segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Uma defecou, outra filmou: a vida sem recalques


A cena diante da câmera: 
Desde a semana passada circula um vídeo na internet em que uma mulher, totalmente nua, defeca em uma agência bancária de Aracaju. Em seguida, ela se atira no chão, de costas, como se sentisse um grande prazer. Alguém, talvez um funcionário da agência, a cutuca. Ela reage com agressividade, levanta-se e empunha a calcinha suja de fezes como uma arma ao caminhar pelo hall. Depois, volta, limpa as fezes no chão com a roupa. E sai, nua e altiva. A porta da agência é rapidamente fechada. E lá fora ela parece proferir alguns xingamentos.
Isso é o que se vê no vídeo. Mas há algo menos explícito, que não pode ser visto, mas que vale a pena enxergarmos.
A cena por trás da câmera:
Desde o início da gravação, ouvimos uma risada feminina, talvez de quem filma a cena ou está ao lado de quem filma. Não parece ser aquele riso nervoso, que às vezes nos sucede diante de algo inusitado. Parece mais uma risada de alguém que se diverte com a cena. A risada vai aumentando. Ao final, quando a mulher já está fora do banco, a dona da risada faz um comentário: “Está com o demônio no corpo.”
Isso não se vê no vídeo. Apenas ouvimos.
Ao assistir às imagens, senti incômodo. Mas fiquei tão incomodada com a mulher nua e defecando quanto com a mulher filmando a cena. (E aqui vou tratá-la como mulher, por causa da voz, mas não faz a menor diferença se for um homem.) Ao investigar a razão do meu incômodo, percebi que estava diante de dois atos pré-civilizatórios: um óbvio e escancarado, o outro menos visível, mas não menos chocante.
O que é uma mulher nua defecando em uma agência bancária? Somos nós, quando ainda estávamos na natureza – e antes de nos tornarmos cultura. Naquele momento, ela era como um bebê que sente vontade de fazer cocô e faz. Vira-se no chão com visível prazer e alívio. E então é alcançada pelo homem – a Lei – que a cutuca dizendo que ela não pode fazer aquilo. Lembrando-a, portanto, do contrato social. A mulher reage ainda como natureza, ameaçando o homem com suas fezes. E, de repente, algo que também está nela retorna. Ao limpar as fezes no chão, ela volta a se inscrever na cultura.
Não é possível afirmar se a mulher está vivendo algum tipo de surto, mas me parece mais delírio do que protesto. Por que os atos dessa mulher chamam atenção é óbvio. A grosso modo, nos tornamos civilizados no momento em que sacrificamos a nossa natureza, recalcando nossos instintos mais primitivos, para garantir a vida em sociedade. Não podemos mais sair por aí fazendo o que bem entendemos, como defecar nus no meio de uma agência bancária quando sentimos vontade. É preciso procurar um banheiro, chavear a porta, usar papel higiênico, lavar bem as mãos depois e, quem sabe, até aplicar um spray para mascarar o mau cheiro. A repressão de nossos instintos, em todas as esferas do humano, tem um custo alto. Mas, em troca, ganhamos a segurança proporcionada pelo contrato social. A mulher que defeca na agência bancária quebra o contrato que garante a vida em sociedade (na nossa, pelo menos) e por isso se torna perturbadora.
O que me parece é que a mulher que a filma também quebra, mas isso não é interpretado desse modo nem por quem está presenciando a cena nem por quem assiste ao vídeo. Por que não podemos estuprar quem desejamos ou matar quem odiamos? Porque isso nos devolveria a um estado de natureza. Temos de reprimir nossos instintos e, assim, abrir mão de nossa liberdade. Nesse processo, é necessário enxergar o outro como uma pessoa, um semelhante, alguém com direitos, para que o pacto se torne possível. Por que, então, é aceitável que alguém filme a cena de um ser humano em total desamparo e a dissemine na internet? Por que esse ato não é visto como um rompimento do contrato social? 
Quem filma a cena e muitos dos que a assistem, a julgar pelos comentários, não reconhecem mais na mulher nua que defeca em público uma semelhante – uma humana. Esse estranhamento os autorizaria a desnudá-la de uma forma muito mais profunda, para além das roupas, diante não apenas dos clientes da agência bancária, mas do mundo inteiro. Ou talvez a reconheçam tanto como uma igual, ao invejar sua liberdade selvagem, defecando no banco enquanto eles esperam na fila para pagar alguma das muitas contas sempre chatas, caras e burocráticas da vida em sociedade, que precisam imediatamente se afastar dela. E afastam-se filmando e expondo o que consideram sua diferença.
Ao filmar a cena e ao difundi-la na rede, embora exponha a mulher por completo, aquela que a filma não a enxerga de fato nem por um segundo. Porque para enxergar é preciso se identificar com o outro. Se em algum momento a mulher que filma tivesse conseguido se identificar com a mulher filmada, acredito que a teria protegido – e não a exposto mais. 
Nesse sentido, embora seja a mulher filmada que esteja sem roupas, é a mulher que filma a mais nua entre as duas. É isso, no meu ponto de vista, o mais interessante desse vídeo e o que me faz trazê-lo para esta coluna: ele revela mais da mulher que filma do que da mulher filmada. Mas, em geral, não chama atenção o fato de alguém filmar uma pessoa em total e visível desamparo. Isso é visto como “normal” e aceitável. Minha hipótese, porém, é de que é um ato de barbárie, na medida em que deixa de reconhecer o outro como humano. Ao apontar e amplificar a barbárie que acredita estar na outra mulher, é ela que se torna bárbara.
Assim, ambas – a mulher filmada e a mulher que filma – se igualam ao eliminar o recalque e dar vazão aos seus instintos sem se identificarem uma com a outra. Uma não se reprimiu ao defecar em público, a outra não se reprimiu ao filmar a cena. A primeira exibiu as próprias fezes no ambiente de uma agência bancária, a segunda exibiu as fezes da outra para milhares de pessoas no ambiente da internet. Por que uma causa espanto e a outra não?
Pessoalmente, acho mais ameaçadora ao pacto civilizatório a mulher que filma do que a mulher que caga.

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O novo-velho-novo Jornal Nacional

Um ligeiro olhar sobre o anúncio das "mudanças" no Jornal Nacional, pelo jornalista Eduardo Almeida, que gostaria de dividir com vocês.

FELIZ JN
O Jornal Nacional entrevista o Jornal Nacional. O Jornal Nacional é notícia no Jornal Nacional. A pauta do Jornal Nacional é o Jornal Nacional. O Jornal Nacional é o Jornal Nacional. William, Fátima e Patrícia falam de William, Fátima e Patrícia no Jornal Nacional. William é colega e marido de Fátima, Fátima não quer mais o Jornal Nacional, Fátima vai ter o seu próprio programa na Globo , Patrícia deixa o Fantástico, Patrícia assume o lugar de Fátima no Jornal Nacional e William passa a ficar com Patrícia no Jornal Nacional. William está feliz com o desfecho, deseja que Fátima seja feliz no novo programa e torce para que Patrícia seja feliz no Jornal Nacional. A felicidade é o tema do Jornal Nacional. Fátima é feliz na Globo, foi feliz no Jornal Nacional e continuará feliz na Globo. Patrícia idem. William nem se fala. Fátima não fala de despedida, prefere um até breve. Patrícia se diz desafiada, mas sente um frio na barriga. William diz que isso acontece até com o Cid Moreira. Melhores momentos. Fátima, do começo como repórter até o púlpito do Jornal Nacional. Patrícia, do início como a moça do tempo ao estrelato do Fantástico. O Jornal Nacional chama de fato histórico a troca na bancada do Jornal Nacional.  O Jornal Nacional faz história. O Jornal Nacional é a história.
(Eduardo Almeida)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

As mães e as fãs de Justin Bieber


Sem tempo algum para movimentar o blog, publico aqui texto do blogueiro Regis Tadeu, sobre a histeria em torno da figura midiática de Justin Bieber, o cantorzinho (com perdão do trocadilho) que recém provocou histeria no Brasil. Não preciso dizer que concordo do começo ao fim.

Confesso que tenho certa dificuldade em assimilar e deglutir tudo que vejo e ouço em relação a "ídolos teen". Principalmente, nos dias de hoje, em que ser adolescente é ter intelectualmente a mesma força de uma bolha de sabão no meio de um vendaval.
Não, não vou escrever aqui um texto dominado pelo calor da fúria, mas no exato momento em que você lê estas palavras, posso afirmar categoricamente: 99,9% dos pais lamentam muito, mas MUITO mesmo, o fato de suas filhas serem fãs de um ídolo teen tão vazio, plastificado e sem alma quanto Justin Bieber. Poucas vezes a sensação de "onde foi que nós erramos?" foi tão nítida nos pensamentos de uma família. Nenhum pai ou mãe vai admitir isto, mas é a verdade.
Tudo bem que o moleque superstar com o cabelo milimetricamente engomado tem apenas dezessete anos, gravou dois discos e se tornou a peça central de uma engrenagem de sonhos para adolescentes debilóides, na qual a música é o elemento menos importante. Infelizmente, tudo é meticulosamente encenado para cativar uma geração de meninas que só conseguem exprimir suas emoções com coraçõezinhos feitos com as duas mãos. Mas existe algo que me incomoda demais nesta história: a conivência dos pais.
Não se preocupe, pois não vou soltar aqui um discurso moralista e babaca a respeito da falta de pulso dos pais na educação de seus filhos. Aliás, para quem teve uma educação rígida e criminosamente militar por parte de meu pai, contra a qual me rebelei veementemente durante toda a minha juventude, não faria sentido assumir uma posição conservadora neste sentido. Mas ao ver mães e pais com expressões de sofrimento disfarçadas de paciência, compreensão e uma alegria tão verdadeira quanto uma nota de R$ 30, fico simplesmente estarrecido.
Não sou pai e confesso que fico muito irritado quando vejo estas meninas chorando convulsivamente pelo tal de Bieber. Fico ainda mais enojado com o pseudodiscurso do fedelho, tão "simpaticamente correto" quanto falso. Não sei se você sabe, mas este papo "faria qualquer coisas por minhas fãs" é uma das mais celebradas e deslavadas mentiras do show business. Tudo é alimentado para que na cabeça de meninas que não sabem nada a respeito de sua própria sexualidade seja mantida a esperança de que cada uma pode vir a ser a "namorada do Justin". Ninguém está ali pela música, mas pela "beleza" do menino. Mas também tem outra coisa que me incomoda muito...
Quer saber? Pais e mães que acompanham as filhas nestas "roubadas" não estão lá por serem "companheiros", mas sim por conta da culpa. É, culpa. Por causa de uma educação equivocada, de uma cada vez mais constante ausência em casa por conta de seus compromissos profissionais ou por pura negligência emocional, os pais se submetem a este verdadeiro inferno que é acompanhar suas filhas a um show do Bieber. Tudo pela culpa que sentem por não estarem presentes nos momentos que as crianças mais precisam de atenção, orientação, diálogo e, principalmente, amor. É duro encarar esta verdade, não? Eu imagino...
Não precisei ir até um dos shows que o Bieber fez no Brasil para verificar que quase 60 mil pessoas a cada apresentação estão sendo enganadas o tempo todo. Enganadas com o uso massivo de playbackspor parte do ídolo teen, submetidas aos preços extorsivos cobrados de qualquer coisa vendida dentro do estádio — de cachorro-quente a camisetas oficiais — e, para piorar ainda mais a situação de quem é "cúmplice" disto, às voltas com uma corja de salafrários que atende pela alcunha de "flanelinhas", que chegaram a cobrar R$ 150 de pais desesperados por causa dos berreiros das filhas para estacionar o carro. Estacionar na rua, diga-se de passagem...
Não é de hoje que esse tipo de picaretagem de shows em playback roda o mundo e aporta por aqui. Michael Jackson, Madonna, Britney Spears e mais recentemente a tal de Ke$ha são apenas alguns dos nomes que já estiveram no Brasil trapaceando em cima de seus "fãs adorados" na hora de tocar e cantar para valer em cima do palco. Só não percebe quem é fã. E fãs, como vocês sabem, são todos idiotas...
Assim como idiotas são os pais que, por exemplo, permitem que meninas que sequer tiveram a primeira menstruação passem acampadas duas semanas antes da abertura dos portões dos locais onde Bieber vai se apresentar, apenas para ganhar alguns centímetros mais próximas de seu ídolo. É como se as fãs fossem espermatozóides e Bieber o óvulo onde haverá uma "fecundação" histérica e pré-orgásmica de uma puberdade tão latente quanto vazia.
Por conta da culpa que citei acima, mães buscam se tornar "companheiras" das filhas, permitindo que elas façam qualquer coisa — perder aulas, se alimentar de maneira porca e incompleta, não tomar banhos e até mesmo acampando junto com elas — para que realizem o sonho de respirar o mesmo ar de Bieber. Pais desesperados entram em contato com quem quer que seja para arrumar convites e credenciais para o show e para um possível acesso aos bastidores, a fim de acalmar o inferno em que suas vidas se transformaram desde que os shows do moleque foram anunciados. É duro encarar esta verdade, não? Eu imagino...
É triste perceber que não há mais espaço para a famosa história do cara que não tinha outra coisa a fazer a não ser montar uma banda. A molecada hoje vive sozinha, trancada em seus quartos, dentro de apartamentos, conversando com amigos via internet. Não há mais celebrações cotidianas coletivas, ninguém mais ouve discos junto com os amigos. É por isto que quando se encontram, a meninada perde facilmente o controle sobre seus próprios hormônios. Tudo aquilo que a música podia proporcionar em termos de anticonformismo, de vanguardista rebeldia contra um sistema opressor e a mesmice foi transformada em um vergonhoso pastel de isopor.
E isto vale até mesmo para um terreno em que nada é levado a sério, que é o mundo dos ídolos adolescentes. Se você acompanhar a evolução dos tempos, vai perceber como a qualidade musical deste tipo de artista decaiu assustadoramente. Dos Beatles e Roberto Carlos nos anos 60, enveredamos por David Cassidy e Secos & Molhados nos anos 70, Xuxa, RPM e Menudos nos anos 80, Mamonas Assassinas nos anos 90 e... Deus do céu, e tudo isto para desaguar em Restart e Justin Bieber. Sentiu o declínio?
A massificação da mediocridade exalada pela TV, por exemplo, proporcionou e incentivou o surgimento de uma horda de adolescentes que mal sabem se expressar em palavras, que optam por gritos histéricos, expressões e pensamentos asininos. E este processo idiotizante, provavelmente, vai formar toda uma geração de babadores de ovos que vai acabar influenciando as outras posteriormente.
Desculpe, mas isto não significa que tenho que ser conivente e testemunhar passivamente a molecada esperar, tal como frangos em um matadouro, a substituição do binômio som/fúria por uma conformidade imbecilizante. Também não tenho mais saco para ver uma pivetada vociferando gírias patéticas e palavrões gratuitos só para dizer que está na "contracorrente do sistema". Sou um velho, minha geração é velha, meus pensamentos são velhos, mas não vou aceitar tudo isto e me comportar como um garçom em festa de buffet infantil, que tudo faz para não irritar o "patrocinador".
Sou de uma geração que não abaixava a cabeça na frente de um "não", que derrubava a cristaleira do bom mocismo, que apedrejava as vidraças da humildade subserviente. Por isso, meu coração se enche de som e fúria quando vejo meninas e meninos que poderiam fazer a diferença em um futuro não tão distante se entregarem a gritos histéricos gratuitos e gestos/expressões imbecilizantes.
Hoje, tudo o que eu posso fazer contra isto é escrever um texto como este.
É duro encarar esta verdade, não? É, eu imagino...


Por: Regis Tadeu

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

É a vida, assim é

Ainda Pedro Juan Gutiérrez, no mesmo "Trilogia suja de Havana", falando da vida e de como as coisas são:

"Definitivamente, é assim que se vive: aos pedacinhos, empatando cada pedacinho, cada hora, cada dia, cada etapa, empatando as pessoas daqui e dali dentro da gente. E assim se arma a vida como um quebra-cabeça. 
Não gosto de falar das etapas da minha vida porque a dor se remexe. Mas assim é. Vive-se em capítulos. E é preciso aceitar. Muita gente à minha volta andou injetando rancor e ódio no meu coração. O final era previsível: ingressar no caos, seguir para baixo e não parar até o inferno. Quando estivesse assando no azeite e no enxofre em chamas, não haveria mais remédio.
Já estava seco e fedendo a gases sulfúricos quando consegui deter a queda. E comecei a recuperar algo do melhor. Me custou esforço. Nunca voltei a ser o mesmo. Por sorte a vida é irreversível. E, sobretudo, não continuei rodando até o inferno. Provas que a vida nos impõe. Se não se sabe, ou não se consegue superá-las, aí se tomba. E talvez não se tenha tempo nem para se despedir."   

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Borborigmas indiscretus


"Tanto faz" é um livro antológico, porque, se não inaugura, mas inscreve com talento o espírito beat na literatura brasileira contemporânea. Reinaldo Moraes, autor desta e de algumas outras grandes obras, incorporando Ricardo, protagonista e alter ego, conta o drama do personagem, estudante brasileiro fazendo mestrado em Paris, recebendo uma brasileira na sua kitnet, num momento intermediário entre a chegada da moça e a pretensão de levá-la à cama. Uma dor de barriga no meio do caminho:
- Abaixa as calças ao mesmo tempo que ouve o clek da vitrola ao fim do disco instaurando o silêncio na sala-quarto, a centímetros de onde ele está. Ouve até o pipocar esporádico das sementes de maconha no charo que Vera está puxando agora. Logo, os mínimos ruídos no banheiro também serão perfeitamente ouvidos por ela. É óbvio, ele pensa. Com a bunda devidamente ajustada na tampa de plástico do vaso, sente o tropel das Valquírias tripas abaixo, prenunciando explosões aerofágicas. Ricardo entra em pânico. Recorda o que leu numa certa Ars Amatória que achou num sebo da Rue Mouftard, escrita por um espanhol ocioso: o corpo do amante não tem fisiologia, diz o cara. Recomenda-se não jantar antes de um intercurso sexual para evitar “los muy desagradables y comprometedores borborigmas gastrointestinales”. Olé.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fé e demônios na Cuba de Pedro Juan Gutiérrez, em "Trilogia suja de Havana"



“Me deito sozinho e tranqüilo. Nada de sexo. Sexo demais nos últimos dias. É preciso descansar um pouco. Descansar e agradecer a Deus e pedir força e saúde. Só isso. Não preciso de mais nada. Tenho de evitar os demônios e ser forte. Definitivamente, sem  fé qualquer lugar é outro inferno.”

“Precisava colher um pouco de carqueja-amargosa para um descarrego. Tinha de fazer uma limpeza no meu quarto da cobertura porque nos últimos dias senti duas vezes um leve perfume de mulher. Como se o hálito desse espírito passasse ao meu lado. E isso me deixa louco. Não é bom ter espíritos escuros rondando em volta.”

segunda-feira, 25 de julho de 2011

De João Sorrisão e da manicure de Amy Winehouse


Está no UOL: a apresentadora Glenda Kozlowski ficou chateada com o jogador Rivaldo, do São Paulo, que nos dois gols contra o Atlético de Goiás ousou ignorar uma dancinha supostamente simpática, a do João Sorrisão, um boneco virtual “concebido” na chocadeira do departamento de esportes da TV Globo. Digo supostamente, porque não sei se os demais telespectadores, como eu, acham graça numa tonteria daquelas. Fico pensando se as crianças de hoje em dia, tão antenadas na internet, jogos eletrônicos e maravilhas que tais, esboçam algum riso com o pobre-boneco-sem-graça que a Globo pariu para o momento solene das comemorações de gols.
São esquisitos os formuladores globais nas suas tentativas de dar mais graça ao futebol. A propósito, penso que eles, mais uma vez, diferente de mim, não gostam tanto de futebol. Enquanto eu penso quepoucos espetáculos mais interessantes, alegres e festivos como uma partida do velho esporte bretão, a Globo teima em macaquear a realidade com as invencionices QI-zero dos seus quadros, de Glenda ao engraçadinho Tadeu Schmidt. quem acha futebol uma peça enfadonha é capaz de achar que um João Sorrisão diverte as criativas torcidas que lotam os estádios brasileiros.
Rivaldo, um homem maduro, sucesso por onde passou, nos quatro campos do mundo, certamente tem senso de ridículo e personalidade para rejeitar esses maneirismos idiotas. Dancinha disso e daquilo, ou mesmo aquele cabelinho safado do mascarado Neymar, tudo isso é parte do lado espetaculoso do evento. O velho Messias, uma retroescavadeira que ocupava a lateral esquerda da outrora gloriosa Olímpica de Itabaiana, barraria esta patacoada com uma boa e eficaz cama de gato.
Por fim: quem diabos, nos labirintos jornalísticos da Globo, achou que era uma boa sacada entrevistar a moça que cuidou dos pés e dos pelos de Amy Winehouse quando ela veio em Brasil?

domingo, 17 de julho de 2011

Uma nova cena em Sergipe


Ontem à noite fui ver “Cabaret dos insensatos”, peça com textos de Brecht e Jean Genet, direção de Lindenberg Monteiro, do prolífico grupo Stultifera Navis. Como passei cinco anos fora de Sergipe, acabei me afastando desta nova cena cultural sergipana que brotou em vários segmentos da arte. O Stultifera é uma dessas iniciativas que anima a crença numa produção cultural local rica e descolonizada. Minha chegada na Aperipê é uma oportunidade única de defender o conteúdo local, objeto de meu mestrado ao estudar o mercado de TV por assinatura em Aracaju. No futebol faço isso desde menino: sou dos poucos aqui que não tem um time fora de Sergipe.
Tenho uma leve queda pelo Santos, da cidade que abrigou muitos de meus conterrâneos macambirenses, mas, ao contrário do que diz o bloco carnavalesco, simpatia nem sempre é amor. Minha paixão pelas três cores da faixa do Tremendão da Serra, o glorioso Itabaiana, é – para além da emoçãoum ato de resistência à pasteurização do futebol via televisão, baseada num modelo de negócio que empacota a adesão dos jovens a algum dos clubes presentes na série “A” do Brasileirão. Neste modelo, nãolugar para o pequeno e o local. Isto acontece também com a cultura e não por acaso a televisão é a mesma via de introjeção de uma cultura global hegemônica e massacrante. O mesmo ocorre com as pequenas línguas nativas ameaçadas de desaparecerem – são três mil que correm o risco de sumir neste século.
A força bruta da publicidade fez com o futebol algo que pretendia com a política: com o patrocínio das TVs, o teatro das torcidas nos estádios perde força e, a essa altura, nem é mais a principal fonte financiadora do esporte. Os estádios, contra toda lógica, têm sua capacidade reduzida. Vejam o exemplo do Maracanã, que chegou a receber 200 mil torcedores, mas, quando fechou as portas, há dois anos, não cabiam mais que 80 mil. Com a política intentou-se o mesmo: transferir da praça para a telinha o vigor do debate público. A platéia das praças foi esvaziada.

Stultifera e o moderno teatro sergipano

O Sytultifera Navis não é a única novidade nesta nova cena sergipana. Conversando com o público de sábado, me informam que cerca de 500 bandas musicais sobrevivem no estado, percorrendo circuitos alternativos, divulgando pelas redes sociais. Mas o caso deste grupo teatral em particular é emblemático, pelo trabalho que Lindemberg vem tecendo desde que aportou aqui, alguns pares de anos, materializado na luminosa surpresa da Casa Rua da Cultura, experiência inspirada no projeto Rua da Cultura, no Mercado, estendida para um espaço amplo para oficinas de circo e teatro, além das próprias salas para a apresentação de peças.
Fiquei comovido com a presença de um público jovem e arejado, interessado em cultura, lotando as três apresentações de diferentes peças na noite do sábado. A Casa apresenta peças em temporadas, em vez das exibições avulsas, criando um circuito consistente, baseado na oferta constante e na consolidação do hábito. A direção de Lindemberg em “Cabaret...” é leve e segura, com uma brilhante geração de atores, que muito me lembrou um moderno teatro que assisti na Faculdade de Teatro da UFBa, quando o genial Walter Seixas Jr. brindava o público com suas montagens glauberianas, do próprio Glauber a Nelson Rodrigues. Isto foi nos profícuos anos 80 e eu achei que tinha se perdido nas minhas melhores memórias. Minha ida à Casa mostrou que não, com a vantagem de que esta cena está aqui, na nossa casa.
    

terça-feira, 12 de julho de 2011

CEPOS DEBATES NESTA QUARTA EM ARACAJU


Nesta quarta, às dez da manhã, no auditório do CECH, no Campus da UFS em São Cristóvão, acontece o Cepos Debate Aracaju. O Cepos é o Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos-RS). O Cepos, do qual faço parte desde minha entrada no mestrado na Unisinos, em 2006, realiza reuniões mensais na nossa sede na Unisinos, em São Leopoldo (RS). Periodicamente, realiza debate em universidades de vários estados brasileiros. Nesta quarta é a vez de Aracaju, através do curso de Comunicação Social da UFS. O palestrante desta edição em Sergipe é coordenador do grupo, o professor doutor Valério Cruz Brittos, do PPGCom-Unisinos, que vai falar sobre o temaPadrão tecno-estético na TV brasileira: Rede Globo e modelos alternativos”. Farei a mediação, a partir do tema “O conteúdo local na televisão; tendências e perspectivas em Sergipe”, que foi o objeto do meu mestrado na Unisinos. O evento é aberto a todos os estudantes, professores, profissionais de comunicação e interessados em geral.



sábado, 2 de julho de 2011

Vá para a História, Itamar

Minha geração de esquerda, que fundou o PT e disputou com o velho Partidão (PCB) e PC do B a hegemonia das posições de vanguarda, salvo raras vozes estridentes, sempre cultivou um respeito pelos democratas alojados no guarda-chuva do saudoso MDB. O partido de oposição à ditadura, criado para fazer um previsível e comedido dueto com a governista Arena, ao mesmo tempo que legitimou o regime pós-64, alimentou as sementes das revoltas e reformas que, no futuro, mudariam o país. Dessa quadra consta o movimento Travessia, formado por parlamentares de esquerda que trabalharam o tempo inteiro pela abertura política e redemocratização do país.
A corrente Travessia, ou os chamados “Autênticos” do MDB, que a historiografia às vezes esquece, foi feita de gente do calibre de Marcos Freire, Fernando Lira, Cristina Tavares, Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Jackson Barreto e... Itamar Franco, dentre outros. Essa turma impôs ao regime militar, em 1974, uma acachapante derrota, que em Sergipe representou a eleição de Gilvan Rocha para o senado contra as oligarquias plantadas há séculos no poder. Aqui, também deve ser registrada a heróica figura de José Carlos Teixeira, grande brasileiro de Itabaiana, filho de “seu” Oviêdo, que, junto com os irmãos Tarcício e Luís, da Norcon, ofereceram apoio político e material a tantos opositores banidos. Homens de coragem, que a História haverá de guardá-los na galeria do bem.
Itamar fez uma carreira de oposicionista, às vezes radical, ora destoando. Mas sem nunca deixar de ser íntegro e de cumprir, na presidência, um mandato surpreendentemente avançado, progressista, fincando as bases desta nação potência que se tornou possível depois do Plano Real. Que ninguém esqueça: todos, que gozamos do desenvolvimento econômico e da liberdade política no nosso país, devemos muito a Itamar. Sua morte, hoje de manhã, empobrece a melhor política, dos tempos em que esta era uma arte dos homens movidos pelo quase esquecido espírito público.   

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Biutiful não é beatiful

Vi “Biufitul”, o belo filme de Alejandro González Iñárritu, com o galã da hora do cinema mundial, Javier Bardem. Chamo a película de bela pela poesia que carrega em sua imensa tristeza, mas a história nada tem de bonita. Ao contrário, mostra uma Europa que identifiquei aqui no blog, sombria e ameaçadora, com seus fantasmas desenterrados apontando nas esquinas. O desespero de seu protagonista, Uxbal (Bardem), numa Catalunha saturada de imigrantes, que exploram ilegais. Senegaleses como os que vemos em todas as praças da Espanha, vendendo CDs piratas e correndo da polícia o tempo inteiro. Chineses predadores que vão ganhando o comércio do mundo na tora, sob exploração brutal.
No meio de tudo isso, um herói bandido se beneficia com a escravidão, mas compensa sua sina com pequenos gestos grandiosos. E paga com seu próprio calvário, um câncer que vai lhe devorando aos poucos. A melancolia do filme é a mesma que perpassa a vida de milhões de imigrantes da África e do leste europeu, além dos nossos latinoamericanos, que vagam pela Europa na ilusão de bons empregos. Com a crise naquele continente, não os empregos desaparecem, como reacende as velhas feridas, como o preconceito, a xenofobia e outros males que incendiaram a Europa de ódio. Tudo tão longe e tão perto, se observarmos que meio século é quase ontem.
O bom do filme, pois, é o alerta para uma gente branca e proprietária, que passeia seu glamour em cima dos escombros de uma civilização em decadência. Como nas questões do clima, da política, economia e do intrincado xadrez das relações sociais no velho mundo, não custa nada avisar, mesmo porque os fantasmas estão , semi-enterrados e dispostos a retomar seu desfile de horrores