quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Jogando coisas fora


Esses dias tive de descartar coisas velhas, um problema com o qual sempre lidei, uma vez que também estou, como diria Neal Cassady, no terceiro terço. Esta necessidade, tomada pela simples razão de que, na minha casa, ou fica eu ou as quinquilharias, denuncia o primeiro problema: como a gente junta coisas que não precisa. Mas este é assunto para outra hora. Me refiro aqui a uma faxina cinematográfica a que fui obrigado, pois, de todos os ministérios de casa, o da Cultura estava tomando o espaço dos demais, inclusive do dono de tudo, presidente e ditador, pagão e gastoso.
Como não tive coragem de avançar sobre os quase mil vinis, nem ousei despejar as centenas de fitas K-7 com registros musicais raríssimos e alguns arquivos jornalísticos implacáveis (vixe!), sobrou para a metade das oitocentas fitas VHS que ilustravam a estante da sala. Para entrar no maravilhoso mundo do cinema armazenado nas caixinhas pretas, usava um dos dois aparelhos que ainda conservo. É que, além das minhas próprias velharias, parentes e amigos foram se habituando: “vai jogar fora? Manda para o tio Luc”.


Jóias do cinema

Um dia sonhei que tudo isso merecia ser compartilhado, porque, além dos filmes que ainda não saíram em DVD, tenho inúmeros registros musicais, de programas de TV, especiais, jornalísticos, enfim, uma riquíssima diversidade que, creio, deveria ser absorvida por algum museu do audiovisual. Mas lembrei do meu amigo Ivan Valença, que quis fazer o mesmo com seu valoroso patrimônio cinematográfico. Ivan, jornalista sério e talentoso, crítico de cinema, pretendeu um dia transferir sua coleção para uma videoteca da Prefeitura de Aracaju. Nada mais legítimo, numa terra em que a aridez audiovisual é a marca. Mas o pobre Ivan foi esquartejado em público por políticos criticados por ele na sua coluna política no “Jornal da Cidade”.
Enquanto limpava estantes, fui percorrendo um caminho inverso de minha vida, marcada por cada filme, cada diretor, atores. Numa primeira braçada, se foram “La nave va”, do encantador Fellini, o meu querido “Dow by law”, comprado depois de exaustiva garimpagem em Nova Iorque. Uma coleção de Kiarostami também tomou rumo ignorado, com o impagávelDez” na levada.
Novas investidas e jóias como uma dezena dos mais antigos de Chaplin, com luxuosas capas negras, se juntaram ao expurgo. Meu coração a essa altura sangrava. E aquelas séries dos filmes nacionais “da retomada”, lançadas pelaIsto é”, com títulos comoBaile perfumado”, todos os de Glauber, Nélson Pereira dos Santos, os da Globo Filmes, etc. Enfim, os vários filmes da minha vida foram concedendo pequenos trechos, traillers fantásticos de Tarantino, Wim Wenders, Woody Allen, Coppola. Todos, a essa hora, descansando na lixeira. Ê vida besta!
  

2 comentários:

DeeJayMurilo disse...

Tradução do texto: Peguei minhas fitas com bolô e joguei fora. Tucanaram o Luciano!!

Neide disse...

Concordo com o Samarone:" Tudo isso cabe num pen-drive." Vamos trabalhar o desapego...