sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Trololando a Kultura

Ontem, 21/10, palestrei como um dos convidados de uma mesa redonda sobre a cultura brasileira na Casa do Brasil, situada próxima à Universidade Complutense. O encontro foi organizado a propósito da exposição do artista plástico Naso González ( www.nasogonzalez.com ), “Disfrutar del abstracto”, e pretendeu reunir um painel de “representantes” da cultura brasileira em algumas áreas. Ronald Muzanggue, presidente da Associação dos Artistas Brasileiros aqui, o Mestre de capoeira Madeira, além deste locutor que vos fala, que, num desaforo imperdoável, foi transformado em “Lucio” Correia nos releases enviados à imprensa espanhola, lapso devidamente desculpado pela coordenadora.

COINCIDÊNCIAS – Aqui na Espanha as coincidências me perseguem. Depois daquela do meu orientador na UC-3 de Madrid, casado com uma grande amiga de Aracaju, a tal mesa redonda de ontem reuniu, além do artista dono da exposição... três... sergipanos. Puta mundo pequeno! Não é que o tal Madeira é cabra criado no Jardim Esperança, ali coladinho ao Inácio Barbosa? Ex-funcionário da Petrobrás, largou o batente na plataforma para correr o mundo com sua capoeira, pandeiro e berimbau. Vive por aí, dando curso, levando a vida como gosta. O segundo, Ronald, presidente dessa improvável “asociación de artistas brasileños”, é um baiano-sergipano, ex-aluno da nossa querida Lu Spinelli, amigo do lendário bailarino Erê. Estamos, pois, em casa.

Não sei que diabos eu tinha de fazer numa roda dessas: um capoeirista, um bailarino e um artista plástico abstrato. Logo eu, obrigado ao concreto, na oração do materialismo dialético, que não dança nem um xaxado e de pernadas e rasteiras não entende o riscado. Mas quiseram assim mesmo e lá fui, com uma abordagem da cultura nos meios de comunicação do Brasil, a trama histórica da indústria cultural, esses babados. No final, salvaram-se todos, com inacreditáveis aplausos e certa tietagem depois. Hummmmm....


BARCELONA E ANDORRA

Na semana passada me abanquei no trem bala daqui, o Ave (300 km/hora nos picos) e em duas horas e 52 minutos estava na estação de Sants, em Barcelona. É incrível que eles digam, no começo da viagem, que ela vai durar esse tempo e ela dura justamente isso: duas horas e 52 minutos. Assim também foi na volta, com um tempo diferente, com duas paradas a mais. Se a viagem for decidida com alguma antecedência, é infinitamente mais barato ir de avião, por companhias low cost, como Easy Jet, Ryanair, etc. Fui a Lisboa por cerca de 40 euros ida e volta e uns 60 para Amsterdam. Como decidi a viagem minutos antes do embarque, paguei 190 euros pelo bilhete ida e volta nesse trem bacanudo, confortável, seguro, com cafeteria e sem os limites de bagagem impostos pelas companhias aéreas de baixo custo.

Estive em Barcelona há uns dez anos, ainda sob a peseta. Como vinha de Lisboa, cheguei tarde da noite sem moeda espanhola, só com escudos e dólares. Tive que ir à rua, regatear um táxi que me levasse a uma casa de câmbio àquela hora, para pagar, inclusive, o táxi. Depois o taxista me deixou na sua dica de hotel: um três estrelas muito acima de meu cabedal, que me custou algo como 80 dólares, recorde para meus bolsos sempre magrinhos. Desta vez, outra peça: saio à rua de noite para comer um grude e esqueço do pequeno detalhe de anotar endereço e nome do freje onde me hospedara. Sem uma coisa nem outra no papel ou na cabeça, zanzei rua acima, rua abaixo, no frio da madrugada, sob uma chuva torrencial que só caiu naquela hora, é claro, pra me sacanear. Quanto mais voltas eu dava, mais difícil ficava de encontrar o Hostal Santcarlo, que no outro dia me pareceu obviamente simples, a poucos metros da Plaza Catalunya. Mas a hospedagem, modesta, contava com a simpatia da dona (ai, esqueci o nome), uma simpática senhora catalã legítima, figuraça, boa prosa e camarada.

90 MINUTOS E MEIO DE AMOR

As viagens e suas peças e coisas que só acontecem comigo. Na mesma viagem de dez anos atrás, em Lisboa, justamente pela pobreza do viajante, fui parar num daqueles residenciais da praça do Comércio, coração da cidade, embora diga aqui, com segurança, que, se tivesse dinheiro de sobra, gastaria de uma forma mais criativa do que num hotel caro. Em Lisboa, já não bastasse a velha companheira Insônia que deita comigo todas as noites, um frívolo casal se hospedou coladinho ao meu quarto, parede com parede e uma arquitetura que vazava os sons daquela união perfeita. Em resumo: foi uma noite de gritos e sussuros, cena bergmaniana, o lesco-lesco do amor quase ao alcance da mão, não fosse por uma fina parede.

AMOR NA CATALUNYA

Voltando à bela Barcelona, finalmente a porta do hostal passa à minha frente e eu, ligeiro, acerto a fechadura. Logo estou no singelo quarto, secando da chuvarada, para depois implorar à mesma noiva, Insônia, por uma merecida noite de descanso. Antes, costume já incorporado à vida deste desmedido pecador, um pouco de meditação, para expiar 21 gramas de iniqüidades. Quero ver budista bom meditar com uma foda zoadenta de lado! Eu, zen-budista barato e, do lado, o barato de uma zen-bundista foda selvagem. No outro dia, perguntei à minha chegada, a dona do negócio, se o casal seguiria no hostal naquela noite. “Porque, houve algum problema?”, espantou-se a doce senhora. Eu: “Não. Nada de mais. Só umas cenas de amor na madrugada”. E ela: “Sim, são muito românticos”. E encerramos o assunto numa gargalhada tão barulhenta quanto o affair dos pombinhos, que, graças à minha falta de sorte, não tive o prazer de avistá-los.

Os muitos compromissos acadêmicos, já na reta final de minha viagem, não me permitiam ficar mais que três dias na capital da Catalunya. Mais uma vez, adio minha vontade de ficar mais tempo nesta cidade, saborear cada canto de um lugar mágico, com a aura (e a obra) de Gaudi presente em tudo. E ainda tinha de encontrar os amigos Ângela e Daniel, colegas de doutorado na Unisinos, cada um ao seu tempo, por razões que não cabe agora explicar. Deixei Barcelona com pena, prometendo que logo volto para ver a velha dona do Hostal Santcarlo.

ANDORRA

Desde a estação do Nord, em Barcelona, peguei um ônibus e em pouco mais de três horas estava no Principado de Andorra, um isolado enclave situado nos Pirineus, separando as fronteiras da Espanha e França. Lugar bonito, civilizado, um paraíso fiscal ideal para ricaços fazerem a festa das compras e pistas de gelo para esqui. Como não sou do primeiro grupo (os ricos), nem acho graça no segundo (esquiar), só resta a mardita da xaxaça, afinal, foi para isto que lá fui encontrar a velha amiga Estherzinha, sergipana bruta feito um mandacaru, capelense da gema, há quase dez anos habitando esse vale entre montanhas imensas. Esther, sempre espaçosa, como nos tempos de Aracaju, em que tinha uma chave da minha casa e, às vezes, me avisava, antes da minha volta, que estava havendo uma daquelas festas-baladas embaladas pelos melhores drinks do inferno.

Em Andorra, a amiga, quarentona amansada por um casamento tranqüilo, tem prestígio de autoridade, circulando bem no principado, dos alternativos às famiglias que detêm o Pib local. Na saída, ganhei até jantar, no bar do músico Jordy, nas horas vagas milionário, que fez, junto com a mulher, uma poderosa caldeirada portuguesa (leia-se mariscos), mimo gastronômico deste pobre de Cristo aqui. Curei a ressaca no autobus que me devolveu à estação de Sants, em Barcelona, para o trem rápido a Madrid. Mais um dia e eu voltava era de Samur, o Samu daqui. E antes de colocar os pés em casa, fiz um juramento: não bebo nunca mais!

4 comentários:

Anônimo disse...

Sério que você faz o juramento do "nunca mais bebo"? Pensei que você já tinha se conformado com esse fardo sempre cumprido no final da noite, hahahah!
Muito bom o post, tio. Já disse que esses posts são bons pra gente se sentir perto de você.
Eu vi o folder da palestra e fiquei indignada com o Lucio! No resultado do MPF escreveram Carol CORREA, erro dos mais imperdoáveis pra o nosso clã.
Esse negócio de não conseguir encontrar o hotel é um fato que facilmente arrancaria da minha mãe "Típico de Luciano!" - seguido de uma crítica a mim, é claro.

Beijo!

Anônimo disse...

Luciano, não conhecia seu blog. Mas vou dizer: vc acaba de ganhar um leito assiduo. Sempre q puder vou dar uma espiada em seus textos. Assim que tiver tempo (possivelmente depois das eleições) vou dar uma passeada pelo seu blog e ler os textos mais antigos. abraços.
Djalma Sanches

Anônimo disse...

digo: leitor. kkk

Anônimo disse...

Por essa e por outras é que nunca refutei o título a mim tribuído por nosso querido Gilvan Manoel. Sou, sim, discípulo de Luciano!