Na Piauí de abril
último o professor de Filosofia Marcos Nobre, no ensaio O Caos como Método,
mostra que a aparente ausência de racionalidade no modo de Bolsonaro governar
não é ponto fora da curva, se não uma opção pela disrupção como forma de atuar
e manter-se na política. O texto é um manual para entender o momento político atual
e o contexto mundial que tornou isto possível. Um dado interessante: num
governo antiinstitucional e antissistema, formado de visões e interesses tão
conflitantes, ele acomoda em si, no seu interior, os papéis desempenhados pela
oposição, ainda mais quando padecemos da falta de uma oposição estruturada.
Nas conclusões,
diz o filósofo Nobre: “Ainda que fosse por puro instinto de sobrevivência,
partidos comprometidos com a democracia deveriam simplesmente abrir mão de
disputar militância neste momento, formar convergências em cada um dos campos
políticos (à direita e à esquerda) e apontar para uma frente ampla democrática
que congregasse os dois lados. Partidos deixaram de ter importância. Muitos
partidos se tornaram radioativos, inclusive. É o caso do PT. Mas também do PSDB
e do MDB. São inapelavelmente identificadas com o próprio sistema político na
forma como funcionou nos últimos vinte anos”.
Ao ler, lembrei
de Lula, que, justamente se pronunciando sobre esse tema, rejeitou
veementemente qualquer ideia, na suposição purista (logo quem!!) de que os
demais de uma frente ampla – menos o PT – não merecem alianças. Mas lembrei
também de Golbery, o diabólico gênio que urdia a geopolítica da ditadura.
Melhor: lembrei dos que citavam Golbery como o estrategista encoberto da
criação de um partido de oposição para dividir a oposição e a esquerda
brasileiras do final dos 80, quando os novos partidos se desenhavam no horizonte.
É difícil provar
tal hipótese, mas é emblemático como o PT inicial gastava tanta munição contra
o pobre Partidão, o velho PCB cansado de lutas que já nem latia alto. E, por
apresentar essa debilidade, era covardemente atacado como “reformista”, palavrão
que hoje virou oração na política do mundo inteiro. A política desagregadora do
PT, fruto da doença infantil do hegemonismo, era ação em causa própria, até a
chegada ao poder, quando, em nome da tal governabilidade, rendeu-se ao
ordinário, no pior sentido. Uma boa prova disso está em outra edição de Piauí, na
matéria que trata da terna relação entre o guru petista e o doutor Emílio,
aquele que dá nome àquela empreiteira safadinha famosa nos quatro cantos. Mas
essa já é outra história.