terça-feira, 10 de agosto de 2010

Fabulário geral do cotidiano

Não creio que seja bem pensado morar fora do país e seguir acompanhando o cotidiano comezinho, mas, no meu caso, as obrigações e vícios de jornalista, ainda mais em momento eleitoral, me deixam conectado full time com a nossa pátria de Pindorama. Além dos portais da internê, ouço diariamente as rádios CBN e Band News FM. Mas, quando a cabeça pede música, vou para as rádios Cultura AM e FM de São Paulo, estes, sim, um serviço cultural público e educativo. Pertencem ao governo de São Paulo, junto com a TV Cultura, mas a tucanalhada que governa pretende Fernando-henriquezar aquele patrimônio do povo, ou seja, sucatear e vender por trinta dinheiros aos primeiros interessados. A ver pelo modus-operandi tucano, quando eles avisam que vai vender alguma coisa pública, tem um malandro atrás da porta para comprar. Geralmente esse tipo é do mesmo clube ou algum mangangão indicado a dedo, após as devidas conversaçõe$$$.

O assunto foi manchete na semana passada e, quando se esperava uma negativa do operoso governo do ex-comunista Goldman (ele é judeu e comunista, mas o gene judeu prevaleceu), o presidente da Fundação Padre Anchieta, que reúne os canais citados, João Sayad, disse que sim, que ia dar uma aparada e não-sei-o-quê-mais, aquele lero-lero dos insuspeitos tucanos paulistas. Sayad é um tortinho. Dizem os psicólogos que pode-se dizer muito de um sujeito pelo olhar, pelo caminhado, a voz, a íris, e por ... vi esse Sayad andando e tem o ar do pateta, embora cobiçado até em terreiros adversários. Foi secretário de Marta Suplici na prefeitura de São Paulo, mas de Marta e do PT de São Paulo, não espanta. Enfim, Sayad, aquele que de besta tem a cara, confirmou as piores intenções do governo paulista para as gloriosas TV e rádios Cultura.

Siba o chato

Ouço na Cultura AM, nessa tarde de domingo, dia dos pais, Elomar, Caetano cantando o grande Odair José, Cordel do Fogo Encantado e, na trilha dos eruditos, o pernambucano Siba, ex-Mestre Ambrósio. Siba é uma figura. Uma figura lamentável, se me entendem. Em TV, rádio ou jornal, entrevistei artistas, intelectuais, políticos, dentre estes, dois presidentes da República. O primeiro, Lula, desde os tempos de fundação do PT até sua primeira candidatura à Presidência. O segundo, um ditador formatado, o coroné Sarney, no Maranhão, um ano após passar a faixa ao pillantra alagoano. Com toda a fama (merecida, por sinal) de arbítrio e intolerância “dos Sarney”, o velho em si, mesmo sendo o capo chefe da famiglia, conserva os modos de um ex-presidente. Digo mais: Sarney seguia vestindo o figurino de estadista, que foi, mais que os desmandos apontados no seu governo, o que ele mais perseguiu enquanto no poder.

Fiquei surpreso em encontrar, na imensa e confortável casa na praia do Calhau (mas sem luxos nem esnobismos), em São Luís, um político que, à época, bem poderia estar adentrando o inevitável ocaso, enfrentado por 99 entre 100 detentores do poder (vejam o caso de FHC, que parece uma assombração pairando tontamente com suas obsessões). Nada. O velho Sarney me recebeu, junto com a equipe da TV Difusora, que se apresentava na época como quase uma oposição ao seu domínio no Maranhão, com uma gentileza digna do cargo que ocupara. Se dizia que a emissora que eu trabalhava era, na verdade, do senador Epitácio Cafeteira, na época seu barulhento opositor, depois devidamente agraciado com os mimos que o tornaram um aliado até hoje. Daí gravamos uma entrevista de 24 minutos, que foi ao ar, além da própria emissora, na TV Sergipe, pelas mãos do então diretor Carlos França. Me impressionara, sobretudo, o domínio de política externa e a forma como Sarney ainda mantinha um diálogo com seus pares latinoamericanos.

As referências a entrevistados considerados importantes na hierarquia natural do jornalismo é para chegar à insuportável figura deste Siba, alguém que entrevistei para a TV Caju no Forró-Caju de 2004 ou 2005, não lembro. A diretora Sônia Pedrosa, que gostava muito do meu programa na casa, o “Contraponto”, pediu que eu fizesse uma entrevista no estilo do programa, até porque fizera outra muito interessante com o “Cordel do Fogo Encantado”. O Siba fez questão de ser desagradável do começo ao fim, sempre buscando desqualificar minhas perguntas, ora estranhando, ora negando, enfim, com um mau humor de estrela afetada. E eu ali pensando porque não mandava o puto à referida que o pariu, afinal, para mim, tanto fazia ir para o estúdio ou fazer o programa dos bastidores do Forró-Caju, onde se deu a tentativa de entrevista. Na verdade, eu cumpria gentilmente um pedido de minha diretora. Siba que se lascasse com suas viadices.

Mas como parte da nossa audiência de televisão não diferenças entre uma quase-entrevista e os talk-shows que constituem unicamente o menu local (salvo raríssimas exceções, como o Terra Serigy, da TV Sergipe), foi ao ar como algo palatável e normal. Mas para mim deixou esse gosto de coisa mal feita. Pois na tarde de hoje ouço o mesmo rapaz entoarEncantar ciranda”, música que é apresentada, obviamente, como ciranda. Vá que seja uma variação pernambucana, graças à chamada licença poética, que permite, ao artista, absolutamente tudo, em nome da música, ainda mais no caso de alguém que se afirma pesquisador. Mas este ouvido acostumado aos timbres maranhenses não se engana: isto é uma cantiga de Boi de Orquestra, do rico folclore maranhense, que, de tipos de bumba-meu-boi, tem uns dez. Siba, o virtuose, poderia ter explicado. Não custava, em nome do rigor.

360 minutos sem ver um revólver

Falei aqui antes do filme “Gainsbourg”, sobre a vida do cantor francês. Anteontem vi “Nothing personal” (é impossível saber como se chamará no Brasil, pois esses tradutores escolhem os títulos mais esquisitos), produção irlandesa, ou melhor, que se passa na Irlanda. Até porque hoje os filmes são produtos totalmente multinacionais, envolvendo produtores diversificados e capitais de vários lugares. Direção de Urszula Antoniak, sobre uma moça de saco cheio do mundo, que vai viver numa remota região costeira da Irlanda e encontra um velho eremita vivendo numa casinha na beira de um lago. Filme intimista, cerebral, poético e, sobretudo, triste.

Depois fui ver “O silêncio de Lorna”, belga, que mostra a luta de uma moça que ganha a cidadania européia após o casamento com um drogadito, a troco de um bom dinheiro, como funciona o mercado desses casamentos. Para conseguir dinheiro para montar um bar com o namorado, se envolve com a máfia russa e sua vida, claro, vira um inferno. A beleza desse filme também está na inspiração literal na realidade de qualquer país da Europa ocidental, e numa persistente melancolia de seu personagem central. Resulta, pois, numa obra singela, numa época de poucos amores cultivados.

Mas chamou a atenção foi o fato de ver três películas (e aqui esta expressão é modo de dizer, porque, me parece, a maioria está produzindo em digital) com roteiros e direções seguras, que tornam seus trabalhos interessantes e, como dizem os críticos do mercado, palatáveis. Pois, diferente da obsessão americana pelos roteiros de ação, aquela chuva de balas e sangue a que estamos acostumados, inclusive no horário vespertino de nossa televisão, aqui não se deu um único tiro. Pra não dizer que não houve alguma “descortesia”, Lorna, a bela belga chantageada pela máfia, aplica uma bem merecida e certeira pedrada no côco de um russo safado, se é que seja necessário qualificar os russos com esses adjetivos menores. Três filmes, quase 360 minutos de emoção, vida e inteligência. É esta a lição que o cinema do resto do mundo nos dá.