segunda-feira, 22 de abril de 2019

A França é dos franceses. A conta é nossa

Desde a noite do incêndio na Notre Dame, fiquei pensando na rápida mobilização para levantar fundos para sua recuperação. Na manhã seguinte já haviam arrecadado 400 milhões e hoje já passa de um bilhão de euros. É incrível que o mundo se mobilize pela arte e pela cultura (e tem que mobilizar, sim), mas naturalize a fome e a violência que transformou a vida dos pobres em inferno em qualquer lugar do mundo. Fiquei indignado em ver o Macron pedir uma campanha mundial de arrecadação de fundos. E mais perplexo em ver a adesão imediata. A França pedindo ajuda financeira? E o mundo - no qual se inclui gente de países pobres - levantando dinheiro para ajudar a França??!! O incêndio da Notre Dame nos comove e entristece, mas, sem pieguismos regionalistas, dói tanto quanto ver que a igreja de Monte Santo, na Bahia, tão importante para nossa história e cultura (o Conselheiro pregou ali e na região), queimou sob nossa indiferença. Fico pensando: Macron e praticamente toda a geração atual de dirigentes europeus são violentamente contra imigrantes e cada vez mais impõem restrições à imigração. Seu mantra é: a França é dos franceses. Mas na hora de socorrer a catedral, a Notre Dame é do mundo.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Futebol e identidade

Causa surpresa que numa terra regida sob o bafo da mediocridade - que campeia em todas as áreas, de A a Z - iniciativas assim ainda aconteçam. E fico feliz em ver esse clip com o hino versão rock de minha gloriosa e querida Associação Olímpica de Itabaiana. Não se trata só de um arroubo de torcedor apaixonado. É preciso dizer antes o que digo há décadas, que o futebol local é um dos bastiões locais da cultura, um dos raros (e últimos) redutos onde guardamos nossa identidade. É tão bom que existam Sergipe, Confiança e seus torcedores encrenqueiros; é tão bom ver o velho Lagarto, de torcida igualmente apaixonada, retomando seu tamanho e valor! Clubes de futebol são como marcas de cidades, da mesma forma que o Santiago Bernabéu está para Madrid como o Camp Nou em Barcelona. Todo mundo que vai ao Rio quer ver o Maracanã. Campos de futebol - as tais estranhas catedrais de que nos falava Chico Buarque - tão emblemáticas quanto os times que aí jogam. E o extraordinário protagonismo adquirido pelo futebol no mundo inteiro só reforça a ideia de que o futebol está inscrito na cultura. Assim, futebol local diz respeito ao sentimento de alteridade, nosso lugar de fala com os outros através de pelejas atrás de uma bola. É com o meu Itabaiana que dialogo com o mundo, quando, nos tempos de Rio Grande, lembrava aos amigos gaúchos da derrota que impomos ao Inter em pleno Beira Rio. É nele que me reconheço sergipano e de... ops, quase de Itabaiana, porque vim de Macambira, que está no entorno. Como quando fui parado na Porta do Sol, em Madrid, nos anos de doutorado, por um torcedor do Real Madrid simplesmente embevecido com a camisa do Tremendão, com as três cores da revolução francesa, e eu explicando que não se tratava ainda de um time da série A... nem B... nem C. Um clube que já jogou na A algumas vezes, mas hoje se bate na série D por um lugarzinho ao sol. Viva o futebol local e todos os seus defensores, principalmente o torcedor que vai a campo e que, como eu, paga seu ingresso. Que insistem em ser Confiança (O Proletário) ou Sergipe (O Mais Querido), e não só insistem, como se orgulham. Viva ainda os resistentes lutadores, como Estanciano (Canarinho do Piauitinga), Maruinense (que um dia se chamou Socialista, e a ditadura mandou mudar o nome), como queria ver ainda vivos o Santa Cruz de Estância, pentacampeão nos anos 60; o Mequinha de Propriá; o Propriá (O Avoengo) e o mais saudoso de todos, o simpático Cotinguiba, o Decano da Fundição.