quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Tapas y otras



O outono, enfim

Mal o outono começou oficialmente, o friozinho morde as franjas das madrugadas, para minha alegria, que penso que este é clima de mundo civilizado. Uma pena que não temos no nosso Nordeste temperaturas tão amenas, salvo em enclaves como Garanhuns, as cidades da serra da Borborema e algumas serras do Ceará. De dia faz frio no meu cafofo, mas de vez em quando saio à rua, na orla do rio Manzanares, para lagartear um pouco, como se diz no sul do Brasil. Nãonada melhor nessas horas. Quem morou no frio sabe muito bem o prazer de sair de um ambiente fechado e frio para buscar a energia vitalizante e agradável do sol sobre a pele.

Salamanca

No finde passado fui a um congresso da Ulepicc Espanha, a União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e da Cultura, mesma entidade da qual sou sócio na sua seção brasileira, que aloja os pesquisadores identificados com minha linha de pesquisa. O congresso daqui foi uma beleza, organizado, produtivo, sem as firulas de vaidades acadêmicas: nove horas de ricas discussões e depois.... festa, que também somos gente. E é claro que não ocuparei o tempo de meus ocupados leitores com a chorumela espanhola da Ulepicc. Vamos a Salamanca, que é o que interessa.

Tinha passado nesta cidade há uns dez anos, de ônibus, viajando do Porto a Madrid. Achei que conhecia alguma coisa. Porra nenhuma. Salamanca tem a imponência dos séculos de história, da herança árabe e cristã e dos grandes reis de Espanha. Como as cidades históricas que se mantiveram conservadas, a cidadela, parte histórica, mantém-se íntegra, bela e grandiosa, no tom amarelado-barro que caracteriza todas as construções. Com duas catedrais imensas, a nova e a velha, hoje as duas velhas, evidentemente, mas cada uma com sua história, cravadas no centro e olhando uma para outra, respeitosamente.

Parte dos prédios são ocupados pela famosa universidade, mais um motivo, penso eu, de garantir uma conservação, como se diz agora, de forma sustentável. Uma Plaza Mayor que, diz-se, é a mais bonita do país, embora entre os que conversei haja uma dúvida entre a de Madrid e esta. Pronto, estava instalado um autêntico campeonato mundial de praças. Eu, principal representante do Mercosul, apresentei minha candidata, a Plaza de Armas de Cuzco, no Peru. A de Salamanca me parece ainda mais alegre do que a de Madrid, cheia de gente o tempo inteiro, artistas com suas artes, jovens ou velhos e toda a fauna humana em busca de um lugar para sentar e admirar a paisagem.
O finde semana do congresso coincidiu com a popularíssima festa da Tuna, tradicional manifestação da Europa, surgida nas universidades, que celebra a música e a dança pelas ruas das cidades em períodos determinados do ano. A daqui foi belíssima, com um desfile dos grupos paramentados, cantando e tocando por todas as ruas. De noite a festa vai ficando mais profana e os rapazes, com as respectivas madrinhas, entram nos bares para celebrar junto aos demais.

Amigos

Em Salamanca, como nas demais viagens que tenho feito, sempre encontro amigos conhecidos do Brasil. Aqui foi o casal Reges e Ângela Zamin, ela minha colega de turma no mestrado e doutorado na Unisinos; ele, doutorando na UFRGS, também em Comunicação. Ângela também faz o doutorado-sanduíche, em Barcelona, e ambos vieram ao congresso apresentar trabalhos. Encontro-os na rua, perto da rua Mayor (assim mesmo: rua, como em português), onde fica meu hotel, o Emperatriz. No outro dia, acompanhamos todas as apresentações do congresso e, de noite, marcamos novo encontro para um rega-bofe e uns vinhos. Depois paramos na Plaza Mayor, onde Ângela fez amizade com uma madrinha, que explicou toda a história da Tuna. Mais tarde, eu, com outro grupo, encontro os mesmos tunos num bar da praça, devidamente calibrados com o velho árcór, cantando e tocando ainda mais aloprados. Como eu também conectava o outro mundo, cantei com a catrevage: “Malagueña Salerosa...”.

Minha mesa resolveu radicalizar e fomos à balada. Curioso, porque nos últimos anos eu tinha enchido o saco desses programas, talvez pelos riscos e pela agressividade que rola na noite brasileira (“Sangue e porrada na madrugada”, cantava Lobão). Aqui, tem sido comum me aventurar com amigos na placidez das madrugadas. Dessa vez estamos eu, um companheiro da Galícia, que a todo momento procura falar em português comigo, e duas colegas do congresso, uma da Andaluzia, outra de Castellón, esta última, a versão espanhola de Juliette Binoche. Não tardou e logo eu chamava a moça pelo nome da atriz francesa, como se fôssemos íntimos de anos. Dá-lhe, cachaça!

A bagaça foi até quatro e pouco da manhã, com um frio de rachar. Não precisa dizer que o sábado seguinte foi dedicado a programas inofensivos, como, primeiramente, se curar da ressaca e, depois, visitas às catedrais e à Universidade de Salamanca. Na igreja fiz um juramento: não bebo nunca mais!

Uma

O turismo e a abestalhada figura do turista são duas das coisas que, não raro, beiram o grotesco. Isso, em qualquer lugar do mundo. Eu mesmo vi de tudo, em matéria de besteira e falta do que fazer. Em Salamanca, num dos prédios da universidade, construíram uma fachada belíssima, em estilo barroco, com milhares de pequenas esculturas, de deuses a diabinhos, monstros, reis e rainhas, animais e objetos. Dentre os bichos, cravaram na parede, justamente sobre a cabeça de uma caveira, uma pequeníssima , este simpático animalzinho que, não por acaso, vem a ser o símbolo da cidade. Pois vocês sabem qual é o programa obrigatório e imperdível para todo viajante que visita Salamanca? Acertou quem disse procurar o tal sapinho naquele emaranhado de figuras minúsculas penduradas numa parede imensa. Meus companheiros de viagem me incumbiram da obrigação. Pois! Pelo que me conheço, ficaria ali o resto da vida, sem encontrar a pestinha. Ainda bem que um gaiato, com uma dessas canetas de raio laser, iluminou a bichinha e encerrou a questão.

A viagem

Pode-se ir a Salamanca por vários meios, mas preferimos o trem, uma confortável acomodação, rápida e segura, que em duas horas e meia faz o trajeto desde a estação de Chamartin, em Madrid. Paguei 27 euros, mas tinha 30% de desconto graças ao congresso. Mas, ainda assim, é barato, pela qualidade e tranqüilidade, aquilo que os jornalistas chamam de custo-benefício.

Fiquei pensando porque o nosso calejado Brasil não conta com estruturas assim, de estradas de ferro modernas e capazes de vencer as longas distâncias sem a carnificina das estradas. Agora mesmo o governo Lula, que eu apoio, não obstante esse fato, está licitando o famigerado trem-bala de São Paulo ao Rio. Ou seja, entortaram a maravilhosa idéia do trem por uma maluquice faraônica que vai custar mais de R$ 30 bilhões, dinheiro que daria para fazer uma ferrovia ligando Fortaleza a Porto Alegre, por exemplo. Mas é o Brasil e suas coisas inexplicáveis. O governo Lula, da restauração do Estado e do serviço público, da ressurreição das universidades e do combate efetivo à pobreza é, também, o governo dessas invencionices.

Em casa

Dois dias na doce e bela Salamanca, mas é hora de voltar ao batente, quer dizer, ao bairro boêmio da Malasaña, onde moraram, dentre outros ilustres, o diretor Almodóvar e o nosso Cauê da terra, secretário de Comunicação do governo. Sábado a noite a Malasaña ferve. Chego com meu amigo Luís e com uma fome convidando a sentar em algum lugar. Traçamos dois pedaços de pizza e, àquela altura, não cabia preservar juramentos, né? Mandei ver duas cervejas até o trajeto para minha casa. Era o mínimo, para quem passou a tarde procurando um sapo na parede. 

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