quinta-feira, 15 de setembro de 2011

É a vida, assim é

Ainda Pedro Juan Gutiérrez, no mesmo "Trilogia suja de Havana", falando da vida e de como as coisas são:

"Definitivamente, é assim que se vive: aos pedacinhos, empatando cada pedacinho, cada hora, cada dia, cada etapa, empatando as pessoas daqui e dali dentro da gente. E assim se arma a vida como um quebra-cabeça. 
Não gosto de falar das etapas da minha vida porque a dor se remexe. Mas assim é. Vive-se em capítulos. E é preciso aceitar. Muita gente à minha volta andou injetando rancor e ódio no meu coração. O final era previsível: ingressar no caos, seguir para baixo e não parar até o inferno. Quando estivesse assando no azeite e no enxofre em chamas, não haveria mais remédio.
Já estava seco e fedendo a gases sulfúricos quando consegui deter a queda. E comecei a recuperar algo do melhor. Me custou esforço. Nunca voltei a ser o mesmo. Por sorte a vida é irreversível. E, sobretudo, não continuei rodando até o inferno. Provas que a vida nos impõe. Se não se sabe, ou não se consegue superá-las, aí se tomba. E talvez não se tenha tempo nem para se despedir."   

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Borborigmas indiscretus


"Tanto faz" é um livro antológico, porque, se não inaugura, mas inscreve com talento o espírito beat na literatura brasileira contemporânea. Reinaldo Moraes, autor desta e de algumas outras grandes obras, incorporando Ricardo, protagonista e alter ego, conta o drama do personagem, estudante brasileiro fazendo mestrado em Paris, recebendo uma brasileira na sua kitnet, num momento intermediário entre a chegada da moça e a pretensão de levá-la à cama. Uma dor de barriga no meio do caminho:
- Abaixa as calças ao mesmo tempo que ouve o clek da vitrola ao fim do disco instaurando o silêncio na sala-quarto, a centímetros de onde ele está. Ouve até o pipocar esporádico das sementes de maconha no charo que Vera está puxando agora. Logo, os mínimos ruídos no banheiro também serão perfeitamente ouvidos por ela. É óbvio, ele pensa. Com a bunda devidamente ajustada na tampa de plástico do vaso, sente o tropel das Valquírias tripas abaixo, prenunciando explosões aerofágicas. Ricardo entra em pânico. Recorda o que leu numa certa Ars Amatória que achou num sebo da Rue Mouftard, escrita por um espanhol ocioso: o corpo do amante não tem fisiologia, diz o cara. Recomenda-se não jantar antes de um intercurso sexual para evitar “los muy desagradables y comprometedores borborigmas gastrointestinales”. Olé.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fé e demônios na Cuba de Pedro Juan Gutiérrez, em "Trilogia suja de Havana"



“Me deito sozinho e tranqüilo. Nada de sexo. Sexo demais nos últimos dias. É preciso descansar um pouco. Descansar e agradecer a Deus e pedir força e saúde. Só isso. Não preciso de mais nada. Tenho de evitar os demônios e ser forte. Definitivamente, sem  fé qualquer lugar é outro inferno.”

“Precisava colher um pouco de carqueja-amargosa para um descarrego. Tinha de fazer uma limpeza no meu quarto da cobertura porque nos últimos dias senti duas vezes um leve perfume de mulher. Como se o hálito desse espírito passasse ao meu lado. E isso me deixa louco. Não é bom ter espíritos escuros rondando em volta.”