quinta-feira, 17 de abril de 2014

Gabo e Papai



Sempre associei Gabriel Garcia Marquez ao meu pai. Vem daí, talvez, além da admiração nutrida por todos que um dia se aventuraram por sua literatura, o amor filial que tinha por ele. Acho que era o jeitão de homem simples, direto, sincero e brilhante nas maneiras de levar a vida. E uma certa semelhança física. Papai era assim, meu ídolo maior, como Gabo, um homem vindo da roça e da cultura de sofrimento e luta dessa nossa América Latina. Mas a relação maior é que foi Papai quem me apresentou a Gabo, na sua vasta biblioteca, onde o filho de Aracataca comparecia, creio eu, com todos os títulos. Papai, um sertanejo do Carira; ele, também um homem do semi-árido. Sua Macondo é, ainda hoje, como as aldeias que nos cercam aqui no Nordeste. Nos anos de mestrado e doutorado me impus como disciplina só ler os textos da insípida economia política da comunicação, abrindo mão das delícias da literatura. Quando, já no final, vendo já o ocaso de Papai, voltei a viver em Itabaiana (nossa Macondo), dedicava alguns momentos diariamente à leitura de “Viagem à semente”, uma de suas biografias. Antes de pegar no pesado na aridez de minha tese, gastava os primeiros 30 ou 40 minutos de cada manhã lendo a vida do Gabo, ali do ladinho do meu velho querido, sentindo seu cheiro, o olhar cansado, a cumplicidade que todo pai tem com o primogênito. E de vez em quando eu interrompia as leituras dele (João Correia leu até praticamente o fim da vida, de forma quase compulsiva), para comentar uma coisa, fazer alguma comparação com nosso mundo tão realisticamente fantástico quanto o de Garcia Marquez.