quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Tapas madrileñas 5 – A deselegância indiscreta de tudo aqui

Minha lista de coisas que detesto vem se reduzindo à proporção que as primaveras aumentam. Já disse e repito: como a música de Gil, nada eu acho chato, gingo, tiro chinfra, escrevo e driblo amor e dor. Quase seis meses em Madrid fazendo o que mais gosto na vida: sendo pago pra estudar. Madrid, me encanta, não. Encanta o mundo, como, ademais, tá dito aí em posts anteriores. Mas, de perto, somos todos parecidos, em virtude e desgraças. Cresci ouvindo comparações entre o bárbaro Brasil e o tár Primeiro Mundo. Pra não deixar de andar na contramão, aviso, desde já, que a antiga terra de Pindorama dá de dez na bárbara Espanha, que minhas amigas daqui chamam de “o norte da África”.

Não sou dos que fazem faniquito com gente fumando em cima de mim. No RS, eu ia me batizar num bar perto de casa e chegava de madrugada, naquele frio lascado, com a roupa toda fumaçada. A roupa tinha que dormir na varanda, porque o ar ficava impregnado. Mas ia porque gostava, né? Aqui, também, embora não deixe de achar selvagem, ver a Europa toda cuidando do ar, respeitando direitos alheios e a velha Espanha cagando e andando. Pode ser bar, restaurante, a peste que seja. A gente ali, almoçando uma truta grelhada, na maior fineza, e o puto (ou puta) acende o pacaio do lado. E a truta ganha o tempero de algumas baforadas.

Não tem dotô que dê jeito. Então acontece o previsível: as pessoas naturalizam o fumo em qualquer lugar e fodam-se as disposições em contrário. Me dizem que foi aprovada a proibição e que estamos (veja que a emenda é ainda pior) na fase de adaptação. Em um ano a lei entra em vigor. Como, um ano? Em Pindorama começou só na cidade de São Paulo, mas as instâncias federais e estaduais copiaram e logo estava decretada a civilização. Fico feliz em ver que no Brasil uma lei dessas não demorou três meses pra pegar. Embora a retaguarda, as vozes do atraso, nunca deixem de marcar presença: uns comerciantes picaretas fizeram permuta com jornais picaretas e foram a público reclamar da lei.

O cigarrinho dos espanhóis, na verdade, é fruto de outra tese minha (para além da que já me dá tanto trabalho), que é um costume das terras frias, como o sul do Brasil, onde as pessoas se “abrigam” do frio no calor do fumo (êpa, ta ficando feio esse negócio). As ruas parecem um corredor de fumaça, com o ar totalmente irrespirável. Nessas horas, ninguém acha um puto dessas ONG$$ ecológica$$, como o Greenpeace, que freta navio para protestar no Mediterrâneo, mas ignora essas bobagens burguesas como querer respirar um ar mais ou menos puro.

Mês que entra eu me despeço da vizinhaça do Rei e volto à minha choupana, no Mosqueiro, depois de um exílio de cinco anos. Sem o prazer de abrir a janela do cafofo, de onde escrevo agora, na avenida Manzanares, e cafungar um ar que lembre a brisa que sopra na minha casa sergipana. Pior do que o ar poluído, só a bosta de cachorro nas calçadas. Mas deixa a merda pro próximo... próximo post, claro.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Trololando a Kultura

Ontem, 21/10, palestrei como um dos convidados de uma mesa redonda sobre a cultura brasileira na Casa do Brasil, situada próxima à Universidade Complutense. O encontro foi organizado a propósito da exposição do artista plástico Naso González ( www.nasogonzalez.com ), “Disfrutar del abstracto”, e pretendeu reunir um painel de “representantes” da cultura brasileira em algumas áreas. Ronald Muzanggue, presidente da Associação dos Artistas Brasileiros aqui, o Mestre de capoeira Madeira, além deste locutor que vos fala, que, num desaforo imperdoável, foi transformado em “Lucio” Correia nos releases enviados à imprensa espanhola, lapso devidamente desculpado pela coordenadora.

COINCIDÊNCIAS – Aqui na Espanha as coincidências me perseguem. Depois daquela do meu orientador na UC-3 de Madrid, casado com uma grande amiga de Aracaju, a tal mesa redonda de ontem reuniu, além do artista dono da exposição... três... sergipanos. Puta mundo pequeno! Não é que o tal Madeira é cabra criado no Jardim Esperança, ali coladinho ao Inácio Barbosa? Ex-funcionário da Petrobrás, largou o batente na plataforma para correr o mundo com sua capoeira, pandeiro e berimbau. Vive por aí, dando curso, levando a vida como gosta. O segundo, Ronald, presidente dessa improvável “asociación de artistas brasileños”, é um baiano-sergipano, ex-aluno da nossa querida Lu Spinelli, amigo do lendário bailarino Erê. Estamos, pois, em casa.

Não sei que diabos eu tinha de fazer numa roda dessas: um capoeirista, um bailarino e um artista plástico abstrato. Logo eu, obrigado ao concreto, na oração do materialismo dialético, que não dança nem um xaxado e de pernadas e rasteiras não entende o riscado. Mas quiseram assim mesmo e lá fui, com uma abordagem da cultura nos meios de comunicação do Brasil, a trama histórica da indústria cultural, esses babados. No final, salvaram-se todos, com inacreditáveis aplausos e certa tietagem depois. Hummmmm....


BARCELONA E ANDORRA

Na semana passada me abanquei no trem bala daqui, o Ave (300 km/hora nos picos) e em duas horas e 52 minutos estava na estação de Sants, em Barcelona. É incrível que eles digam, no começo da viagem, que ela vai durar esse tempo e ela dura justamente isso: duas horas e 52 minutos. Assim também foi na volta, com um tempo diferente, com duas paradas a mais. Se a viagem for decidida com alguma antecedência, é infinitamente mais barato ir de avião, por companhias low cost, como Easy Jet, Ryanair, etc. Fui a Lisboa por cerca de 40 euros ida e volta e uns 60 para Amsterdam. Como decidi a viagem minutos antes do embarque, paguei 190 euros pelo bilhete ida e volta nesse trem bacanudo, confortável, seguro, com cafeteria e sem os limites de bagagem impostos pelas companhias aéreas de baixo custo.

Estive em Barcelona há uns dez anos, ainda sob a peseta. Como vinha de Lisboa, cheguei tarde da noite sem moeda espanhola, só com escudos e dólares. Tive que ir à rua, regatear um táxi que me levasse a uma casa de câmbio àquela hora, para pagar, inclusive, o táxi. Depois o taxista me deixou na sua dica de hotel: um três estrelas muito acima de meu cabedal, que me custou algo como 80 dólares, recorde para meus bolsos sempre magrinhos. Desta vez, outra peça: saio à rua de noite para comer um grude e esqueço do pequeno detalhe de anotar endereço e nome do freje onde me hospedara. Sem uma coisa nem outra no papel ou na cabeça, zanzei rua acima, rua abaixo, no frio da madrugada, sob uma chuva torrencial que só caiu naquela hora, é claro, pra me sacanear. Quanto mais voltas eu dava, mais difícil ficava de encontrar o Hostal Santcarlo, que no outro dia me pareceu obviamente simples, a poucos metros da Plaza Catalunya. Mas a hospedagem, modesta, contava com a simpatia da dona (ai, esqueci o nome), uma simpática senhora catalã legítima, figuraça, boa prosa e camarada.

90 MINUTOS E MEIO DE AMOR

As viagens e suas peças e coisas que só acontecem comigo. Na mesma viagem de dez anos atrás, em Lisboa, justamente pela pobreza do viajante, fui parar num daqueles residenciais da praça do Comércio, coração da cidade, embora diga aqui, com segurança, que, se tivesse dinheiro de sobra, gastaria de uma forma mais criativa do que num hotel caro. Em Lisboa, já não bastasse a velha companheira Insônia que deita comigo todas as noites, um frívolo casal se hospedou coladinho ao meu quarto, parede com parede e uma arquitetura que vazava os sons daquela união perfeita. Em resumo: foi uma noite de gritos e sussuros, cena bergmaniana, o lesco-lesco do amor quase ao alcance da mão, não fosse por uma fina parede.

AMOR NA CATALUNYA

Voltando à bela Barcelona, finalmente a porta do hostal passa à minha frente e eu, ligeiro, acerto a fechadura. Logo estou no singelo quarto, secando da chuvarada, para depois implorar à mesma noiva, Insônia, por uma merecida noite de descanso. Antes, costume já incorporado à vida deste desmedido pecador, um pouco de meditação, para expiar 21 gramas de iniqüidades. Quero ver budista bom meditar com uma foda zoadenta de lado! Eu, zen-budista barato e, do lado, o barato de uma zen-bundista foda selvagem. No outro dia, perguntei à minha chegada, a dona do negócio, se o casal seguiria no hostal naquela noite. “Porque, houve algum problema?”, espantou-se a doce senhora. Eu: “Não. Nada de mais. Só umas cenas de amor na madrugada”. E ela: “Sim, são muito românticos”. E encerramos o assunto numa gargalhada tão barulhenta quanto o affair dos pombinhos, que, graças à minha falta de sorte, não tive o prazer de avistá-los.

Os muitos compromissos acadêmicos, já na reta final de minha viagem, não me permitiam ficar mais que três dias na capital da Catalunya. Mais uma vez, adio minha vontade de ficar mais tempo nesta cidade, saborear cada canto de um lugar mágico, com a aura (e a obra) de Gaudi presente em tudo. E ainda tinha de encontrar os amigos Ângela e Daniel, colegas de doutorado na Unisinos, cada um ao seu tempo, por razões que não cabe agora explicar. Deixei Barcelona com pena, prometendo que logo volto para ver a velha dona do Hostal Santcarlo.

ANDORRA

Desde a estação do Nord, em Barcelona, peguei um ônibus e em pouco mais de três horas estava no Principado de Andorra, um isolado enclave situado nos Pirineus, separando as fronteiras da Espanha e França. Lugar bonito, civilizado, um paraíso fiscal ideal para ricaços fazerem a festa das compras e pistas de gelo para esqui. Como não sou do primeiro grupo (os ricos), nem acho graça no segundo (esquiar), só resta a mardita da xaxaça, afinal, foi para isto que lá fui encontrar a velha amiga Estherzinha, sergipana bruta feito um mandacaru, capelense da gema, há quase dez anos habitando esse vale entre montanhas imensas. Esther, sempre espaçosa, como nos tempos de Aracaju, em que tinha uma chave da minha casa e, às vezes, me avisava, antes da minha volta, que estava havendo uma daquelas festas-baladas embaladas pelos melhores drinks do inferno.

Em Andorra, a amiga, quarentona amansada por um casamento tranqüilo, tem prestígio de autoridade, circulando bem no principado, dos alternativos às famiglias que detêm o Pib local. Na saída, ganhei até jantar, no bar do músico Jordy, nas horas vagas milionário, que fez, junto com a mulher, uma poderosa caldeirada portuguesa (leia-se mariscos), mimo gastronômico deste pobre de Cristo aqui. Curei a ressaca no autobus que me devolveu à estação de Sants, em Barcelona, para o trem rápido a Madrid. Mais um dia e eu voltava era de Samur, o Samu daqui. E antes de colocar os pés em casa, fiz um juramento: não bebo nunca mais!

domingo, 17 de outubro de 2010

O Brasil mergulha nas sombras

A opinião do autor do blog está explicitada no post anterior, do qual eu retiraria, se fosse o caso, alguns impropérios dirigidos aos políticos do PSDB, a quem chamo de tucanalhada, em especial à figura cínica e agressiva de José Serra. Retiraria, talvez, em nome das boas maneiras, que não existem mais em Oropa, França ou Bahia, muito menos na política ou no território de ninguém da blogosfera. Porque, no grosso, a argumentação em favor da candidatura de Dilma procede e a recíproca, idem. Está feita, pois, a meu modo, uma declaração de voto, só pra lembrar que foi nesta eleição que os antes pretensamente neutros “Estadão” e “Folha de S. Paulo” saíram do armário e declararam o que todo mundo sabia: que detestam qualquer sombra de política de esquerda e amam e patrocinam candidatos de centro-direita como os tucanos.



Mas não fossem minhas rarefeitas convicções, ficaria difícil, sobretudo ao eleitor “comum” (e o que é isso, enfim?) fazer sua escolha a partir do material posto pelos candidatos, digo, pelos projetos de candidaturas, que é o que se transformaram as campanhas políticas no Brasil. Hoje o candidato não importa mais. Suas opiniões, virtudes e defeitos, ingredientes que constituem o tempero das diferenças, são pasteurizados nas ilhas de edição por esse novo príncipe emergente, um tal de marqueteiro. Saudades de Brizola, com seu jeito único na política nacional. E ai de quem dissesse ao velho “caudilho” que aquelas horrendas sobrancelhas não caíam bem nas telas analógicas da TV dos eleitores.



No Brasil de agora, mais que a futilização imposta pelo marketing, emerge uma inacreditável volta à idade média, combinada com sua sujeição à idade mídia. Isto, graças a quem entende das sombras medievais, a criminosa Santa Madre Igreja Católica, com seus milhões de mortos nas fogueiras da Inquisição, sua sanha assassina na conquista do poder material e simbólico. Logo esta Puta Madre que, mergulhada no século 21 na vergonha de um Papa fascista (de carteirinha, pois que dos mais convictos adoradores de Hitler) e no vexame dos variados tipos de criminosos sexuais de batina espalhados no mundo inteiro. É esta, pois, a principal e hoje única herança legada por essa instituição em frangalhos, tão em crise que perdendo espaço até para os medievais evangélicos.



Pois essa firma em bancarrota, em vez de desculpar-se pelo passado e buscar um lugar no novo mundo das disputas ideológicas, instala, com seu modus operandi, uma volta ao domínio das mentes pelas lógicas do terror. Em busca (este, sim, é o verdadeiro motivo do “interesse” dessa apática igreja de tarados e viados) de valorizar sua condição de cabo eleitoral na atual elei$$ão, a Puta Madre Igreja retoma temas superados no mundo civilizado, como a condição religiosa dos candidatos (temente a Deus ou ateu?) e a condenação ao aborto por razões religiosas. O resto do mundo, lúcido e racional, já resolveu essas questões. Assunto de aborto não é de religião, que, ademais, é uma abstração interior de cada um. Deus, portanto, existe conforme o gosto do freguês. E é isto.



Minha geração, que cresceu discutindo política maior, iluminada pelos exemplos da revolução francesa e das contribuições marxista, anarquista e existencialista, é pilhada agora com o emburrecimento das idéias, a simplificação grosseira e a falsificação do debate político. Deus, aquele que habita minhas mais recônditas incertezas, me livre desses inquisidores que brotam das trevas para o mundo midiático de pastores evangélicos, bispos escrotos (“bichos escrotos, saiam dos esgotos”) e cândidas Marinas. Eu quero outro mundo e nós, o Brasil criativo em todas as artes, exemplo para o mundo de urbanidade e tolerância, não pode ceder a esses grotescos personagens do passado.

sábado, 9 de outubro de 2010

O mundo medievel vive na tucanalhada

Não gosto quando uma eleição polariza entre dois lados, porque a democracia acaba sendo empobrecida por um debate reducionista. Aqui, então, temos, de um lado, o mundo medievel liderado pelo monstro em que se transformou a sombra do antigo homem José Serra. Do outro, diante da necessidade de mantermos o governo progressista de Lula, temos de ceder anéis, dedos e dinheiros para garantir a vitória e a governabilidade. Sou um eleitor de Dilma um tanto diferente da maioria fervorosa. Já disse aqui no blog e resumo em poucas palavras: a redução da pobreza, uma distribuição de renda, mesmo tosca, mas nunca feita por nenhum presidente, e, por fim, a recuperação do Estado e de sua materialidade, ou seja, o serviço público.



Ao contrário do tucanalha FHC, um homem mentiroso e desonesto, sou a favor de Estado forte, com poder fiscalizador e para intervir na economia, sempre que esteja em jogo os interesses da sociedade. Esse papo do livre mercado, o trololó da liberdade de empresa e de imprensa, é tudo conversa fiada para enganar a juventude incauta. O pouquinho de civilidade que temos no Brasil, com uma educação universal e garantias mínimas para os trabalhadores (mínimas mesmo), vem do governo de Getúlio Vargas, que criou a Petrobrás e outras estatais, o salário mínimo e fincou as bases da industrialização no país. FHC destruiu tudo isso e vendeu o que pôde por 30 dinheiros. Lula, na medida do que foi possível, restituiu um pouco daquilo que poderíamos ainda chamar de Nação.



O que está em jogo nesta eleição é a velha conspiração de sempre: as elites nacionais e regionais, com a adesão dos ignorantes, querendo retomar o poder para esquartejá-lo novamente com a curriola. A coligação que apóia Dilma tem problemas e contradições, mas nada que desfigure a essência de um projeto de governo que não é de Lula nem só do PT, mas de um conjunto de forças e opiniões que batalham há anos, desde a ditadura, para garantir essas conquistas que o governo Lula empreendeu. Em suma, são o Brasis velho e novo que se enfrentam nas urnas, com a certeza anunciada de que uma eventual vitória do PSDB significa um retrocesso de anos. Vai ficar difícil colocar novamente o país nos trilhos. Perderemos identidade, poder e respeito internacional. Isso vira de novo uma prostituição financeira e moral, afinal, esta é a marca dos tucanalhas: desrespeito aos direitos e a desgraça das famílias.



O ÓPIO DO POVO



Desgraçadamente, a mesma polarização traz de volta um tema que parecia adormecido em campanhas eleitorais, posto que as sociedades civilizadas sequer cogitam discutir isso na esfera da política. Aqui, o retrocesso, o mergulho sombrio na idade média, se faz pela invasão da religião no debate eleitoral. É lamentável, triste, vergonhoso. No twitter, terra de ninguém e exemplo de nossa degradação mental, pululam insultos de todo tipo. Ofensas gratuitas, como chamar Dilma de lésbica, ou invenções pura e simples, tiradas do nada, aleivosias de quem, sem munição para o saudável debate das ideias, recorre ao terrorismo para defender um candidato. Como o desespero é confissão de derrota, fico mais tranqüilo, embora preocupado com um país que, dividido, guarda em um dos lados a voz renitente do atraso.



CIRO GOMES



Disse aqui outro dia minha opinião sobre Ciro Gomes. É a que tenho desde muitos anos e não vou mudar por razões eleitorais. Mas vale dizer: como ministro da Fazenda de um governo de reconstrução, o de Itamar Franco, nacionalista, Ciro tem conhecimento de causa desse trecho da história, sobretudo da descarada traição perpetrada por Fernando Henrique contra seu criador, o próprio Itamar. O que veio depois, com Serra no planejamento econômico e FH rodando a bolsa no exterior, Ciro, melhor do que ninguém até agora, dá um depoimento que merece reflexão. O link está disponível abaixo e, para os incrédulos, é muito simples: basta (para ser fiel à condição) não acreditar.



http://www.conversaafiada.com.br/video/2010/10/06/video-sensacional-como-o-ciro-chama-o-serra-as-falas/

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Vargas Llosa e o beijo roubado em Simão Dias



Não sei porque tanta gente gosta da literatura de Garcia Márquez e não também de Mario Vargas Llosa. Aliás, conhecendo a espécie humana, como começo a conhecer, sei bem as razões: um é escritor de esquerda e outro de direita. A rigor, as duas afirmações são praticamente falsas, mas não cabe agora a discussão. Interessa apenas isso: pelos infinitos preconceitos que travam a mente na ideologia, um é queridinho e outro é execrado. Como não paga imposto nem é proibido, gosto dos dois, mas sempre tive um xodó mais íntimo com a fantástica obra do peruano, um tarado total, que comeu e casou com a tia (porra, vá que fosse com a sobrinha) e carrega a vaidade de um pavão.

Acontece que Llosa é desses homens a quem cabe o pecado da vaidade, com sua inteligência fina, texto acurado e encantador. Li vários, mas seuPeixe na água” é primoroso, mesclando sua riquíssima história pessoal com a própria História contemporânea do Peru, percorrendo principalmente a quadra dos terríveis anos 80. Na época, a América Latina se livrava dos golpes militares, para cair nas mãos corruptas dos neoliberais mais descarados que se tem notícia: Carlos Menem, na Argentina, Carlos Andrés Perez, na Venezuela, um tal Fernandinho dos Marajás, da almadiçoada Alagoas e Alberto Fujimori no Peru.

Em 1989, em trânsito para Havana, passei dois dias perambulando na bela Lima. O país fervia com os ataques do Sendero Luminoso e com uma campanha presidencial que opunha, justamente, Fujimori e Llosa. O resultado, o mundo conhece: ao perigo de eleger umdireitistaconservador (como um homem que casa com a tia pode ser conservador? Ahahah), preferiu-se a aventura de um ladrãozinho sem estilo até para roubar. Como se ainda restasse um pouco do que chamam de justiça, dorme hoje caladinho numa cela do xilindró.

EXÍLIO          

Vargas Llosa desencantou-se com o povo e o lugar e foi embora para Madrid, até porque, enquanto durou a ditadura legal do japonês, havia ordem judicial para prendê-lo, caso voltasse ao país – a Justiça, sempre eficaz nos serviços mais sujos e na conspurcação da democracia. Com a volta de alguma normalidade, passou a freqüentar Lima e sua linda Arequipa novamente, embora aquele amor imenso, confessado tantas vezes nos seus livros, não fosse o mesmo. Na temporada européia, produziu maravilhas como “A festa do bode”, que narra a trama para assassinar o ditador dominicano Rafael Leónidas Trujillo, onde traça um rico quadro daquele país sob a mão de ferro do general. A publicação mais recente é o único que não gosto e que considero o mais fraco: “Travessuras de uma menina má”, que, me parece, feito para cumprir o contrato com as editoras. Ainda assim, em se tratando de um Vargas Llosa, dá para ler com prazer.

Sua eleição para o Nobel de Literatura de 2010 é justa, afinal, o que é julgado é o conjunto da obra de um autor latinoamericano, com produção magnífica, dessas que colocam as coisas da aldeia para girar na órbita do mundo. E nisto é tão bom, que o faz com maestria até quando trata da aldeia dos outros, como fez em “A guerra do fim do mundo”, antológica história romanceada da saga de Antônio Conselheiro em Canudos. É incrível imaginar que um livro tão rico, tão detalhista em pequenas passagens, foi escrito por um estrangeiro. Mas engana-se quem pensa que, para chegar ao resultado alcançado, o autor empregou basicamente o talento: ali, mais que inspiração, está empregada a transpiração de um obcecado pesquisador da história. Llosa passou meses subindo e descendo ruas de cidades e povoados do sertão nordestino, garimpando fontes, registros, relatos.

Sergipe estava no roteiro, evidentemente. Em Simão Dias, hospedado numa pensão familiar, o belo e atlético escritor com cara de europeu, que despertava suspiros por onde passava, foi pego numa cena de programa de TV. Ao encontrá-lo na tal pensão, uma senhora casada, em idade de ter juízo, não resistiu à beleza do também maduro escritor e, ao aproximar-se, do nada, sapecou-lhe um tremendo beijo na boca. Perplexo, Vargas Llosa corou de vergonha, afinal, mesmo para um sujeito esquisito, tarado na tia, um chupão assim inesperado deixa qualquer galã nocauteado.