Entre 1961/62, a TV brasileira
registrou a chegada de uma das primeiras revoluções da televisão: o videoteipe,
VT, no jargão dos iniciados. Os atuais cultores das maravilhas da edição
digital deviam prestar atenção nisto: naquele primeiro passo do que seria a
pujante e criativa televisão brasileira estava um jovem franzino que viria a
ser o primeiro a fazer uma revolução na linguagem televisiva (para usar uma
expressão dessas Ongs do audiovisual). O “Chico Anysio Show” usava as múltiplas
possibilidades da edição de vídeo, promovendo “mágicas”, aparições e
desaparições que, para a época, encantariam os magos do cinema de décadas
posteriores.
Chico não é só a vanguarda e a história
da TV brasileira: é, como ele sempre fez questão de dizer, trabalho e trabalho.
Ou seja: por trás do gênio sempre houve o segredo nada mágico da transpiração.
Um sujeito que criou 209 personagens, todos eles encorpados, distinguidos uns
dos outros, todos construídos na jugular de nossa sociedade como ela sempre
foi.
Na manhã deste sábado viajei de
Aju a Itabaiana ouvindo o disco “Baiano e os Novos Caetanos”, um ícone musical
dos anos 70, que ouvi em vinil na aurora de minha adolescência. Chorão
incurável, derramei pela saudade de minhas próprias lembranças e, sobretudo,
por uma época de ouro da televisão.
Genial, como um tropicalista,
Chico zombeteava o formato do vinil, à época ainda limitado aos selos CBS, RCA,
EmiOdeon, etc, e comentava a própria foto no lugar do emblema da gravadora Som
Livre: “o que é que eu vou fazer no meio desse disco, malandro?”. Depois, na
faixa “Vou batê pa tu”, bate de luva de pelica nos verborrágicos mepebistas: “Aí
eu encontro um cara na rua, que me pergunta: ‘Tudo bem?’. Eu digo: ‘Tudo bem’.
Não é o maior barato?”.
Chico fazia bem até o que deveria
ser apenas uma brincadeira. Esse disco aí, o “Baiano...", é um primor, com
belas letras e arranjos trabalhados. E pensar que, na mesma época, um tal
Silvio Brito ganhava a vida com uma “música” cuja primeira parte dizia: “Tá
todo mundo louco”. E a segunda: “Obaaa”. A terceira: “Tá todo mundo louco”. A
quarta: “Obaaa”. E assim terminava um dos maiores sucessos musicais daqueles
anos flavalcânticos (o rei da TV brasileira era um fascista rabugento e dedo
duro com cara de vovô, chamado Flávio Cavalcanti).
A Globo e a Globo News, como
sempre (e só, tão somente só, por razões de audiência) se derramaram em
homenagens ao gênio de Chico, de fato um dos maiores artistas do século passado
em todo o mundo, um Cantinflas ou Charles Chaplin sulamericano. Mas na mesma
entrevista concedida há um ano a Bianca Ramoneda, da Globo News, ele não
conseguia conter uma tristeza latente: “a Escolinha não volta mais, nunca
mais”.
Quem acompanha o noticiário de
televisão no país sabe que ele tentou inúmeras vezes retomar sua “Escolinha”
(enquanto restassem vivos alguns alunos, incluindo o próprio professor
Raimundo), mas a Globo, com seus diretores moderninhos, os wolfs maias de sua
planície, ou aquele outro que usa calcinha de mulher (Jorge não-sei-quem...
Jorge Fernando, talvez seja esse), ignorou olimpicamente os repetidos apelos do
nosso Chaplin de Maranguape. Chico Anysio, enfim, morreu de doença e desgosto.