segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

João Costa, o Mestre


Foi embora desta, no domingo passado, o professor João Costa, do departamento de Letras da UFS. João era velho de guerra, desde os cursinhos e colégios de Aracaju até sua brilhante passagem pelo curso de Letras. Aliás, mirando bem, brilhante onde passou. João era um casca grossa, dos bons, daqueles que perdem o amigo, se preciso fosse, mas nunca deixava de dizer sua fala. Na juventude, fez teatro numa Aracaju culturalmente adolescente, tentando dialogar com o teatro moderno que vicejava nas matrizes do Rio e SP. Um homem culto, afetuoso e delicado. E bruto e indelicado, se precisasse.
Tive a sorte de conviver com João nos três anos que trabalhei na assessoria da Reitoria da UFS, numa sala com Gilvan Manoel, Rian Santos e os professores Gilvan Trustra e Murilo Navarro. João, teatral, era o próprio show man, todos os dias nos brindando com surpresas: ora um humor fino e cáustico, ora o mau humor puro, servido nas doses que o freguês quisesse comprar. Não havia uma manhã que ele não chegasse à nossa assessoria/redação com uma grande história, um comentário inteligente, malandro, cheio de segundas, terceiras e múltiplas intenções. João Costa era, afinal, um grande leitor e conhecedor da melhor literatura mundial. Como ator, não poderia deixar de incorporar isso à sua vida, como se fosse mesmo um personagem. E era. Se referia a si mesmo, meio sarcástico, como "Jonnhy".
Quando o encontrava pelas ruas da cidade ou em alguma livraria dos shoppings, me aproximava silencioso e pespegava um insulto: “Veiiiiinhooooo”. Ele logo abria um sorriso infinito e retomávamos, pela milésima vez, a história do folgado caixa da padaria perto da casa dele, que costumava recebê-lo com essa sem cerimônia. que ele contava isso em detalhes, com seu ar teatral, encenando e amaldiçoando um caixa de padaria que, sem eira nem beira, se referia àquela celebridade acadêmica com o mais desprezível dos tratamentos: veinho. Certamente detestava o tratamento íntimo que, ademais, não era do feitio de um homem que, apesar de toda a cultura e sabedoria, era um assumido conservador e possivelmente dado às hierarquias.
João, assim, foi uma lição diária de mestre para todos aqueles da reitoria da UFS que conviveram com ele. No começo, quando ele se juntou à nossa equipe, eu, tomado de preconceitos contra a figura que eu sabia conservadora, fiquei de atrás, disposto mesmo a não trocar com o Mestre mais que as palavrasbom dia” e “até logo”. Pois!! No segundo dia eu era íntimo de suas adoráveis molecagens, trocando, com ele e Gilvan Manoel, velhas piadas de charada, comentários críticos de livros, filmes, da política, da vida, enfim.
Ontem, quando soube da sua morte, não tive nenhuma reação. Sabia que o câncer que o consumia há alguns meses fatalmente o levaria logo. Hoje, pensando nas histórias de Jonnhy e na grandiosidade de sua alma, chorei de saudade. A partir de agora, João Costa será para mim esse belo rosário de histórias.  

4 comentários:

Gilvan disse...

É com pesar e uma certa felicidade que leio seu texto sobre o nosso Mestre, o velho jhony. Ontem quando recebi a noticia de sua morte, fui correndo para o cmeitério mas infelizmente cheguei ao fim do sepultamento. Nem pude dar um ultimo olá para o colega de trabalho, mestre e amigo. Chorei... mas chorei mais pela certeza de que pessoas como João Costa e outros como aquela nossa turma da reitoria estão cada vez mais findando. Adorei o texto Luciano. Faço minhas suas palavras e ultima homenagem ao amigo João Costa.

Waleska disse...

Fui aluna do Mestre Johny! Agora, diante deste triste momento, até estou sentindo falta do seu mau humor... Às vezes ríamos, às vezes tínhamos raiva de suas piadinhas, algumas delas inconvenientes. Mas ele podia, Johny podia!!!Tb sabia ser gentil, ainda mais qdo nos perguntávamos algo sobre a Língua Portuguesa e respondíamos corretamente! Aí ele dava um sorriso, e nesse momento, esquecíamos de suas broncas... VAI EM PAZ MESTRE...

RosaS disse...

Luciano
Fiquei com uma melancolia alegre-é possível?- lembrando do prof João Costa tal qual vc descreveu, com seu estilo incomparável.
Fui aluna dele...sempre! Digo sempre porque foi desde que me entendo como gente no Colégio do Salvador-portuguès e françês. Colégio rígido e de elite-vá lá!-ele fazia toda diferença. Fui aluna dessas prediletas, ótimas notas, curiosa e atenta; que merecem uma atenção especial do mestre e me sentia orgulhosa e envaidecida por isso. Confesso sem pudor. A pronúncia do francês era exagerada e ele me fazia pronunciar os rrrr franceses que eu odiava. Eu gostava do inglês-Beatle e Rolling Stones.... Me fazia recitar poesias nas aulas de português. Adolescente, fiz um tempo teatro sob sua direção, mas só uma peça foi apresentada no Ateneu-O boi e o burro a caminho de Belém no Natal de 19.....não me lembro. Alguém lembra disso?? Amigo do meu pai, frequentava minha casa, tb colegas que eram na Universidade, embora em campos diferentes. Tb era amigo do meu marido e o encontrava com frequencia por uns bons tempos. Há muitos anos não o vejo. Soube que estava com câncer. Lamentei muito. Agora me veio uma grande saudade de tempos maravilhosos da minha vida que ele fez parte. Tenho certeza que o professor João Costa é daqueles que podemos chamar de MESTRE: aquele que nos estimula, desperta o desejo de aprender, de buscar, nos faz curiosa; suas aulas eram aguardadas ansiosamente pela turma e era sempre cativante, uma surpresa nova. Ele se irritava com alunos negligentes, maus alunos, de forma brava como vc descreveu. Não era tolerante, era meio histriônico, atuava às vezes nas aulas....mas todos o admiravam. Obrigada por descrevê-lo assim e me fazer lembrar.
Beijo
Rosa

Professor LIMA disse...

O artigo me fez lembrar das vezes que eu atravessei a secretaria da reitoria para ir falar com ele na sala dos assessores onde ele conferia os textos produzidos pela reitoria ejuntava documentos para contar a história da UFS.
O professor João Costa merece ser lembrado por ter sido um grande professor, um homem de cultura e sempre disposto a ensinar.