sábado, 25 de julho de 2020

Anotações sobre o fim do mundo (XX)



     Na Piauí de abril último o professor de Filosofia Marcos Nobre, no ensaio O Caos como Método, mostra que a aparente ausência de racionalidade no modo de Bolsonaro governar não é ponto fora da curva, se não uma opção pela disrupção como forma de atuar e manter-se na política. O texto é um manual para entender o momento político atual e o contexto mundial que tornou isto possível. Um dado interessante: num governo antiinstitucional e antissistema, formado de visões e interesses tão conflitantes, ele acomoda em si, no seu interior, os papéis desempenhados pela oposição, ainda mais quando padecemos da falta de uma oposição estruturada.

     Nas conclusões, diz o filósofo Nobre: “Ainda que fosse por puro instinto de sobrevivência, partidos comprometidos com a democracia deveriam simplesmente abrir mão de disputar militância neste momento, formar convergências em cada um dos campos políticos (à direita e à esquerda) e apontar para uma frente ampla democrática que congregasse os dois lados. Partidos deixaram de ter importância. Muitos partidos se tornaram radioativos, inclusive. É o caso do PT. Mas também do PSDB e do MDB. São inapelavelmente identificadas com o próprio sistema político na forma como funcionou nos últimos vinte anos”.

     Ao ler, lembrei de Lula, que, justamente se pronunciando sobre esse tema, rejeitou veementemente qualquer ideia, na suposição purista (logo quem!!) de que os demais de uma frente ampla – menos o PT – não merecem alianças. Mas lembrei também de Golbery, o diabólico gênio que urdia a geopolítica da ditadura. Melhor: lembrei dos que citavam Golbery como o estrategista encoberto da criação de um partido de oposição para dividir a oposição e a esquerda brasileiras do final dos 80, quando os novos partidos se desenhavam no horizonte.

     É difícil provar tal hipótese, mas é emblemático como o PT inicial gastava tanta munição contra o pobre Partidão, o velho PCB cansado de lutas que já nem latia alto. E, por apresentar essa debilidade, era covardemente atacado como “reformista”, palavrão que hoje virou oração na política do mundo inteiro. A política desagregadora do PT, fruto da doença infantil do hegemonismo, era ação em causa própria, até a chegada ao poder, quando, em nome da tal governabilidade, rendeu-se ao ordinário, no pior sentido. Uma boa prova disso está em outra edição de Piauí, na matéria que trata da terna relação entre o guru petista e o doutor Emílio, aquele que dá nome àquela empreiteira safadinha famosa nos quatro cantos. Mas essa já é outra história.