domingo, 14 de novembro de 2010

Meu caminho para Compostela

Desde muitos anos alimento a vontade de fazer o Caminho de Santiago de Compostela, a partir do Porto, passando por Braga, a ou de bicicleta. Cheguei, inclusive, a acertar detalhes com uma amiga francesa, Emile, que conheci... onde?, onde? Na Croa do Goré, no meu velho Mosqueiro. Mas ainda não será desta vez. Meus seis meses aqui, que me pareciam extensos, passam numa velocidade que mal permite administrar o ordinário. Assim, os compromissos do doutorado me avisam que um dia, quem sabe, eu caminhe por estes vales em busca do que agora, por trem e movido por outra razão, acabo de realizar. Aqui vim, pois, para um congresso sobre digitalização.


Mas aviso logo que minha na experiência mística do caminho ficou abalada, tanto por ter feito a rota num confortável trem da Renfe e pela razão absolutamente profana. Mas também pelos relatos que recolhi. Meu evento acontece na praça de Obradoiro, onde fica a inacreditável catedral erguida para cultuar o apóstolo Santiago pelo Rei Afonso II. Ficamos dois dias numa sala aquecida, no Conselho de Cultura da Galícia, com vista para a catedral. Os eflúvios de Santiago, certamente, ajudaram a chegarmos a boas conclusões.

Cidade dos peregrinos


Aqui o espetáculo de beleza arquitetônica segue em progressão geométrica. Se eu ficara encantado com a imponência de Salamanca, fico ainda mais impressionado com Santiago e com essa catedral que é um monumento à beleza e ao poder da Igreja, que aqui fez, na verdade, mais que um palácio, para mostrar toda sua força e potencializar o desejo humano de conexão com o imponderável. A morte, misteriosa e justa morte, tornando ainda mais pequenos os homens em suas catedrais.

No hostal onde me hospedei, quase todo ocupado de peregrinos, especulo com alguns deles os resultados da experiência. Um jovem espanhol que liderava um imenso grupo de senhoras e senhores bem mais velhos relata seus sofrimentos físicos. Com a chuva, frio e vento intensos que atingiram a província nos últimos dias, teve de trocar o tênis pela bota, judiando ainda mais os pés, que resultaram cheios de calos e doloridos. As senhoras, idosas, eram a própria imagem da exaustão. Como não teriam a menor condição de escalar seus beliches no segundo andar, pediram que eu trocasse de quarto. Claro que atendi. E Santiago me ajudou: escapei de um sarau da terceira idade e fui parar num quarto, sozinho, com uma inglesa loirinha.
Como cheguei de madrugada e o quarto tava escuro, imaginei se tratar de um homem. de manhã dei de cara com a serelepe, ali, a um metro de minhas mãos carinhosas. Ela puxou assunto e tentamos um diálogo meio trôpego, por causa do meu Inglês de rodoviária. Pior ela, monoglota, que não dominava nem um “buenos diasem espanhol.

Num bar onde provamos a melhor rodada de frutos do mar deste mundo, encontramos três meninas bacanas de Sevilha. A conversa começou pelo futebol. Eu perguntava a origem do jogador Puyol, atleta que mais número de vezes vestiu a camisa do Barsa, acreditando ser catalão. A mais linda das três, morena de fechar quarteirão, interrompe minha conversa com o Luís e informa: “ele é daqui da Galícia”. Hummm. Era o que faltava. Depois de longo papo eu pergunto às chicas, que recém chegaram da caminhada: “E a experiência mística, como foi?”. A morenaça: “Não foi”. Então, que venga el vino de Galícia.

Mamãe passou açúcar em mim

Depois de maduro virei o rei da simpatia, xodó de velhas e velhos, principalmente. Assim tem sido nas minhas andanças por aqui, em todos os cantos, hotéis, restaurantes, onde vá. Dessa vez é o casal que administra o hostal, senhor César e sua simpaticíssima senhora. Tão gentis que enjoam. Parece que sou o filho mais velho deles. Desde a chegada, havia batido um longo papo, primeiro com ela, depois com ele. Na primeira manhã, ele me convida a um café no bar do hotelzinho. A mulher me cobre de mimos e pergunta se quero algo, se desejo trocar de quarto, essas coisas. Digo que voltarei no próximo ano para minha lua de mel, tão lindo é este lugar. Ela comemora, promete uma suíte especial para esses momentos (sem testemunhas no quarto) e pergunta pela noiva. Eu digo que o processo ainda está em licitação. Logo teremos uma moça escalada para a nobre função.

No dia seguinte o senhor César me convida novamente, desta vez a um vinho gallego no mesmo bar. Logo chega a “minha” inglesinha e se junta ao grupo. Faz um esforço hercúleo para me perguntar coisas simples, com aqueles guias de conversação que um dia também tentei usar, inutilmente. “Estarrr... gostandoooo.... da.... sua/tua estânciaaaa?”. Pergunta ela, sem deixar claro se o pronome é na segunda ou terceira pessoas e sem acentuar fortemente a interrogação. depois consigo explicar que minha viagem vai muito bem, obrigado. Mil vezes falar no meu inglesinho safado.


Até achei que a galega tava arrastando a asa pro meu lado. Tinha marcado uma bagaça com meu amigo Luís: tomar uns gorós e umas tapas da maravilhosa comida gallega, à base de mariscos. Convidei a gringa, mas ela, previdente, recusou, alegando alguma coisa, que esses latinoamreicanos não são gente em quem confiar. Fez bem. Meus planos para ela eram os piores possíveis. Cheguei novamente tarde e estava a inglesa, posta em seu leito, a cabeça de fora dos lençóis. Ainda pensei numa charla, mas, por uma imperdoável imperícia, acendi a luz para pegar não sei o que. Não foram nem três segundos de luz acesa, mas suficientes para que a moça abrisse os olhos e me fuzilasse com o olhar mais ameaçador que um inglês colonizador pode ter. Dormi quietinho, antes que essa feminista disparasse um desaforo na única língua em que sabe se virar. De manhã cedo ela arrumou seus panos e foi embora de minha vida. Eu fiz um juramento: não bebo nunca mais!


    

2 comentários:

Anônimo disse...

Rei da simpatia? Lua de mel?
E esse último parágrafo? Censura nesse blog djá!

Carol

sonia pedrosa disse...

Depois, vc tem qu eescrever um livro sobre essas suas aventuras aí.
Beijossss
sonia.