quinta-feira, 12 de junho de 2014

Que a Copa me seja leve



Obras do acaso: em 2010 eu assisti a abertura do “Mundialll” (é assim que hablam aqui) em terras de Espanha. Logo a Copa, às quais compartilhei todas com “mi querido viejo”. Papai se foi naqueles idos de junho de 2010, a maior referência da minha vida. No dia do jogo contra Portugal, fui à Casa do Brasil em Madrid, lugar de encontro e celebração de brasileiros e, ademais, onde dava aulas minha querida amiga Acácia Rios, jornalista e poetisa dos Ajus. Que coisa estranha: no dia em que Papai era enterrado em Itabaiana, eu via uma partida de futebol. Até hoje carrego – e creio que nunca mais me livrarei dessa culpa – a dor de estar numa festa no dia que eu perdia meu chão, meu velhinho querido. Lembro que, naquele 24 de junho, dia de São João (João Correia?), essa dúvida me torturou como poucas vezes mais na vida: se eu ficasse no guarnicho em que morava, um quarto em um apartamento triste e silencioso, correria o risco de morder a isca do diabo.
Fui ao jogo, na Casa do Brasil, a coisa mais estranha do mundo. Um cantinho (canto grande!) brasileiro em Madrid festejando a pátria de chuteiras, como era de se esperar. Eu, com meu imensurável drama, estranhava tudo.

Mundiallll 2014

Dou graças ao nosso senhor do acaso que tudo aquilo passou sem seqüelas. Mas as coincidências existem para intrigar-nos a todos. 12 de junho de 2014, hoje, este servo das senhoras e dos senhores degustava umas pequenas férias justamente na mesma cidade em que assisti o último “Mundialll”. Ainda no começo da semana me lembrei do calor brasileiro na Casa, quatro anos atrás. Aqui instalado por sete dias, botei no Google e logo encontrei: jogos do Brasil na Casa do Brasil com isso e aquilo, patatis e patatás, Praianinha pra comemorar. A viagem de metrô foi-se colorindo de verde-amarelo à medida em que os trajetos confluíam para a estação de Moncloa. Brazucas saúdam-se nos corredores do “El Metro” e na longa avenida que leva à Casa. Camisas amarelas da Canarinha e vozes diferenciadas, surpreendentemente diferenciadas, todas convergindo para a abertura do “Mundialll” em Brasssilll.
É impressionante o sentido de identidade conferido pelo futebol. No caminho do metrô sou saudado por torcedores canarinhos igualmente fardados. Botam a mão no peito e, de longe, fazem o signo do coração. Brasil, zil, zil...

Moncloa está perto de “minha casa” aqui (estou sozinho num confortável apê no badalado bairro da Malasaña, onde moraram duas celebridades caras aos nossos olhos: o cineasta Pedro Almodóvar e o publicitário/jornalista Carlos Cauê). O dono, meu amigo e professor da UC-3, Luis Albornoz, viajou com a namorada e deixou esse latifúndio para yo e mis malos pensamientos.
Quando vivi aqui, costumava ir a Moncloa, além da temporada pebolística citada acima, para refrescantes banhos na piscina da Universidade Complutense, onde o top less era diário e o naturismo, as xanas em pêlos ao vivo, no dia consagrado à função. Assim, Moncloa me soa distinto e feliz.

Só uma bola me consola

Se fazer o caminho de volta já era reconfortante, imagine constatando essa identidade nossa a partir da Canarinha! Na Casa do Brasil, uma profusão de idiomas, todos eles levados ali por alguma razão, senão pela constatação de que festa de brasileiros é matéria rara e da melhor qualidade. Eu, chorão comovido, não agüento o hino desde tão longe. Me toma uma sensação de orgulho, mesmo que tudo. Ali somos, pra repetir o cansado bordão rodriguiano, a pátria de chuteiras.
Na volta, mais que uma dezena me acena, faz piadinhas, pergunta o placar. No metrô, brasileiras lindas paulistanas puxam conversa, afinal, estamos todos em festa. 
Em Madrid, havia uma celebração da juventude chamada de “botellón”, que queria dizer um festaço em público, geralmente na Plaza de España, onde centenas de jovens afetados pela crise, filhos de pais afetados pela crise, se reuniam para hablar, ouvir música e beber sem os custos dos bares da balada. Porre a preço de custo. Pelo que vi na volta para a estação Bilbao, o botellón foi transferido para dentro do metrô. As meninas chapadinhas, mais fogosas do que nós, conhecidos fogosos. Umas lindinhas tiram uma chinfra comigo, por causa da Canarinha, mas misturam tudo: falam em México, doidices e non senses. E logo desaparecem na calle Princesa, meu território sagrado do cinema.  Em 2010,  eu tava na Gran Via quando a Roja chegou da África do sul, campeona, nos impondo goela a baixo, e a mim em particular, naquela hora morador do mesmo teto dos heróis. Agora, a mim me resta ir pra casa, lavar o uniforme e confiar na baixa umidade madrileña para amanhã, más temprano que tarde, vestir a Canarinha sequinha e cheirando à vitória. Vocês vão ter que me engolir, madrileños!
 

2 comentários:

sonia pedrosa cury disse...

Luc, o hino nacional também me faz chorar. Nessa hora, eu me esqueço dos políticos corruptos e o que me vem à cabeça é o povo - na sua grande maioria, trabalhador e sofrido. Se não tento me controlar, choro sem parar...

sonia pedrosa cury disse...

Luc, o hino nacional também me faz chorar. Nessa hora, eu me esqueço dos políticos corruptos e o que me vem à cabeça é o povo - na sua grande maioria, trabalhador e sofrido. Se não tento me controlar, choro sem parar...