quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O grotesco debate sobre a chegada do Uber em Aracaju

Sergipe é um estado autista, com respeito aos portadores desse problema, no sentido de um isolamento burro e renitente em relação ao mundo, afinal, não há nada meritório em remar contra as marés. Hoje pela manhã, a bizarra esfera pública formada pelos programas de rádio locais empreendeu uma vigorosa resistência à implantação do serviço do Uber em Aracaju. A narrativa dos âncoras, os comentários dos selecionados participantes e os depoimentos das servis autoridades ilustraram um espetáculo lastimável, digno da saudosa Sucupira de Dias Gomes.


Nas emissoras, taxistas e representantes deles desfilaram todo tipo de violência verbal e, pelo menos em um caso, ameaça física de invasão e depredação do prédio da Câmara de Vereadores. Violência mesmo, até agora, cometeu a Câmara de Aracaju e seus 21 omissos vereadores, que, no ano passado, na contramão do que acontece no mundo civilizado, aprovaram a proibição do Uber, ou quaisquer aplicativos equivalentes, de servir à população com um serviço comprovadamente melhor e muito mais barato. Se tivéssemos uma imprensa minimamente independente, cabia perguntar a troco de quê tais vereadores, incluindo os que se dizem progressistas, votaram a favor dos mesquinhos interesses corporativos, contra os da maioria da população.


Mas o capítulo mais grotesco foi protagonizado justamente pelo órgão municipal de trânsito, a SMTT. Antes, um parêntese: nos últimos quatro anos Aracaju viveu a pior gestão dos últimos 50 anos, uma verdadeira tragédia social que deixou acéfala a prestação de serviços básicos nas áreas de saúde, manutenção da malha viária, fiscalização e funcionamento de feiras, limpeza das ruas, iluminação pública, vigilância sanitária etc. Nunca houve tamanho abandono, omissão e conivência como na deletéria administração prefeito João Alves, isso pra dizer o mínimo. Mas foi justamente no enfrentamento de um dos maiores problemas das cidades, o da mobilidade, que esse governo irresponsável abusou da incompetência e má fé. Desde o primeiro dia, e numa proporção que avançou desgraçadamente rumo ao caos completo, a SMTT não cumpriu sua principal função, de fiscalizar o funcionamento do trânsito e coibir infratores. Em Aracaju impera o caos e a impunidade, contra um sistema que, malandra e maldosamente, só cuidou, nos quatro terríveis anos, de otimizar a aplicação e cobrança de sanções, a velha conhecida indústria de multas.


Pois partiu da SMTT, na voz de sua risível assessoria, ir a público brandir ameaças de prisão e multas aos motoristas do Uber, qualificando-os ainda de criminosos (claro: se há uma lei da Câmara proibindo o serviço, logicamente a insistência resulta em crime), numa insólita e repentina manifestação de legalismo, justamente por quem se omitiu de cumprir as mais elementares leis do trânsito por quatro anos. Por fim, para piorar o que piorado estava, pediu o apoio da população para denunciar a presença do Uber na cidade. Ora, eis aí a melhor e irrefutável prova do descolamento da administração municipal e os desejos da população. Apoio! O povo quer é o Uber, quer quebrar a panelinha corporativista dos taxistas que prestam um péssimo serviço, a preços de primeiro mundo.


Se alguém tivesse de quebrar qualquer coisa nessa hora, se fosse civilizado quebrá-las, seriam justamente os exploradores do Uber e uma população desejosa de respeito, quebrar as indecentes panelinhas de uma omissa, cúmplice e atrasada Câmara Municipal. Esta, senhores e senhoras autoridades do trânsito e excelências da Câmara, é uma causa perdida desde ontem, quando, só nas primeiras horas, mais de 20 mil se inscreveram para explorar o novo serviço. Nunca é demais citar aquela imagem do carro alegre da História, que atropela indiferente todo aquele que a negue.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Uma nova esfera pública

"Depois do surgimento da web, na metade dos anos 1990, não houve grande mutação técnica, somente uma profusão de pequenas evoluções e progressos. No plano sociopolítico, o grande salto me parece ser a passagem de uma esfera pública dominada pelos jornais, pelo rádio e pela televisão para uma esfera pública centrada nas “wikis", nos blogs, nas redes sociais e nos sistemas de moderação de conteúdos onde todo mundo pode se exprimir. Isso significa o começo do fim do monopólio intelectual dos jornalistas, dos editores, dos políticos e dos professores. Um novo equilíbrio ainda não foi alcançado, mas o velho sistema dominante está em franca erosão."
Pierre Lévy, filósofo francês estudioso da cultura virtual contemporânea, em entrevista ao Fronteiras do Pensamento


quinta-feira, 24 de março de 2016

Não existe o lado bom e o lado mau na crise brasileira

O golpe começa, primeiramente, pela Globo

A manchete do Bom Dia Brasil: "STF reage à declaração de Dilma de que o impeachment é golpe".
A matéria. Duas falas, duas tão somente, de Dias Tóffoli e de Carmen Lúcia. Ambas as falas são pontuais: impeachment é previsto em lei, portanto, não é golpe.

A declaração da Dilma, na véspera: o impeachment, na forma sistemática com que tem sido referida, sem acusações formais e concretas, é um golpe.
O que fez a Globo. Omitiu nas entrevistas com os ministros do STF as observações da presidente, fundamentais ao contexto, resultando em perguntas secas, descontextualizadas. Algo como: "a presidente disse que impeachment é golpe. O que o sr. (ou sra.) acha disso?" Isto, sim, é golpe. É falseamento da realidade, omissão deliberada e criminosa. Manipulação, desonestidade, parcialidade. Violação da democracia.

Não fui à manifestação do dia 18 porque, como se viu nas fotos, as comissões de frente são parte do problema. Minha atitude é clara: defender a democracia. Mas os desmandos, roubalheira e incompetência devem ser punidos, sem perdão. Os partidos envolvidos na trama deverão sucumbir, primeiramente, pelo voto do eleitor, afinal, o voto é a base da democracia. Ou não? Ou só vale a "minha" ideia de democracia? As ações na justiça devem prosseguir e justiçar os responsáveis, mas de forma limpa e honesta, simétrica e não seletiva. Não é o que ocorre. Assim, enquanto isso não for reparado, O GOLPE TAMBÉM É DA JUSTIÇA!

Votei em Dilma porque não havia nome menos pior. Já sabia da barafunda que se avizinhava. Fui num ato público de apoio em Aracaju às vésperas do segundo turno. Não que o personalismo, a energia e a oratória de uma pessoa indistintamente sejam fundamentais à capacidade de governar. Mas governar é exercer liderança com sutil habilidade, coisa que a postura dispersiva e vazia da presidente deixava a desejar. Como disse, votei na alternativa possível, meu voto útil para não favorecer a bandalheira de sempre, os 40 mil vezes 40 ladrões liderados pela iniquidade que atende pelo nome de Aécio Neves. Agora eu, como outros 54 milhões de eleitores, teremos de aguentar este governo inepto, vacilante, covarde. Os 48% que votaram em Aécio terão que aguardar, porque este número é minoria, embora apertada. Desconsiderar isto é golpe. É quebrar as regras, se o Brasil quiser funcionando dentro das regras e ser considerado, ainda, um país civilizado.

O impeachment com denúncia procedente está previsto em Lei - e nem precisa perguntar a ninguém, porque está na letra da Lei. Se houver indícios, que se apure e se cumpram os ritos, até a decisão final. Sem isto, é golpe! E para um golpe só a energia das ruas para decidir.

Dilma não tem mais condição de governar com o governo que montou, porque sem apoio e legitimidade. Mas a renúncia só agravaria a crise institucional. A solução é um governo de coalizão. Juntar os cacos que sobraram dessa frágil democracia, invocar a governabilidade e, aí sim, fazer um governo pensando nos 48% insatisfeitos. Todas as alternativas anteriores à solução só vão aprofundar a divisão do país, com riscos imprevisíveis.

A saída é política e com os políticos. O Congresso está apodrecido, mas tem que ser de dentro dele a solução. Negar o Congresso porque é podre é uma mentira. TODOS os setores da sociedade brasileira, TODOS ELES, até os clubes de mães e das meninas virgens de 15 anos estão apodrecidos. NINGUÉM tem autoridade política ou moral para atirar mais lama nos políticos brasileiros. Como dizia o poeta Cazuza, "somos todos iguais em desgraça".