terça-feira, 2 de novembro de 2010

Rumo à estação Berlim

Mais uma vez tomo a estrada a preços camaradas, da passagem da Easy Jet ao hostal (albergue da juventude), se bem que, nas demais coisas, a capital alemã se mostrou surpreendentemente barata, mais que Madrid, o que é absurdo, posto que a Espanha, como se sabe, está de pires na mão. Come-se um maravilhoso joelho de porco com chucrute, batatas e uma cerveja por apenas oito euros. Um Döner Kebab, que em Madrid custa cinco, sai por três lá. Idem para as comidas chinesas e, claro, todos os preparos que levam a salsicha, tradicional na culinária do país.

Estive na Alemanha em 1995 e, na época, viajei de carro por várias cidades. Mas foi, como diz um amigo de Aracaju, como as excursões da professora Mariá, daquele colégio tradicional cujo nome me foge agora, que, segundo ele, é do tipo: a Europa em 20 dias conhecendo 25 capitais. Agora fiquei só em Berlim, por quatro dias, o que não dá pra conhecer a cidade em detalhes, mas pelo menos o fundamental. Na Alemanha, me toca, desde a outra viagem, um certo sentido de mea culpa constante, onipresente, como se pedissem desculpas a toda hora. E que as lições foram aprendidas, ao preço amargo que a História lhes imputou.

Não há dúvidas de que o modo politicamente correto de agir foi inventado aqui. Está em tudo, no respeito às diferenças, ao indivíduo, aos direitos e, principalmente, numa obediência cega às leis, coisa que os tornam muito obtusos em grande parte. Mais literais que os alemães, só os portugueses, que levam a vida ao pé da letra e não têm elasticidade nem para entender piadas de outros lugares.

Mas a Alemanha e os alemães têm razão em bater diariamente na mesma tecla: eles, mais que ninguém, conhecem na pele o circo de horrores que a humanidade é capaz de promover, de uma hora para outra, baseada na única explicação plausível: que a loucura humana é uma das coisas sobre as quais não conhecemos os limites. Que a besta feroz que habita cada um de nós, desde os mais pacatos pais de família, é algo que desperta do nada para explodir rapidinho em genocídios brutais. E isso tudo foi ontem, se considerarmos os tempos da História. Ademais, a recente selvageria da ex-Iugoslávia e depois a guerra de Kosovo, mostram que o horror avança sobre nossos dias. Há quem diga que algo parecido está por explodir entre os povos do Cáucaso.



Um curso de História viva nas ruas



Olha só que idéia bacana. Guias arrastando turistas pelas ruas centrais de cidades do mundo é uma coisa comum, mas essa experiência em Berlim me pareceu genial. No hotel, ao buscar informações sobre city tours, essas coisas, somos informados de guias que percorrem alguns hostais para pegar pessoas num recorrido muito particular pelo centro. Antes, devemos lembrar que Berlim foi palco privilegiado de dois momentos dramáticos da história do século passado, primeiro, com as duas grandes guerras, com muito mais agravante na segunda, que fez o país capitular diante do mundo, numa rendição incondicional, humilhante.

Depois, justamente pelas conseqüências da guerra, a divisão do país entre aliados e soviéticos, que perdurou até 1989, com a derrubada do Muro de Berlim. Imaginem uma cidade de mais de 3 milhões de pessoas cortada ao meio por um muro da noite para o dia (sic!). E a partir daí, a sucessão de dramas, tragédias e fantásticas histórias de cada um dos lados.

Do meu hotelzinho, na praça Rosa de Luxemburgo, pegamos um metrô até as proximidades do portão de Brandemburgo onde o guia Xavi, um catalão de Barcelona, começa nosso périplo a pé pela história viva dessa cidade transbordante em história. Cada monumento, cada personagem, a cultura, as artes, a arquitetura da vida e da morte, tudo ganha uma dramaticidade ainda maior na narrativa do nosso guia, ele também um apaixonado pelo tema. Não havia city tour que desse conta de tanta informação num só dia, quer dizer, em cerca de seis horas de caminhada.

No final, dois registros interessantes: 1) Xavi, como havia prometido antes, volta ao tema da queda do muro e faz um relato detalhado, carregado de emoção e suspense, como um roteiro de cinema, passo a passo, a agonia e o futuro dos alemães se desenhando naquele 9 de novembro. Os detalhes pitorescos, alguns deles fundamentais para que o movimento se tornasse irreversível, precipitando assim o desmonte da Alemanha Oriental e sua absorção pelo lado capitalista.

2) Por fim, como havia sido anunciado no início, todos deveríamos pagar o guia Xavi com uma contribuição espontânea. Achei curioso que alguém aceite estipular o pagamento do seu trabalho numa aposta tão incerta, mas parece que o catalão Xavi confia na sua capacidade de seduzir sua platéia com a matéria prima de seu ofício, qual seja, contar a história, nada além disso. No final, a impressão é que todos estávamos mais que satisfeitos, por uma aula que nem os museus nos dariam, porque estes, sempre temáticos, dariam, no máximo, versões incompletas. E presenciei notas de dez e vinte euros parando nas mãos do modesto Xavi. Nas minhas contas, na média de 10 por cabeça, rendeu cerca de 300 euros. A influência itabaianense sobre minha alma desprendida logo calculou, por baixo, um faturamento de uns 3 mil/mês. Nada mau, para um jovem de 27 anos que foi parar em Berlim, como me disse depois, “por ainda não saber o que queria fazer na vida”.

Ah, não me perguntem quanto eu dei pelo trabalho do rapaz, mas, pela descrição que fiz, dá para imaginar que não foi nada mal.

4 comentários:

Jorge disse...

Camarada Correia:
Saiba que mesmo triste por haver caido em desgraça com o amigo o invejo. Você sabe do meu afeto pela Alemanha e do meu particular entusiasmo por Berlim. Mas, efetivamente, cair em desgraça com os itabaianenses, como diria aquele coronel interpretado por Marlon Brando em Apocalipse Now, É O HORROR!

Jorge Carvalho

rosa sampaio disse...

Luciano-uma vez li um livrinho do Luis Fernando Verissimo -um "livrinho " dele é ótimo não? Mas o diminutivo foi só pelo só pelo tamanho-sobre uma viagem a Madrid . O cicerone era o fantasma de Goya. Nao sei se conhece. Li a caminho de Madtrid, não por acaso, claro. Ele faz uma linda descrição de uma tourada que me deu vontade de ir -e lá fui eu; apesar dos horrores que me fizeram ficar com olhos fechados quase o tempo todo, adorei ver os insanos espanhóis vibrando com a morte do boi e pedindo orelha etc...macabro mas belo.Pois bem. Lendo suas deliciosas crônicas de viagem a Berlim e os tapas madrilhenos , lenbrei do "livrinho" de Verissimo e de como um relato de viagem pode ser tão interessante...continue nessa ...vamos adorar. Só por curiosidade, diria que mórbida, leia como Danuza Leão descreveu no último livro de viagens a linda Berlin-a maluca sou eu ou aquilo é uma "viagem" louca??!Abração amigo. Bom retorno

sonia pedrosa disse...

menino, fomos a Berlim em abril desse ano. eu já tinha passado por lá, mas dessa vez, fiquei 8 dias. Voltamos encantados com a cidade e com os preços! rsrsrs Também achei uma cidade barata, assim como quando passei por lá, há mais de 10 anos. O ponto alto: assistimos a uma apresentação da filarmônica. E quando voltamos para o hotel - um hotel lindo, novinho, confortável e bem localizado - vimos que tinhamos sido roubados (laptop, minha bolsa, cateira, documentos e acessórios dos celulares). Como pode?????

Adelinha Aguiar disse...

Maravilhoso relato. Amo Berlin e os prussianos.