sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Uma aventura no Banco do Brasil

O Banco do Brasil é também uma cara do país no exterior, com sua marca forte, marcando presença em eventos esportivos e patrocinando atletas a peso de ouro, graças ao lucro fácil de qualquer banco, como é de praxe. Mas a vida fácil é para eles, felizardos. Entrar numa agência para pagar uma conta em qualquer lugar do país é um suplício. Esta semana a simpática marca do BB entrou na minha nada doce vida em dois momentos. A primeira, na agência do campus da UFS no Rosa Elze, onde, para abrir uma singelaconta universitária”, somos obrigados a entregar documentos que a legislação não exige.
, a força da lei é coisinha pequena, perto dos gerentes almofadinhas ansiosos em busca de bons negócios. Minha conta, depois de três idas à tal agência, ainda não foi aberta. Dentre as exigências, tive que indicar doisamigos” (ouconhecidos”, não lembro como é estabelecida a categoria da pessoa escolhida). Fiquei sem ação diante da necessidade, que me pareceu esdrúxula. Lembrei de uma velha história itabaianense, protagonizada por José Augusto Baldocki, que, face a exigência de um fiador para comprar uma cama no comércio aracajuano dos anos 70, não teve dúvidas: indicou o então reitor Aluízio de Campos.
Como minha conta não foi aberta, imagino que os dois amigos indicados se encontram neste momento examinando os riscos de assumir tamanha responsabilidade. Quem sabe não tenham razão!

O BB serrano

A agência do Banco do Brasil em Itabaiana parece locação de filme B. As paredes estão sem reboco ou tinta, o teto é formado do emaranhado de fios entrelaçados, de todos os tamanhos, cores e espessuras, com alguns praticamente raspando a cabeça dos infelizes usuários. Nesta quinta, fiquei duas horas e meia numa fila que, além de não andar, de vez em quando era engordada por pessoas que, cansadas, tinha ido sentar numas cadeiras no meio do salão. O controle da fila é na base do método paraguaio: la garantia soy yo. Isto porque o BB do século XXI ainda não implantou, em Itabaiana, qualquer sistema de distribuição de senhas, mesmo que fosse uma singela pedra numerada.

Banco social, eu?

Mas o pior estava por vir: depois de perder a tarde, de , sou informado por um simpático caixa que o BB não aceita pagamento de luz, telefone, água e condomínio. O primeiro, diz ele, graças à decisão da Energisa, que, depois de privatizada, resolveu impor o banco que lhe convêm, à revelia dos consumidores. O segundo boleto, da Vivo, pelos mesmos motivos, pode ser pago em um algum lugar que não é o BB. O da Deso prioriza nosso queridíssimo Banese. Palmas para a Deso, pois também sou defensor do nosso glorioso banco estatal. Mas, na minha ignorância, não achava que o convênio de um órgão público com determinado banco eliminava as disposições em contrário. Perdi a tarde numa fila e não paguei nada: esta é a idéia de modernidade de Banco do Brasil, Vivo, Energisa, Deso e da suspeitosa contabilidade do condomínio onde vivo.
Ah, o BB vira as costas ao povo e patrocina atletas de ouro, mas tem seu lado social: mesmo no cenário de terremoto da agência de Itabaiana, um eficiente ar-con refrigera e tempera nossa vida com ares suíços.



terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Nosso jornalismo de cada dia

De volta à querida tabinha, quase não leio jornal impresso. É um mau sinal, para eles, claro. Mas uma ligeira olhada nos diários me faz pensar nas coisas de que se ocupam jornais, jornalistas e colunistas. Talvez a crise que eles vivem, independente da crise maior dos impressos no mundo inteiro, tenha a ver com isso: o que eles pautam para suas páginas. Não custa lembrar, que esquecem sempre, que o jornalismo é serviço público. Propaganda e publicidade são outra coisa e têm lugar determinado, fora dos tradicionais espaços do jornalismo. O “esquecimento” dessas regras básicas fragiliza ainda mais uma instituição que, no nosso caso, é historicamente frágil.
O resultado de tudo isso é que o mundo que sobressai desses jornais parece incrível, fora da realidade, sem problemas. Vejamos o caso das editorias políticas. Resumem-se a cumprir uma função que interessa mais aos disputantes de cargos públicos, atuais e futuros. A reproduzir as lutas dessa classe especial, não raro representando seus interesses e, pior, incorporando seu modo de vida. Isto significa: viver, agir, pensar como a turma que dirige. Isto é lamentável. O jornalismo assim não serve a causa nenhuma e, na primeira oportunidade, os que se servem de seus veículos trocam isso por qualquer coisa.
Aliás, não custava examinar o tamanho das audiências. Das TVs, cuja abrangência, até ontem, não passava de Nossa Senhora da Glória. A cobertura dessas regiões era feita pelo satélite, daí a floresta de parabólicas nas cidades do sertão, por exemplo. os diários, mantêm uma velha fraqueza: são consumidos, basicamente, pelas repartições públicas. E assim seguem, governistas e chapa branca, como sempre. Costume raro em Sergipe é ver a gente comum, um trabalhador, chegar numa banca e pedir um jornal local.

Nem tudo são flores

Entretanto... a vida das ruas segue pobrezinha, com o povo sendo tratado como gado, pagando um dos mais caros transportes públicos do mundo e, certamente, o pior. Ninguém muda isso. Nãoum vereador, de oposição, da situação, da peste que pariu, que tenha algo a dizer sobre essa indecência perpetrada no tempo. Nãopartidos. Nãoimprensa. Nãosociedade civil. Nãonada, ONGs amigas. Aliás, nãonada errado mesmo. Eu é que estou aqui delirando e achando, absurdamente, que as coisas deviam ser diferentes.
Mas a cidade tá malzinha, com o centro picotado de buracos enormes, um trânsito incompetentemente mal dirigido (ou não dirigido) e um festival de pardais e redutores agora democraticamente distribuídos. Que pena, minha linda e querida Aracaju.   

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Blog de férias por uma semana

Alô, alô!! Desde a segunda passada me encontro na Unisinos, trabalhando o dia inteiro, sem intervalos. Trabalhando na versão mais recente da tese; preparando minha apresentação no 5o. Seminário de Pesquisa do Grupo de Pesquisa Cepos (que ocorreu hoje de manhã, com excelente acolhida); e em reuniões com meu orientador.
Desculpem a ausência. Logo voltarei com novidades.
Aqui, encontrando colegas novos e antigos, professores da Unisinos e de outras universidades: Sérgio Mattos, da UFBa; Sandra Reimão (ECA-USP); César Bolaño (UFS); Martin Becerra (Universidade de Quilmes - Argentina); Mª Trinidad García Leiva (Universidad Carlos III - Madrid). Semana rica, frequentando ainda a disciplina de Convergência Digital ofertada pelo doutorado em Comunicação. Bons debates, bancas de qualificação, enfim, respirando as atividades acadêmicas.
Até a próxima semana ainda estarei nessa maratona, até a quinta, quando, como ninguém é de ferro, subirei a Serra Gaúcha para um merecido refrigério. Dia 13 de dezembro, data de nascimento do maior cantor e compositor da música brasileira de todos os tempos, São Luiz Gonzaga Rei do Baião e dos Outros Ritmos, estarei de volta à nossa bela Aracaju, com as bençãos de Deus e os desconfortos da Gol.
Mas prometo logo voltar aos nossos temas cotidianos, do jornalismo e da mundana vida.

sábado, 27 de novembro de 2010

Um roteiro de despedidas

Seis meses de blog

Está dito atrás que este blog começou há vários anos, mas depois acabou abandonado pelo seu chefe fundador. Voltei a blogar pelas razões explicitadas, mas não custa repisá-las: o enfraquecimento do jornalismo como serviço público, em favor das lógicas do entretenimento e do negócio; o declino da imprensa tradicional, que, por esta razão, diminui espaços, corta custos (empregados e salários nas primeiras levas); a necessidade de intervenção nesta nova esfera pública midiatizada, no sentido de que, se não deixará de ser privada pela ação de blogs independentes, contará, ao menos, com a presença indispensável do contraditório. Aqui estamos para isto.

Retomei o blog há seis meses, com o objetivo acima descrito, e também como fio de ligação com meu público e meu chão, não obstante estarmos num ambiente cada vez mais desterritorializado, o universo on line das redes infocomunicacionais. Meuexílioacadêmico em Madrid, para um doutorado sanduíche na Universidad Carlos III, pedia compensações emocionais e de identidade. Ainda mais na difícil travessia que vivi neste período, culminada, por fim, com a perda do meu querido pai. A temporada de estudos longe dos últimos momentos de meu velhinho, o resgate dos compromissos desde os anos 80 estabelecidos com meus leitores da FOLHA DA PRAIA, a retomada de uma militância política que transfere o combate do partido para o jornalismo.

Do jornalismo que pratico há décadas (eu e um caminhão de gente no mundo inteiro), o chamado new journalism fiz um diário de minhas experiências, ora mais particulares, ora universais mesmo. Aqui começo um roteiro de despedidas pela Espanha e fecho este capítulo para abrir outros, com a pretensão de inserir estas experiências no espaço comum em que tudo se discute, do particular ao universal, do público ao privado.    


O Marrocos

Antes de deixar Madrid, fui ao Marrocos, dessa vez com três amigos brasileiros que vivem em Barcelona. O continente africano sempre me fascinou e, em duas ou três vezes antes, tentei ir ao Marrocos, desde o Porto ou Granada. Para terem uma idéia do preconceito europeu: em 98 o funcionário de uma agência de viagem do Porto me desaconselhou a fazer um circuito sozinho por este país, pelos perigos que representava. Curioso: no momento em que escrevo esse texto, a bordo da segunda pior companhia aérea do mundo, a Tap, com seu atendimento de quinto mundo, folheio jornais portugueses que dão conta de uma violência que não vi no Marrocos nem nos países europeus onde estive ultimamente. Portugal tem uma bela comida, bons vinhos... e o fado. Até as mulheres, que em todo canto são amáveis e apaixonantes, aqui se assemelham, pela grossura, a homens. Fado sim, fodas não.

Cheguei a Marrakech com uma hora de atraso, graças à pior companhia aérea do mundo, esta, sim, a campeã, Ryanair. É um pau-de-arara voador, com uns vinte meninos de colo chorando desde a sala do embarque em Barajas até o controle de passaporte nesta cidade linda e avermelhada. Fico com certa pena das aeromoças, obrigadas a circular pelo corredor vendendo bujingangas e perfumes, como fazem os bancos brasileiros, inclusive os estatais, que obrigam seus funcionários a atingirem metas ou cotas.
O Marrocos é lindo, envolvente, experiência radical, mas às vezes abusa de nossa paciência. Reza a tradição que toda compra deve ser negociada. sabia disso, mas sem idéia de como isso é estendido a tudo e como nos cansa. Minha estréia foi no táxi que me levou ao pequeno hostal situado nos limites da Medina, na parte de dentro, onde se encontravam os colegas de Barcelona. sabia que o preço da corrida antecipadamente, mas fui obrigado a entrar numa absurda negociação para regatear o que, para mim, parece apenas o preço justo. Por fim, batemos o martelo: dez euros, por uma corrida de menos de cinco quilômetros, o que é caro, mesmo para os padrões europeus.

No hostal, sou recebido pelo sorridente Ali, que, além de não falar espanhol, arranha um inglês na velocidade 5, de modo que compreendo uma outra palavra. Ele oferece a bebida que, a partir de então, vai ser minha companhia de copo nesse país muçulmano: o chá de menta. É impressionante, porque, embora se consiga álcool em hotéis e restaurantes, no restante do país é impossível molhar o bico. Embora saiba da resposta, sempre pergunto por uma cerveja, um rabo de galo que seja, mas eles riem e dizem queálcool não”.
segundo dia foi consumido nas vielas e no mercado de Marrakech, instalando uma tourada sempre que pretendia comprar um regalo para minha finada comunidade de namoradas, hoje reduzida à tietagem de irmãs e sobrinhas. Para não negar a fama de bicho-grilo, posta por amigos como Jorge Carvalho, no dia seguinte encarei um programa radical: eu e mais doze subimos as montanhas que circundam Marrakech, território berbere, e andamos o dia todo numa van até Zagora, uma cidade bonita e organizada nas franjas do Saara.
Mais uma meia hora de carro e paramos num povoado, para compras necessárias no ambiente off-civilização: papel higiênico e muita água. A van avançou mais alguns quilômetros e, finalmente, trocamos seu desconforto pelo desconforto elevado ao cubo oferecido por um camelo. Pode ser bonito no cinema, mas é um troço estranho, com umas puxadas, ralando a bunda, coxas e pernas e provocando assaduras pelos dias seguintes. Minha curiosidade logo foi lançada à bela representação feminina do grupo (o bela fica por conta, principalmente, de uma loira argentina hollywoodiana e uma madrileña mui guapa). Qual a sensação feminina de andar de camelo? a maranhense Júlia se arriscou numa resposta: “dá uma coceirinha boa”. Hummm.

O deserto radical

Uma hora e meia e algumas piadas depois, chegamos num acampamento berbere, tribos nômades que habitam o Saara desde que Maomé vestia fraldas. Somos recebidos com uma rodada de.... chá de menta. Pergunto a Hassan, um dos simpaticíssimos rapazes condutores dos camelos e da infra toda, se nãoum goró por perto, para eu matar saudades da mardita. Ele aponta para o chá e tira uma chinfra: “uísque berbere”. Isso tudo na tenda principal, com todo o grupo sentado em tapetes e ao redor de duas mesinhas rebaixadas, onde depois foi servido o jantar, numa panelona para todos, frango cozido com legumes, pão e... mais chá. Um dos meus amigos fez cara feia e disse que não comia em prato coletivo, com todo mundo enfiando seu garfo. De minha parte, como é sabido, nada acho chato. Comi feito um sultão do deserto.  

Lorota vai, lorota vem, e aquela argentina dos olhos de feitiço ao meu lado, exalando o ferormônio cada vez que se mexia, a vinte centímetros de meus desejos animais. Terminamos todos na beira de uma fogueira, que avançou madrugada adentro com os cânticos berberes e – era mais que hora! – um uísque espanhol, meio safado, que o impagável Pepe, espanhol de Mallorca, sacou sabe-se de onde. Nunca um uísque vagabundo foi tão curtido e cultuado. A gripe que ora me faz companhia foi apanhada , na frieza da noite saariana, tomando o tal xarope e cantando a melhor música brasileira: Toquinho, Luiz Gonzaga e... Bartô Galeno, sucesso, como diria Rossi, em todos os motéis e cabarés das nossas cidades nordestinas. “Eu vou pedir à lua/ Pra iluminar a rua...” Vixe. É poesia pura sob a lua cheia e as constelações do deserto.
A segunda argentina, essa outra feiosinha, deu uns balanços e depois pediu: “Não sabe uma de Cássia Eller?”. Não. Rúmmm!

Honestidade árabe

Com toda a fama de ligeiros nos negócios, achei que tinha contratado um pacote turístico numa agência falcatrua. Pela cara dos sujeitos, cheirava às organizações Tabajara. Mas tudo foi cumprido com simplicidade, mas sem falhas.

A agricultura sustentável

No Brasil, a palavrasustentávelcheira a Ong picareta, mas no deserto vi a sabedoria das tribos do Saara aplicada nos modos de cultivar a terra, de usar os recursos, irrigar, guardar água, enfim, viver com uma dignidade surpreendente.

O melhor suco do mundo

Até então, tinha no nosso maravilhoso suco de cajá a melhor bebida do mundo, tirante as alcoólicas, evidentemente. Em Marrakech, sobretudo na praça central, fazem um suco de cítricos, mistura de laranja, umas tangerinas e toronjas que resultam num suco incrivelmente saboroso. É a melhor bebida da minha vida. Se o Marrocos não fosse a riqueza que é, valeria uma viagem pra beber essa delícia. 

domingo, 14 de novembro de 2010

Meu caminho para Compostela

Desde muitos anos alimento a vontade de fazer o Caminho de Santiago de Compostela, a partir do Porto, passando por Braga, a ou de bicicleta. Cheguei, inclusive, a acertar detalhes com uma amiga francesa, Emile, que conheci... onde?, onde? Na Croa do Goré, no meu velho Mosqueiro. Mas ainda não será desta vez. Meus seis meses aqui, que me pareciam extensos, passam numa velocidade que mal permite administrar o ordinário. Assim, os compromissos do doutorado me avisam que um dia, quem sabe, eu caminhe por estes vales em busca do que agora, por trem e movido por outra razão, acabo de realizar. Aqui vim, pois, para um congresso sobre digitalização.


Mas aviso logo que minha na experiência mística do caminho ficou abalada, tanto por ter feito a rota num confortável trem da Renfe e pela razão absolutamente profana. Mas também pelos relatos que recolhi. Meu evento acontece na praça de Obradoiro, onde fica a inacreditável catedral erguida para cultuar o apóstolo Santiago pelo Rei Afonso II. Ficamos dois dias numa sala aquecida, no Conselho de Cultura da Galícia, com vista para a catedral. Os eflúvios de Santiago, certamente, ajudaram a chegarmos a boas conclusões.

Cidade dos peregrinos


Aqui o espetáculo de beleza arquitetônica segue em progressão geométrica. Se eu ficara encantado com a imponência de Salamanca, fico ainda mais impressionado com Santiago e com essa catedral que é um monumento à beleza e ao poder da Igreja, que aqui fez, na verdade, mais que um palácio, para mostrar toda sua força e potencializar o desejo humano de conexão com o imponderável. A morte, misteriosa e justa morte, tornando ainda mais pequenos os homens em suas catedrais.

No hostal onde me hospedei, quase todo ocupado de peregrinos, especulo com alguns deles os resultados da experiência. Um jovem espanhol que liderava um imenso grupo de senhoras e senhores bem mais velhos relata seus sofrimentos físicos. Com a chuva, frio e vento intensos que atingiram a província nos últimos dias, teve de trocar o tênis pela bota, judiando ainda mais os pés, que resultaram cheios de calos e doloridos. As senhoras, idosas, eram a própria imagem da exaustão. Como não teriam a menor condição de escalar seus beliches no segundo andar, pediram que eu trocasse de quarto. Claro que atendi. E Santiago me ajudou: escapei de um sarau da terceira idade e fui parar num quarto, sozinho, com uma inglesa loirinha.
Como cheguei de madrugada e o quarto tava escuro, imaginei se tratar de um homem. de manhã dei de cara com a serelepe, ali, a um metro de minhas mãos carinhosas. Ela puxou assunto e tentamos um diálogo meio trôpego, por causa do meu Inglês de rodoviária. Pior ela, monoglota, que não dominava nem um “buenos diasem espanhol.

Num bar onde provamos a melhor rodada de frutos do mar deste mundo, encontramos três meninas bacanas de Sevilha. A conversa começou pelo futebol. Eu perguntava a origem do jogador Puyol, atleta que mais número de vezes vestiu a camisa do Barsa, acreditando ser catalão. A mais linda das três, morena de fechar quarteirão, interrompe minha conversa com o Luís e informa: “ele é daqui da Galícia”. Hummm. Era o que faltava. Depois de longo papo eu pergunto às chicas, que recém chegaram da caminhada: “E a experiência mística, como foi?”. A morenaça: “Não foi”. Então, que venga el vino de Galícia.

Mamãe passou açúcar em mim

Depois de maduro virei o rei da simpatia, xodó de velhas e velhos, principalmente. Assim tem sido nas minhas andanças por aqui, em todos os cantos, hotéis, restaurantes, onde vá. Dessa vez é o casal que administra o hostal, senhor César e sua simpaticíssima senhora. Tão gentis que enjoam. Parece que sou o filho mais velho deles. Desde a chegada, havia batido um longo papo, primeiro com ela, depois com ele. Na primeira manhã, ele me convida a um café no bar do hotelzinho. A mulher me cobre de mimos e pergunta se quero algo, se desejo trocar de quarto, essas coisas. Digo que voltarei no próximo ano para minha lua de mel, tão lindo é este lugar. Ela comemora, promete uma suíte especial para esses momentos (sem testemunhas no quarto) e pergunta pela noiva. Eu digo que o processo ainda está em licitação. Logo teremos uma moça escalada para a nobre função.

No dia seguinte o senhor César me convida novamente, desta vez a um vinho gallego no mesmo bar. Logo chega a “minha” inglesinha e se junta ao grupo. Faz um esforço hercúleo para me perguntar coisas simples, com aqueles guias de conversação que um dia também tentei usar, inutilmente. “Estarrr... gostandoooo.... da.... sua/tua estânciaaaa?”. Pergunta ela, sem deixar claro se o pronome é na segunda ou terceira pessoas e sem acentuar fortemente a interrogação. depois consigo explicar que minha viagem vai muito bem, obrigado. Mil vezes falar no meu inglesinho safado.


Até achei que a galega tava arrastando a asa pro meu lado. Tinha marcado uma bagaça com meu amigo Luís: tomar uns gorós e umas tapas da maravilhosa comida gallega, à base de mariscos. Convidei a gringa, mas ela, previdente, recusou, alegando alguma coisa, que esses latinoamreicanos não são gente em quem confiar. Fez bem. Meus planos para ela eram os piores possíveis. Cheguei novamente tarde e estava a inglesa, posta em seu leito, a cabeça de fora dos lençóis. Ainda pensei numa charla, mas, por uma imperdoável imperícia, acendi a luz para pegar não sei o que. Não foram nem três segundos de luz acesa, mas suficientes para que a moça abrisse os olhos e me fuzilasse com o olhar mais ameaçador que um inglês colonizador pode ter. Dormi quietinho, antes que essa feminista disparasse um desaforo na única língua em que sabe se virar. De manhã cedo ela arrumou seus panos e foi embora de minha vida. Eu fiz um juramento: não bebo nunca mais!


    

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Tapas (6)

A fobia dos aeroportos

Minha simpatia pelos árabes foi maior do que a atual. No momento prefiro as delícias de sua culinária a me alinhar com a clássica posição de esquerda que abomina, a priori, Estados Unidos, Israel e o ocidente, em favor de toda e qualquer causa identificada com os interesses árabes. Primeiro, porque, em matéria de geopolítica, o buraco é mais embaixo e fundo. Nãopara, num lance de bravata, escolher o lado como quem escolhe um time pra torcer no futebol. Depois, uma coisa, embora pareça prosaica: depois dos atentados de Nova Iorque, Londres e Madrid, coisas simples como viajar de avião se tornam cada dia mais pesarosas. Sem querer abrir um debate sobre isso, uma coisa tem a ver com a outra.
Semana passada, viajando para Berlim e levando apenas uma pequena mochila, nem por isso deixo de ser molestado pelos policiais do controle do aeroporto de Barajas. Na boa, me tomaram um desodorante, porque o frasco, em vez dos permitidos 100 ml, continha o volume de 150 ml. Quem manda eu não saber o óbvio, que 100 ml de desodorante não fazem nem cosquinha, mas a poderosa carga de 150 pode derrubar um A330? E se foi meu patrimônio. Como diria seu Samuel Blaustein, da Escolinha do Professor Raimundo: 5 euros menos na bolsa do papai aqui.

Cigaro, e

Outro dia falei aqui no blog sobre o quanto se fuma neste país e atribuí a uma tese minha, fruto da observação do meu instituto de pesquisa caseiro, o DataCorreia, ao frio infame que invade este continente a partir de setembro ou outubro e se espraia até maio ou junho. Mas meus argumentos foram desmascarados pela civilidade dos alemães, que fumam infinitamente menos e, quando fazem, não invadem o espaço alheio, como vemos aqui. No entanto, Berlim é mais fria e úmida que a capital do norte da África, Madrid.
A propósito, no mesmo aeroporto de Barajas tem umserviçoque diz bem da estupidez espanhola: trata-se de uma “sala para fumantesem pleno meio das alas de embarque, onde os que não podem ficar duas horas sem fumar se deliciam à custa da saúde de todos, incluindo crianças. É óbvio que essa idéia de jerico não funciona, até porque a sala, um aquário de vidro, fica o tempo todo com a porta aberta.

Um Kiarostami europeu

A morte do jornalista Juarez Conrado, importante figura da imprensa em Aracaju durante décadas, motivou comentário de um ex-aluno, nas redes, lembrando a projeção que realizei em sala de aula da minissérie “A última semana de Lampião”, baseada em livro de Juarez. O ex-aluno, hoje brilhante colega, diz que nunca esqueceu a série, pelas intermináveistomadas iranianas”, referindo-se aos longos planos seqüências (a filmagem de uma ação contínua num único plano) que viraram marca do “novocinema iraniano.
Novidades à parte, resulta que o Irã tem um dos poucos diretores que mantém o frescor e a força de um cinema inovador, criativo e belo. Abbas Kiarostami, com uma longa filmografia no currículo, fez sua primeira incursão fora da terra do simpático Armadinejad.
É uma produção franco-italiana, rodado na Itália, com minha queridinha Juliette Binoche, que em espanhol se chamaCópia certificada”, um filme interessante, que brinca com a dualidade da relação falso/verdadeiro, tão cara aos nossos dias. Não tem os tais planos de dez minutos, como brincou meu ex-aluno, mas traz os delicados silêncios, pausas e mistérios que anunciam a mão talentosa de Kiarostami.
Ah, para as mulheres, em especial, sugiro verDez” (havia na locadora de Ana Valença, mas creio que fechou), que é um dos melhores filmes que vi na vida. Simples, barato e ... genial. E com aquelas mulheres lindas de Teerã.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Rumo à estação Berlim

Mais uma vez tomo a estrada a preços camaradas, da passagem da Easy Jet ao hostal (albergue da juventude), se bem que, nas demais coisas, a capital alemã se mostrou surpreendentemente barata, mais que Madrid, o que é absurdo, posto que a Espanha, como se sabe, está de pires na mão. Come-se um maravilhoso joelho de porco com chucrute, batatas e uma cerveja por apenas oito euros. Um Döner Kebab, que em Madrid custa cinco, sai por três lá. Idem para as comidas chinesas e, claro, todos os preparos que levam a salsicha, tradicional na culinária do país.

Estive na Alemanha em 1995 e, na época, viajei de carro por várias cidades. Mas foi, como diz um amigo de Aracaju, como as excursões da professora Mariá, daquele colégio tradicional cujo nome me foge agora, que, segundo ele, é do tipo: a Europa em 20 dias conhecendo 25 capitais. Agora fiquei só em Berlim, por quatro dias, o que não dá pra conhecer a cidade em detalhes, mas pelo menos o fundamental. Na Alemanha, me toca, desde a outra viagem, um certo sentido de mea culpa constante, onipresente, como se pedissem desculpas a toda hora. E que as lições foram aprendidas, ao preço amargo que a História lhes imputou.

Não há dúvidas de que o modo politicamente correto de agir foi inventado aqui. Está em tudo, no respeito às diferenças, ao indivíduo, aos direitos e, principalmente, numa obediência cega às leis, coisa que os tornam muito obtusos em grande parte. Mais literais que os alemães, só os portugueses, que levam a vida ao pé da letra e não têm elasticidade nem para entender piadas de outros lugares.

Mas a Alemanha e os alemães têm razão em bater diariamente na mesma tecla: eles, mais que ninguém, conhecem na pele o circo de horrores que a humanidade é capaz de promover, de uma hora para outra, baseada na única explicação plausível: que a loucura humana é uma das coisas sobre as quais não conhecemos os limites. Que a besta feroz que habita cada um de nós, desde os mais pacatos pais de família, é algo que desperta do nada para explodir rapidinho em genocídios brutais. E isso tudo foi ontem, se considerarmos os tempos da História. Ademais, a recente selvageria da ex-Iugoslávia e depois a guerra de Kosovo, mostram que o horror avança sobre nossos dias. Há quem diga que algo parecido está por explodir entre os povos do Cáucaso.



Um curso de História viva nas ruas



Olha só que idéia bacana. Guias arrastando turistas pelas ruas centrais de cidades do mundo é uma coisa comum, mas essa experiência em Berlim me pareceu genial. No hotel, ao buscar informações sobre city tours, essas coisas, somos informados de guias que percorrem alguns hostais para pegar pessoas num recorrido muito particular pelo centro. Antes, devemos lembrar que Berlim foi palco privilegiado de dois momentos dramáticos da história do século passado, primeiro, com as duas grandes guerras, com muito mais agravante na segunda, que fez o país capitular diante do mundo, numa rendição incondicional, humilhante.

Depois, justamente pelas conseqüências da guerra, a divisão do país entre aliados e soviéticos, que perdurou até 1989, com a derrubada do Muro de Berlim. Imaginem uma cidade de mais de 3 milhões de pessoas cortada ao meio por um muro da noite para o dia (sic!). E a partir daí, a sucessão de dramas, tragédias e fantásticas histórias de cada um dos lados.

Do meu hotelzinho, na praça Rosa de Luxemburgo, pegamos um metrô até as proximidades do portão de Brandemburgo onde o guia Xavi, um catalão de Barcelona, começa nosso périplo a pé pela história viva dessa cidade transbordante em história. Cada monumento, cada personagem, a cultura, as artes, a arquitetura da vida e da morte, tudo ganha uma dramaticidade ainda maior na narrativa do nosso guia, ele também um apaixonado pelo tema. Não havia city tour que desse conta de tanta informação num só dia, quer dizer, em cerca de seis horas de caminhada.

No final, dois registros interessantes: 1) Xavi, como havia prometido antes, volta ao tema da queda do muro e faz um relato detalhado, carregado de emoção e suspense, como um roteiro de cinema, passo a passo, a agonia e o futuro dos alemães se desenhando naquele 9 de novembro. Os detalhes pitorescos, alguns deles fundamentais para que o movimento se tornasse irreversível, precipitando assim o desmonte da Alemanha Oriental e sua absorção pelo lado capitalista.

2) Por fim, como havia sido anunciado no início, todos deveríamos pagar o guia Xavi com uma contribuição espontânea. Achei curioso que alguém aceite estipular o pagamento do seu trabalho numa aposta tão incerta, mas parece que o catalão Xavi confia na sua capacidade de seduzir sua platéia com a matéria prima de seu ofício, qual seja, contar a história, nada além disso. No final, a impressão é que todos estávamos mais que satisfeitos, por uma aula que nem os museus nos dariam, porque estes, sempre temáticos, dariam, no máximo, versões incompletas. E presenciei notas de dez e vinte euros parando nas mãos do modesto Xavi. Nas minhas contas, na média de 10 por cabeça, rendeu cerca de 300 euros. A influência itabaianense sobre minha alma desprendida logo calculou, por baixo, um faturamento de uns 3 mil/mês. Nada mau, para um jovem de 27 anos que foi parar em Berlim, como me disse depois, “por ainda não saber o que queria fazer na vida”.

Ah, não me perguntem quanto eu dei pelo trabalho do rapaz, mas, pela descrição que fiz, dá para imaginar que não foi nada mal.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Tapas madrileñas 5 – A deselegância indiscreta de tudo aqui

Minha lista de coisas que detesto vem se reduzindo à proporção que as primaveras aumentam. Já disse e repito: como a música de Gil, nada eu acho chato, gingo, tiro chinfra, escrevo e driblo amor e dor. Quase seis meses em Madrid fazendo o que mais gosto na vida: sendo pago pra estudar. Madrid, me encanta, não. Encanta o mundo, como, ademais, tá dito aí em posts anteriores. Mas, de perto, somos todos parecidos, em virtude e desgraças. Cresci ouvindo comparações entre o bárbaro Brasil e o tár Primeiro Mundo. Pra não deixar de andar na contramão, aviso, desde já, que a antiga terra de Pindorama dá de dez na bárbara Espanha, que minhas amigas daqui chamam de “o norte da África”.

Não sou dos que fazem faniquito com gente fumando em cima de mim. No RS, eu ia me batizar num bar perto de casa e chegava de madrugada, naquele frio lascado, com a roupa toda fumaçada. A roupa tinha que dormir na varanda, porque o ar ficava impregnado. Mas ia porque gostava, né? Aqui, também, embora não deixe de achar selvagem, ver a Europa toda cuidando do ar, respeitando direitos alheios e a velha Espanha cagando e andando. Pode ser bar, restaurante, a peste que seja. A gente ali, almoçando uma truta grelhada, na maior fineza, e o puto (ou puta) acende o pacaio do lado. E a truta ganha o tempero de algumas baforadas.

Não tem dotô que dê jeito. Então acontece o previsível: as pessoas naturalizam o fumo em qualquer lugar e fodam-se as disposições em contrário. Me dizem que foi aprovada a proibição e que estamos (veja que a emenda é ainda pior) na fase de adaptação. Em um ano a lei entra em vigor. Como, um ano? Em Pindorama começou só na cidade de São Paulo, mas as instâncias federais e estaduais copiaram e logo estava decretada a civilização. Fico feliz em ver que no Brasil uma lei dessas não demorou três meses pra pegar. Embora a retaguarda, as vozes do atraso, nunca deixem de marcar presença: uns comerciantes picaretas fizeram permuta com jornais picaretas e foram a público reclamar da lei.

O cigarrinho dos espanhóis, na verdade, é fruto de outra tese minha (para além da que já me dá tanto trabalho), que é um costume das terras frias, como o sul do Brasil, onde as pessoas se “abrigam” do frio no calor do fumo (êpa, ta ficando feio esse negócio). As ruas parecem um corredor de fumaça, com o ar totalmente irrespirável. Nessas horas, ninguém acha um puto dessas ONG$$ ecológica$$, como o Greenpeace, que freta navio para protestar no Mediterrâneo, mas ignora essas bobagens burguesas como querer respirar um ar mais ou menos puro.

Mês que entra eu me despeço da vizinhaça do Rei e volto à minha choupana, no Mosqueiro, depois de um exílio de cinco anos. Sem o prazer de abrir a janela do cafofo, de onde escrevo agora, na avenida Manzanares, e cafungar um ar que lembre a brisa que sopra na minha casa sergipana. Pior do que o ar poluído, só a bosta de cachorro nas calçadas. Mas deixa a merda pro próximo... próximo post, claro.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Trololando a Kultura

Ontem, 21/10, palestrei como um dos convidados de uma mesa redonda sobre a cultura brasileira na Casa do Brasil, situada próxima à Universidade Complutense. O encontro foi organizado a propósito da exposição do artista plástico Naso González ( www.nasogonzalez.com ), “Disfrutar del abstracto”, e pretendeu reunir um painel de “representantes” da cultura brasileira em algumas áreas. Ronald Muzanggue, presidente da Associação dos Artistas Brasileiros aqui, o Mestre de capoeira Madeira, além deste locutor que vos fala, que, num desaforo imperdoável, foi transformado em “Lucio” Correia nos releases enviados à imprensa espanhola, lapso devidamente desculpado pela coordenadora.

COINCIDÊNCIAS – Aqui na Espanha as coincidências me perseguem. Depois daquela do meu orientador na UC-3 de Madrid, casado com uma grande amiga de Aracaju, a tal mesa redonda de ontem reuniu, além do artista dono da exposição... três... sergipanos. Puta mundo pequeno! Não é que o tal Madeira é cabra criado no Jardim Esperança, ali coladinho ao Inácio Barbosa? Ex-funcionário da Petrobrás, largou o batente na plataforma para correr o mundo com sua capoeira, pandeiro e berimbau. Vive por aí, dando curso, levando a vida como gosta. O segundo, Ronald, presidente dessa improvável “asociación de artistas brasileños”, é um baiano-sergipano, ex-aluno da nossa querida Lu Spinelli, amigo do lendário bailarino Erê. Estamos, pois, em casa.

Não sei que diabos eu tinha de fazer numa roda dessas: um capoeirista, um bailarino e um artista plástico abstrato. Logo eu, obrigado ao concreto, na oração do materialismo dialético, que não dança nem um xaxado e de pernadas e rasteiras não entende o riscado. Mas quiseram assim mesmo e lá fui, com uma abordagem da cultura nos meios de comunicação do Brasil, a trama histórica da indústria cultural, esses babados. No final, salvaram-se todos, com inacreditáveis aplausos e certa tietagem depois. Hummmmm....


BARCELONA E ANDORRA

Na semana passada me abanquei no trem bala daqui, o Ave (300 km/hora nos picos) e em duas horas e 52 minutos estava na estação de Sants, em Barcelona. É incrível que eles digam, no começo da viagem, que ela vai durar esse tempo e ela dura justamente isso: duas horas e 52 minutos. Assim também foi na volta, com um tempo diferente, com duas paradas a mais. Se a viagem for decidida com alguma antecedência, é infinitamente mais barato ir de avião, por companhias low cost, como Easy Jet, Ryanair, etc. Fui a Lisboa por cerca de 40 euros ida e volta e uns 60 para Amsterdam. Como decidi a viagem minutos antes do embarque, paguei 190 euros pelo bilhete ida e volta nesse trem bacanudo, confortável, seguro, com cafeteria e sem os limites de bagagem impostos pelas companhias aéreas de baixo custo.

Estive em Barcelona há uns dez anos, ainda sob a peseta. Como vinha de Lisboa, cheguei tarde da noite sem moeda espanhola, só com escudos e dólares. Tive que ir à rua, regatear um táxi que me levasse a uma casa de câmbio àquela hora, para pagar, inclusive, o táxi. Depois o taxista me deixou na sua dica de hotel: um três estrelas muito acima de meu cabedal, que me custou algo como 80 dólares, recorde para meus bolsos sempre magrinhos. Desta vez, outra peça: saio à rua de noite para comer um grude e esqueço do pequeno detalhe de anotar endereço e nome do freje onde me hospedara. Sem uma coisa nem outra no papel ou na cabeça, zanzei rua acima, rua abaixo, no frio da madrugada, sob uma chuva torrencial que só caiu naquela hora, é claro, pra me sacanear. Quanto mais voltas eu dava, mais difícil ficava de encontrar o Hostal Santcarlo, que no outro dia me pareceu obviamente simples, a poucos metros da Plaza Catalunya. Mas a hospedagem, modesta, contava com a simpatia da dona (ai, esqueci o nome), uma simpática senhora catalã legítima, figuraça, boa prosa e camarada.

90 MINUTOS E MEIO DE AMOR

As viagens e suas peças e coisas que só acontecem comigo. Na mesma viagem de dez anos atrás, em Lisboa, justamente pela pobreza do viajante, fui parar num daqueles residenciais da praça do Comércio, coração da cidade, embora diga aqui, com segurança, que, se tivesse dinheiro de sobra, gastaria de uma forma mais criativa do que num hotel caro. Em Lisboa, já não bastasse a velha companheira Insônia que deita comigo todas as noites, um frívolo casal se hospedou coladinho ao meu quarto, parede com parede e uma arquitetura que vazava os sons daquela união perfeita. Em resumo: foi uma noite de gritos e sussuros, cena bergmaniana, o lesco-lesco do amor quase ao alcance da mão, não fosse por uma fina parede.

AMOR NA CATALUNYA

Voltando à bela Barcelona, finalmente a porta do hostal passa à minha frente e eu, ligeiro, acerto a fechadura. Logo estou no singelo quarto, secando da chuvarada, para depois implorar à mesma noiva, Insônia, por uma merecida noite de descanso. Antes, costume já incorporado à vida deste desmedido pecador, um pouco de meditação, para expiar 21 gramas de iniqüidades. Quero ver budista bom meditar com uma foda zoadenta de lado! Eu, zen-budista barato e, do lado, o barato de uma zen-bundista foda selvagem. No outro dia, perguntei à minha chegada, a dona do negócio, se o casal seguiria no hostal naquela noite. “Porque, houve algum problema?”, espantou-se a doce senhora. Eu: “Não. Nada de mais. Só umas cenas de amor na madrugada”. E ela: “Sim, são muito românticos”. E encerramos o assunto numa gargalhada tão barulhenta quanto o affair dos pombinhos, que, graças à minha falta de sorte, não tive o prazer de avistá-los.

Os muitos compromissos acadêmicos, já na reta final de minha viagem, não me permitiam ficar mais que três dias na capital da Catalunya. Mais uma vez, adio minha vontade de ficar mais tempo nesta cidade, saborear cada canto de um lugar mágico, com a aura (e a obra) de Gaudi presente em tudo. E ainda tinha de encontrar os amigos Ângela e Daniel, colegas de doutorado na Unisinos, cada um ao seu tempo, por razões que não cabe agora explicar. Deixei Barcelona com pena, prometendo que logo volto para ver a velha dona do Hostal Santcarlo.

ANDORRA

Desde a estação do Nord, em Barcelona, peguei um ônibus e em pouco mais de três horas estava no Principado de Andorra, um isolado enclave situado nos Pirineus, separando as fronteiras da Espanha e França. Lugar bonito, civilizado, um paraíso fiscal ideal para ricaços fazerem a festa das compras e pistas de gelo para esqui. Como não sou do primeiro grupo (os ricos), nem acho graça no segundo (esquiar), só resta a mardita da xaxaça, afinal, foi para isto que lá fui encontrar a velha amiga Estherzinha, sergipana bruta feito um mandacaru, capelense da gema, há quase dez anos habitando esse vale entre montanhas imensas. Esther, sempre espaçosa, como nos tempos de Aracaju, em que tinha uma chave da minha casa e, às vezes, me avisava, antes da minha volta, que estava havendo uma daquelas festas-baladas embaladas pelos melhores drinks do inferno.

Em Andorra, a amiga, quarentona amansada por um casamento tranqüilo, tem prestígio de autoridade, circulando bem no principado, dos alternativos às famiglias que detêm o Pib local. Na saída, ganhei até jantar, no bar do músico Jordy, nas horas vagas milionário, que fez, junto com a mulher, uma poderosa caldeirada portuguesa (leia-se mariscos), mimo gastronômico deste pobre de Cristo aqui. Curei a ressaca no autobus que me devolveu à estação de Sants, em Barcelona, para o trem rápido a Madrid. Mais um dia e eu voltava era de Samur, o Samu daqui. E antes de colocar os pés em casa, fiz um juramento: não bebo nunca mais!