domingo, 29 de maio de 2011

Bibi Ferreira no tempo

Nos anos 80 eu trabalhava na SMTT, dirigida à época por Bosco Mendonça, quem começou toda essa história que resultou no órgão eficiente e enxuto de hoje, um modelo para o sempre torto serviço público. Bosco, entre austero e meio doido, sempre foi rigoroso com horários, reuniões, etc. Numa noite de sexta feira, se apresentava em Aracaju Bibi Ferreira, com seu consagrado “Piaf”. Eu, então das duas, Bibi e Piaf, ansiei como em nenhuma outra vez mais na vida ver aquele espetáculo que encantava platéias no país inteiro. Eu ali, na Vila Cristina, a metros do Atheneu, avançando na noite da sexta numa das intermináveis reuniões promovidas pelo superintendente Bosco. Bibi, a diva, a belíssima filha de Procópio Ferreira, uma das poucas artistas a quem adorei, começava seu espetáculo sem a minha insignificante presença.
Acho que me vinguei de Bosco meses depois, quando, numa nova coincidência de datas entre o interesse público e os meus, optei por permanecer na então Praia dos Artistas com os lombreiros da Folha da Praia, que uma tarde de domingo é para ser gasta com uma enfieira de cervejas. Perdi o emprego, mas mantive o amigo, dos melhores que tive, até hoje, amizade sólida. Bosco, além de tudo, é dado a surpresas, como esta: em 8 de dezembro de 2007, minutos antes de começar minha defesa de mestrado no prédio da Faculdade de Design de Porto Alegre, ele irrompeu na sala para levar o abraço e o conforto ao amigo que, duas horas depois, se transformaria em mestre em comunicação.
No sábado passado, acordei com Bibi na Globo News, radiante nos seus oitenta anos, falando da vida e da fantástica carreira de uma artista polivalente, no teatro, na música e na televisão, em várias atividades. Fala do pai, que ficou rico com a bilheteria do teatro, mas, também, perdeu tudo com belas mulheres. Dessas moças que falam na TV, algumas com status de atrizes, e que gritam horrorosamente ao falar. E receita: “tem que falar num tom bem mais baixo, assim...”. Bibi Ferreira é elegância pura.
Como eu, Bibi Ferreira não gosta de falar ao telefone. Para ela, para passar recados e acertar detalhes: “Ok, tal hora, em tal lugar... Fechado”. Mas cede à exceção: “A não ser por amor. Por amor, tudo vale”.
Mas o amor, como se sabe, nada tem a ver com casamento. A repórter pergunta de seus seis casamentos. Ela retruca: “Seis? Pensei que tivessem sido cinco”. E arremata: os romances foram todos iguais, do primeiro ao último. Se soubesse, diz ela, nem repetiria. Transcrevo esta última frase sem aspas, porque não é literal e não vou confiar na memória, mas foi mais ou menos assim. Diva divinal Bibi!
        

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dona Helena ressuscita o Reisado do Mosqueiro

No último sábado aconteceu, na Orla Por do Sol do Mosqueiro, a apresentação do Reisado do Mosqueiro, grupo folclórico que preserva uma das mais belas e tradicionais raízes culturais de nosso estado. Dona Helena merece um capítulo à parte, pela história de resistência para manter funcionando o grupo que remontadécadas, de pais para filhos. Não são apenas as poderosas atrações da indústria cultural que ameaçam as manifestações tradicionais, mas também os pequenos grupos de bairros, manifestações emergentes de uma cultura suburbana em que predominam ritmos como o arrocha, pagode e outros, todos eles legítimos, a não ser pelo fato de que ocupam os espaços sem deixar sobras para a diferença. Que o digam os milhares de carros de som que infernizam nossa vida cotidiana, com a complacência da polícia e do Ministério Público.
Num mundo onde a publicidade e a mídia martelam o tempo inteiro seus conceitos de “ser jovem e moderno”, de uma estética concebida nos laboratórios do consumo (laboratórios de cosmética, inclusive e principalmente), insistir num modesto reisado é quase uma loucura.
Mas, contra a corrente das modas e, mais recentemente, contra um câncer que quase a abateu, dona Helena é uma heroína da resistência cultural. Mantém seu pequeno grupo de crianças e adolescentes com os minguados recursos que arrecada nas festas ocasionais que realiza na própria casa.
Este jornalista que vos fala, tão pobre quanto dona Helena, desde muito é um voluntário na cruzada pela manutenção da diversidade cultural do Mosqueiro, bairro-povoado onde vivoquase 17 anos. Em 2001 gravei um pequeno documentário sobre o reisado e agora, na minha volta para casa, depois de cinco anos, retomei minha modesta contribuição. Esta, a propósito, consiste basicamente nisto: fazer a ponte com o poder público em questões prosaicas, como a reserva de um espaço, a colocação de gambiarras, etc. Isto mesmo: os sem-voz, como dona Helena, necessitam de embaixadores improvisados para fazerem as vezes, com ofícios e coisas que tais junto à impenetrável burocracia estatal.

A nota triste

Na festa de sábado, conseguimos espaço, gambiarra e até a cessão de uma equipe de filmagem, pelo governo, para a gravação do sonhado DVD do grupo. Uma alegria para dezenas de famílias, tão fartas de pagodes e parangolés. Idosos saudosos de seus melhores tempos, crianças maravilhadas com uma forma de cultura que não conheciam nem pela TV (principalmente na TV), enfim, uma confraternização de uma comunidade historicamente esquecida pelos poderes públicos.
Na apresentação do sábado, uma mulher incorporou o personagemdoidapara agredir e afrontar todas as famílias presentes, atrapalhando a dança e lançando impropérios e gestos obscenos na direção de todos, evidentemente incomodados com as agressões. A todo momento, pessoas retiravam a figura, conhecida na região comoNegra Lia”, que imediatamente voltava ao local e reiniciava seu espetáculo paralelo. Sem polícia no local (lembram da história do abandono?), moradores ligaram para o 190, que, com uma explicação técnica (para eles, claro), negaram a ajuda.
O pior da história é a ligação da desordeira com o proprietário do único bar beneficiado com a implantação da Orla, o conhecido Kid, que, em outros momentos, tem demonstrado aberta reação à comunidade, em atitudes grosseiras e até recusa em servir moradores locais no seu bar. No carnaval, o Kid (nome apropriado ao perfil) ordenou a retirada de ambulantes que tentaram vender alguma coisa no calçadão, assumindo assim as funções de xerife e se arvorando substituir o papel das autoridades.

Providências

Com tantos movimentos em defesa da agora chamada Zona de Expansão, esperamos que a vontade de mudança na região se traduza em ações concretas, como esta, voltada para a cultura, cidadania e segurança, evitando a ação nefasta de coronéis de bairro, xerifes autonomeados para defender seus interesses, geralmente comerciais.
Por fim, que essa trave no olho não ofusque a beleza da festa e a sensibilidade do governo do Estado e da PMA em apoiar uma das mais ricas manifestações de nossa cultura.  

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Princesa e as plebéias

Amigas queridas comentam post do blog sobre o casamento dos boas vidas ingleses. O marido, o príncipe William, muito mais boa vida do que qualquer mortal. Dizem, com razão, que um casamento como este é um espetáculo riquíssimo em todos os detalhes, do cerimonial da realeza aos panos da noiva, da enorme bolsa de Elizabeth e a inevitável pergunta que ela deriva: o que tem na bolsa da Rainha? A crítica às minhas recaídas machistas-leninistas, são pelavontade em ver no casório algum tempero de entretenimento. De fato, não acho graça na festa dos ricos, pela perfeição do script, mas me distraio com a dos pobres, pelo conjunto da obra que uma bagaça dessa traz consigo.
Xico Sá, cronista melhor colocado no ranking da hora, faz uma crônica comovente no seu blog, muitíssimo mais visitado que o meu. Ele fala nas feiras livres de Sampaulo e a beleza das “donasque encantam nossas compras e fazem a festa de feirantes e pregoeiros. Xico a feira como uma alegre festa de princesas anônimas, apertadas nos vestidinhos e largas nos sorrisos. Segundo ele, os vendedores são mestres em produzir gracejos, adjetivos às pencas, elogios às dúzias. Por fim, vaticina: “Meia hora de uma mulher na feira vale mais do que um mês de análise, do que a onda de orientalismos tantos do mercado, do que a yoga, do que o mestre japonês das agulhas, do que uma banheira de sais, do que um dia de cartão de crédito free na Oscar Freire...”
Então, voltando ao cronista da feira do Augusto Franco, também me encanto mais com as cenas do cotidiano, naquilo que ele oferece de prosaico e belo, como a vendedora de queijo de olhos de ressaca, que não sei bem o que é, mas li em Machado e penso que cabe naquela beleza brejeira. Alguns hão de dizer que cada um carrega os sonhos do tamanho de sua alma. Pode ser. Mas não me importo se minhas expectativas estão no circuito Mosqueiro-Augusto Franco-Itabaiana. Nada tenho contra o glamour dessa gente polida em forma e conteúdo, que estou num momento hardy.
O lirismo do cotidiano, para usar o título de uma antiga coluna da revista Vida simples, depende da encomenda do freguês, e pode ser captado, inclusive, nos jardins de Buckingham. Remar com a maré ou preferir a diversidade, é uma questão de escolha do papel para entrar no grande circo da vida, nas novas variações de realidade e fantasia.   

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Obama e Osama e o gosto por sangue

Ontem foi um dia bom para a América, segundo o presidente Barack Obama. Os motivos desta declaração são fartos e não precisa repetir: Obama e os americanos comemoravam o assassinato de Osama bin Laden. Esse Barack endoidou ou ficou político demais, no sentido do politicão oportunista. Fiquei pensando: onde estava o jovem brilhante que se elegeu presidente da maior potência do planeta com um discurso reformador, representado no esperançoso sloganSim, nós podemos”? O Obama de ontem, com sua operação de guerra numa cidadezinha do Paquistão, ganhou a reeleição, mas perdeu a essência. Nem de longe lembrava o pacifista simples, despojado das vaidades e usuras do poder. Obama morreu com Osama.
Além de celebrar a morte de alguémque não é coisa de gente boa e normal – o presidente convertido em guerreiro mentiu ao dizer que, com a morte de bin Laden, o mundo estava livre dos seus atentados., afinal, ele sabe que a Al-Qaeda é hoje descentralizada e autônoma e não dependia do seu patrono para botar pra quebrar mundo afora. O próprio Osama, um militante ensandecido, não figurava como principal guru ideológico. O médico egípcio que assumiu ontem seu lugar estava mais “prestigiado” entre seguidores. É possível, pois, que a morte de uma liderança que agonizava por inanição política reacenda uma nova onda de vingança, não na Europa e EUA, mas nos conflagrados Paquistão, Afeganistão, Iraque e Palestina.
Eufemismos
As primeiras notícias, desde a madrugada da segunda no Brasil até o início da manhã, revelavam uma mídia afobadinha e imprecisa, dando crédito, por exemplo, a uma foto manipulada digitalmente. depois assumiram o fiasco. Na mesma onda, repetiam as alegações dos executores americanos: o corpo teve um enterro no mar, de acordo com os ritos islâmicos. Como assim, enterrado no mar? Queriam dizer, certamente: jogado ao mar, para os tubarões. Quanto aos rituais islâmicos de preparação dos mortos (que inclui lavar o corpo e embalá-lo em lençóis), pode-se ter uma idéia a partir do tratamento dispensado aos presos do Iraque ou de Guantânamo.
Num dos canais brasileiros dedicados ao jornalismo, uma repórter repetiu o dia inteiro: “parecia até final de campeonato”. Endoidou também, a pobre moça. O canal, sem critérios, exibiu a infeliz frase uma, duas, dez vezes num dia. Pobre jornalismo pobre!
Obama deverá ganhar sua eleição, com apoio de democratas e gente de esquerda do mundo inteiro, na certeza de que ele é um mal menor, perto dos psicopatas republicanos. Mas longe da idéia do homem que nos pareceu – e a tantos de minha geraçãoquando, no dia de sua vitória, comemoramos a ascensão de um César negro desta Roma moderna. Que feio, mister presidente!