sexta-feira, 18 de julho de 2014

João Ubaldo, quase conterrâneo



Quem conhece a obra do estupendo João Ubaldo Ribeiro sabe que num dos seus livros preguiçosos, aqueles relatos a que um grande escritor dedica-se (ou delicia-se) só por brincadeira – ou para cumprir contratos com editores – “Um brasileiro em Berlim”, ele dedica um improvável capítulo à sua passagem por uma de suas pátrias, o nosso pequenino Sergipe. Improvável, porque deveria tratar, tão somente, do relato de sua passagem pela capital alemã (ainda sem a unificação das duas), no período em que cumpriu uma bolsa para escritores latino-americanos. Não sei as razões, mas me surpreendi quando, ao ler o livro, me deparei com este capítulo de parte da sua vida em Aracaju.

Manoel Ribeiro, juiz em Sergipe
Todos os que fazem referências ao talento do escritor, logo citam a erudição de João Ubaldo. Esta marca do autor vem praticamente de um saudável despotismo, praticado pelo pai, Manoel Ribeiro, juiz por muitos anos em Sergipe, ele, por si só, responsável por tantas histórias. Quem quiser enriquecer seu repertório converse com gente como João Augusto Gama, um compilador de grandes histórias da província. O juiz Manoel Ribeiro, homem culto, rigoroso e conservador, obrigava o menino João à interminável leitura dos principais clássicos da literatura, tomadas depois como lição por um pai-professor, cioso do futuro de seu filho homem.
Eis aí um bom castigo, embora só o pequeno João pudesse mensurar a solidão a que era submetido no gabinete de leitura da casa na praça Camerino (se não me engano), torturado pela algaravia dos meninos da vizinhança e colegas de escola, extasiados com as brincadeiras de rua e o jogo de futebol. Ubaldo deu nisso: um dos melhores escritores brasileiros, imortal da academia, embora este último título pouco ou nada importe na biografia de um autor já imortalizado pela grandeza de sua profícua produção literária. Se a lenda da vida eterna valer, o velho Manoel Ribeiro hoje está sorrindo pela chegada de seu filho querido, fruto bem plantado e melhor colhido.

Ubaldo e Getúlio
Há uma unanimidade, entre letrados, de que o melhor livro de João Ubaldo é justamente “Sargento Getúlio”, a famosa obra imortalizada no cinema pelo filme de Hermano Penna, filmado (gravado, não: filmado mesmo, numa câmera de 16mm) aqui nos nossos sertões de Canindé, Poço Redondo, um road-movie cangaceiro desde Paulo Afonso até as franjas da Aracaju do começo do século XX. O livro é uma denúncia das mazelas do Nordeste, uma realidade dominada por jagunços e coronéis, ambos confundidos com o próprio poder político. O protagonista, Getúlio, é figura de carne e osso e conheço gente em Aracaju que o conheceu. No filme de Penna ele é ninguém menos do que Lima Duarte, um dos grandes da dramaturgia nacional, que percorre as veredas sergipanas numa velha fobica (assim se chamavam os carros velhos de antigamente) ao lado do fiel motorista Amaro (o não menos grandioso Orlando Vieira).
A brutalidade de Getúlio não é maior do que a que prevalecia na sociedade brasileira da época, a mesma que permitiu, em Sergipe, o prolongamento do mesmo estilo com seu irmão Barreto Mota, o célebre e temido comandante da polícia estadual por décadas. Como jornalista, fui contemporâneo desses tempos, mas o que me vem à memória faz parte do ocaso de sua vida, dele, Barreto Mota, já aposentado, um velhinho bem-humorado e casca-grossa rebatendo piadinhas no cafezinho da Solanches, de Raimundo, no Calçadão da Laranjeiras.
O filme virou cult do cinema brasileiro, quase artesanal, com uma só câmera, fazendo planos e contraplanos (imaginem o trabalho que deu) e com uma penca de grandes sergipanos brilhando na telinha. Lá estão, além do nacionalmente consagrado Orlando, Amaral Cavalcante, Antônio Leite, Luiz Antônio Barreto e tantos. Amaral atuou também como produtor local. Foi ele quem conseguiu o revólver usado por Lima, emprestado, adivinhem de quem? Acertou quem pensou em Barreto Mota.

terça-feira, 8 de julho de 2014

O ex-país do futebol (ainda bem!)


Matéria do UOL, pra introduzir o assunto:

Capitão do pentacampeonato, Cafu afirmou que foi expulso do vestiário da seleção brasileira após a derrota contra a Alemanha por José Maria Marin, presidente da Confederação Brasileira de Futebol, que disse que não queria "pessoas estranhas" no local.
"O presidente José Maria Marin disse que não queria nenhuma pessoa estranha no vestiário. Eu coloquei que não sou uma pessoa estranha, só estou aqui para dar um abraço nos meninos e dar um carinho e um conforto para eles, não quero falar mais nada. Só vim aqui porque nesse momento os meninos precisam de apoio e foi isso que eu fui fazer no vestiário. Fiquei surpreso quando fui praticamente expulso do vestiário porque o Marin disse que não queria ninguém estranho lá. Eu, humildemente, me retirei do vestiário" declarou Cafu, à Rádio ESPN.

Comecemos com esta matéria que mostra o inacreditável: enquanto a gente pensava que todos os envolvidos com essa lambança estavam rezando de joelhos e pedindo ao bom Deus que poupassem seus rosados pescocinhos, este pulha, Marin, o capo mor da CBF, dedicava-se a... expulsar um campeão mundial dos vestiários da mulambenta seleção humilhada. Eis aí uma ocorrência da nefasta cordialidade brasileira, de que falava Sérgio Buarque: este cidadão deveria, há muito, ter suas tripas penduradas na feira da buchada. Mas estava ali, impávido, colossal, dando xingas... Vai Brasil-sil-sil.

NÃO COMEÇOU HOJE

Não vamos discutir o trágico 7 X 1, essa nódoa que manchará nossas pequenas biografias para além túmulo. Imaginem: o goleiro Barbosa tomou um gol do Uruguai no finalzinho do jogo, numa fatalidade, no longínquo e desconectado ano de 1950. E essa tragédia se esparramou até nossos dias. Essa bagaceira do Mineirão, internética e on line, vai castigar os meninos de hoje pelos rastros de sua existência. Para entender a tragédia, somos obrigados a voltar, pelo menos, à última “reforma” do nossa entidade de futebol. Nosso problema, como sabemos, é que toda vez que falamos em mudar algo, seguramente estamos tratamos, desonestamente, de não mudar nada.
Lembram que na última crise do futebol nacional, motivada pelo enésimo caso de corrupção do capo Ricardo Teixeira, resolveram “moralizar” a CBF com a unção de José Maria Marin, político velho e malufista, cartola manjado nas maracutaias da federação paulista? Marin na CBF era, sem tirar nem por: Ricardo Teixeira + Havelange, sogro de Teixeira. Este último, que pungou no tri de 70 para montar uma organização poderosa e secreta, levou para a Fifa um jeitinho bem brasileiro de apodrecer uma instituição, pela corrupção.

FELIPINHO

Sou dos que um dia acharam Felipão indispensável, embora, dessa vez, torcesse pela escolha de Muricy Ramalho. Sou meio burro em futebol (e em vários outros itens), mas fiquei incrédulo quando descobri que entramos numa Copa do Mundo sem meio-campo. Como assim, sem meio-campo? É como se um time começasse uma partida e se esquecesse de escalar o goleiro, quase isso. Mas ninguém falou isso. Nenhum das senhoras e dos senhores que me leem agora. A mídia? Qual mídia? Alguém aí sabe de alguma atitude que não seja a da Globo? Mas dessa trataremos mais tarde.
Flipinho, não o célebre viado itabaianense, mas este homem muito menor, precisa dizer o porquê da fidelidade a jogadores como Fred, aquele poste incompetente, piada nacional, que, entretanto, se arrastou até o último minuto de nosso vexame. Se fosse nas rodas maldosas de Itabaiana, diriam que “essa história tem cu no meio”. Não é o caso. É coisa de dinheiro. A rigor, além dos acordos de patrocínios, a sujeira dos bastidores, o rei Felipão estava nu com sua precariedade: não faltava só meio de campo. Faltavam técnica, tática, esquemas, jogadas, treinamento. Lembrando aquela velha piada do carnavalesco Clóvis Bornay: parece que a seleção só foi à batalha pra comer a merenda.

O FUTEBOL ARTE

Lembram daquela velha história de que o Brasil praticava um futebol-arte, agressivo, alegre, despojado e perigoso? Esqueçam essas qualidades. Felipinho deu o tom de sua pequena alma naquela partida contra a Colômbia: depois de fazer 2 a zero, recuamos covardemente, de maneira feia e burra, para um futebol de resultados. E quase nos complicamos, como bem sabem os corações canarinhos que quase enfartaram. Sequer levaram em conta o (mau) exemplo do México, que jogava lindamente contra a Holanda e, por isso, fez um gol e, de dominante, passou a dominado. O resultado todos sabem. Ponto para o futebol autêntico. Derrota para os calculistas da retranca. Cá pra nós: um time que recua da Colômbia em casa, sob o calor de 70 mil pessoas, não merece nem ser quarto lugar.

NEYMAR

O mundo inteiro já sabe que se trata de um craque. Mas aqueles pulinhos para cavar falta, o anti-futebol que ele alterna com as jogadas geniais, só poderia dar numa cama-de-gato colombiana. Um jogador que se respeita, ainda mais no começo da carreira, não pode se valer do cai-cai. Outro ponto negativo para Pai Felipão: que bosta de líder é ele, que não acaba com essa palhaçada no time dele? Se eu fosse treinador, não tinha brinquinho, cabelo armado, descolorido, loiro, black power, tatuagem, nada... Sou adepto do estilo João Saldanha. Essas frescuras não podem entrar em campo. Nisso, a mídia (a mídia, quem?), a Globo, é a principal co-autora.
A miséria do jornalismo não tem limites. Não me refiro àquela pobre moça da Band que, ao ver um jogador da Holanda com o nome do país às costas, anunciou: “agora vemos o jogador Nederland”. Na manhã de hoje, no Bom Dia Nada da Globo, outra mocinha bobinha veio com essa: “A Alemanha vai jogar com as cores do Flamengo. A expectativa é que Fred pense que está jogando contra o Flamengo e faça os gols que faz pelo Fluminense”. Um país com um jornalismo desse não pode ganhar, nem mesmo no futebol. 

TIAGO SILVA

O capitão fez falta e a esta ausência devemos aí, pelo menos, uns três gols. Agora, um sujeito com um cartão amarelo, capitão de um time, interrompe o tiro de meta de um goleiro para retardar alguns segundos de uma jogada. Daí ganha o segundo cartão e fica fora do próximo jogo, decisivo. Esse cara faz falta mesmo?