarney, numa visão social parecida com o atual ministro da Economia, o Posto Ipiranga, que nesse momento frita no caco de Satanás. Instalada no Condado do Mosqueiro, assim nomeado pelo teatrólogo Jorge Lins, aspirante a Conde, sempre tivemos um casamento como todos, ou seja: mais desamor do que harmonia. Até que um dia... até que muitas vezes ficamos a mercê de seus descasos, literalmente desabastecidos.
Nesta semana que este domingo enterra, a famigerada Deso achou pouco sua trajetória de malfeitora e nos aplicou dois violentos golpes de uma só vez: além de provocar o célebre “a água não está subindo”, ainda nos entregou boletos com reajustes de, no meu caso, 100%. Sem uma notícia, uma advertência que fosse, para evitar infartos e crises de fúria, a caixa-preta estatal piorou os serviços e aumentou o preço da má prestação. Para uma empresa com visão social Posto Ipiranga, era o único jeito dela participar da agonia da pandemia. Senão, não seria a Deso.

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