sexta-feira, 27 de março de 2020

Anotações sobre o fim do mundo (II)

Mais de Marcelo Mirisola em Hosana na Sarjeta
"Ela aferiu a ereção e depois nos grudamos num beijo de língua. No meio do beijo - de olhos fechados, juro - ocorreu-me o seguinte: 'incorporação por incorporação, sou mais a Marisete'. Que, além de ser meu gênio particular, sempre foi parceiro nas merdas em que nos metemos, e nunca me renegou, nem jamais entregaria a guarda prum Paulo Coelho ou pra dona Zíbia Gasparetto em horário comercial.
Pensei comigo: 'Ganhei na lábia, ela tem uma bunda branca, redonda e macia, é engraçada e a breguice dela, até o chapeuzinho de poodle, dentro do contexto, tem lá o seu élan, porra!, ela não sabe que eu sou escritor... nunca leu Dostoiévski e nunca vai ler Cioran, o negócio de Paulinha Denise é dona Zíbia Gasparetto. Ah, obrigado, meu Deus. Uma mulher que jamais vai encher o saco com Clarice Lispector e Amélie Poulain! Caraio, tô livre da ficção se misturando com a realidade!
Paulinha era brega, mas tinha majestade. Uma garota bacana, inteligente, meio abilolada e muito gostosa. A Capitu mareada que tanto pedi a Deus, sem o par de cornos. Agora, diante de tantas novidades, o que mais me incomodava era minha atividade de escritor. Não queria que ela soubesse. Tinha vergonha. Acreditava sinceramente que essa era a raiz de todas as cagadas da minha vida, do acúmulo de todos os erros e infelicidades. Entretanto, eu estava decidido a não mentir, não fazia sentido esconder o lado podre. Se ela quisesse mesmo ser minha mulher, teria de aceitar o pacote completo, eu & meus doze livros publicados. Mesmo porque, se eu não contasse, alguma entidade, digo, algum amigo meu ia aparecer lá em casa e soprar pra ela."

Um comentário:

sonia pedrosa cury disse...

Maravilhoso, Luciano!!! Amei!