Tenho andado impaciente
com nosso Brasil, cada vez mais. Talvez a idade diminua a tolerância com nossas
mazelas naturalizadas, o que é uma burrice minha, sem dúvidas, pela incapacidade
em exercer tolerância até como arma de defesa. A raiz do meu enfado reside
nisso: a naturalização dos nossos defeitos. Ontem, 20 de dezembro, tomei um
porre federal para embalar a viagem de Reginaldo Rossi. Gastei cada faixa dos
sete ou oito CDs desse que era, de fato, um grande cantor. Sem querer puxar
assunto com os defensores de uma suposta estética musical, me intriga o fato
dessa banda de intelectuais ignorarem solenemente o fenômeno Rossi. Nada de
mais em passar a vida caetaneando os pós-modernismos, os hermetismos pascais,
mas conseguir passar ao largo das canções de amor e de sofrimento de um
compositor tão rico, é puro esnobismo.
Rossi levou para o túmulo
uma mágoa que jamais conseguiu remover: a pecha de brega, uma idiotice
fabricada pelos formadores das opiniões, incluindo a miúda e rasa imprensa.
Mais importante do que abrir uma discussão sobre isso é a constatação de mais
esse sintoma da esquizofrenia que rege as mentalidades desse Brasil que se arvora a
moderno e grande. Grande no tamanho, pequeno de alma. Na curta história da
música brasileira, tivemos poucos cantores tão talentosos como esse que
pespegaram a fama de O Rei do Brega. Poucos conseguiram retratar com tanta
humanidade as dores e as delícias da vida, particularmente das coisas do
coração e da paixão. Mas é como se ele nem existisse. Melhor: para existir,
tiveram de folclorizá-lo, transformá-lo num sub-produto da cultura, figura
excêntrica, um personagem.
Acho que ele cansou de
dizer que não era nada disso e resolveu encarar as coisas como elas estavam
postas, ou seja, naturalizar o tratamento de imbecil dispensado por gente do
naipe de Faustão, pra ficar no mais vistoso dos galhofeiros. Em terra de sapo,
de cócoras com eles, afinal, era o preço cobrado pelo sucesso, a carreira e os
louro$$ que tanto fascinam os homens e as mulheres. Rossi não deveria mesmo
ficar de fora do circo musical e deixar de desfrutar da merecida glória. Mas
nunca engoliu essa grosseria perpetrada por jornalistas burros e a classe média
brasileira. Brega são vocês! Como pode alguém ouvir os sete ou oito CDs que
ouvi ontem e concluir, depois de tudo, que se trata de uma obra brega? De onde
esses estilistas do acaso tiraram seus conceitos? Não foi em Walter Benjamin
nem em Adorno, claro. De todo modo, a mágoa de Rossi foi com ele no caixão, mas
o espantoso é isso: a continuidade de nossa (nossa, e não dele!) breguice desfilando incólume, às vezes até buscando ares de elegância, como se
vê nas entrevistas das ivetes da praça. Nossa jequice, esta sim, é a religião
da hora, com a péssima música que toca nas ruas e uma televisão porcaria, que
dá ouvidos a iniquidades como o Padre Marcelo, desgraçadamente também Rossi.
Por essas e por tudo o
mais, Rey Rossi, a gente de alguma forma morre um pouco com você. Porque o espetáculo
que fica está cada dia pior.