quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Tapas Madrilenas 3 - Madrid para principiantes

São dez e meia da noite, masalguns minutos o dia ainda estava claro. Agora o céu tem um tom azul, para escurecer com a noite daqui a pouco. Na praça de España, como diz Belchior, gente jovem reunida bate papo, namora, fuma e ouve seus telefones móveis e outros apetrechos digitais. Saio do cinema na calle Princesa e me fascino com o frisson da noite. Entrei com o dia claro e calorento e agora uma nova paisagem resplandece à minha frente, com o colorido das luzes e uma brisa suave. É curiosa a saída de um cinema, pelos impactos que possam ter nos causado na sala escura ou pela própria mutação da cena urbana. Agora experimento uma nova maneira de olhar este pedaço da cidade.
Os pedaços da cidade. É desaconselhável conhecer um lugar pelos seus subterrâneos. Não me refiro aqui metaforicamente aos estertores de uma cidade, onde dormem os segredos e fascínios de todo lugar manhoso, mas a percorrê-la de metrô, de uma estação a outra. De todo modo, foi assim que tive de fazer antes de resolver coisas básicas na minha chegada, onde o tempo urgia e não cabia, àquela hora, olhares mais demorados. E se tem uma riqueza nesta cidade, trata-se do seu metrô, que cobre toda a extensão do perímetro urbano e até mais, neste caso, pelos trens chamados de Renfe, que são metropolitanos.
Foi uma surpresa agradável quando comecei a explorar a cidade por cima e fui ligando pontos, referências, locais onde eu plantei histórias curtas, nesses dois meses. Esse prazer é ajudado em muito pelas minhas caminhadas quase diárias. No Brasil eu fazia isso em academias, me conformando com a paisagem das chicas com idade de serem filhas. Aqui, decidi isto: se vou caminhar, que seja pelas ruas. E que seja por caminhos sempre diferentes. Assim, um admirável mundo novo se descortina para mim a cada dia.
Com meus tênis de corrida e a máximaquem tem pernas vai a Roma”, ora exploro um lado do rio Manzanares, que está em frente à minha casa, ora para além do estádio Santiago Bernabeu, do Club Atlético de Madrid, ou para os lados da Puerta de Toledo, da Feira do Rastro. Na outra direção, exploro a Puerta Del Angel, imediações da estação do meu bairro, a Casa de Campo, Príncipe Pio e logo... Plaza de España, Palácio Real, Plaza Mayor, Puerta do Sol. se viu que eu moro quase no coração de Madrid, né?

Cinema paraíso e o cinema americano

No Cine Renoir, fui ver “Gainsbourg”, a bela história do cantor francês outsider que namorou Brigitte Bardot - mas isso é uma passagem desse artista fantástico. Garoto precoce, pianista, amante desde cedo das belas mulheres (contrastando com sua feiúra extraordinária), Serge Gainsbourg ficou conhecido pela minha geração com a música “Je T’aime - moi non plus”, proibida pela ditadura, mas que em Itabaiana arranjamos um jeito de ouvi-la nuns compactos simples que alguém contrabandeou. Não garanto, mas havia na aldeia serrana uma figura conhecida comoTapioca”, um rapaz modernoso para aqueles anos de chumbo, dono da primeira boate da cidade (“O Buraco”), que depois foi morar nos Estados Unidos. Acho que “Je t’aime” chegou pelas mãos dele.
A música simula um lesco-lesco erótico que escandalizou o mundo e foi censurada em república de bananas, como o Brasil dos militares. Jane Birkin, linda atriz que arrancou gemidos nos cinemas nos anos 70, fez a parceira musical, depois na vida real, de um casamento atribulado. Enfim, é da vida de um desses homens tocados pela natureza do gênio, que desembarco para entrar no mundo feio e cruel do cinema americano.
Na volta pra casa, a (tênis pra quê vos quero?), passo num kebap de uns caras de Bangladesh, onde sou freguês conhecido. Enquanto aguardo o repasto, vejo na TV digital espanhola um enlatadão americano. Que coisa! Uns 30 caras chegam num lugar e matam o que vêem pela frente em fração de segundos. Balas rápidas e flechas metálicas (sic!) saem de uns verdadeiros canhões. Dois que se encontram à frente (os “artistas”, diriam os meninos da Itabaiana antiga), são fulminados instantaneamente. Até , bacana. que, assim que os gentis rapazes passam adiante, o artista principal (ainda na lógica serrana) se levanta vivinho da silva. Ora, havia-se feito de morto, que não é besta. E o outro? Furado feito uma peneira, nas terras de Satanás. Mas nada que não se possa dar jeito, em se tratando de filme americano. O amigo pega então uma arma no chão, um negócio de dar choque, e crava na titela do falecido, por cima dos buracos de bala e tudo. Qual o quê, em questão de segundos, o cabra começa a estrebuchar, que fazendo o caminho inverso da morte. Daí os dois saem cambaleando, um arrastando o outro. Pouco tempo depois os ferimentos de bala serão pequenos incômodos, que não impedem nosso herói de atacar o inimigo com ferocidade ainda maior. Por sorte meu kebap fica pronto e, ademais, me bastam de fantasias. Por hoje é tudo.

Luciano Correia

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