sábado, 21 de dezembro de 2013

A majestade do ReiGinaldo Rossi



Tenho andado impaciente com nosso Brasil, cada vez mais. Talvez a idade diminua a tolerância com nossas mazelas naturalizadas, o que é uma burrice minha, sem dúvidas, pela incapacidade em exercer tolerância até como arma de defesa. A raiz do meu enfado reside nisso: a naturalização dos nossos defeitos. Ontem, 20 de dezembro, tomei um porre federal para embalar a viagem de Reginaldo Rossi. Gastei cada faixa dos sete ou oito CDs desse que era, de fato, um grande cantor. Sem querer puxar assunto com os defensores de uma suposta estética musical, me intriga o fato dessa banda de intelectuais ignorarem solenemente o fenômeno Rossi. Nada de mais em passar a vida caetaneando os pós-modernismos, os hermetismos pascais, mas conseguir passar ao largo das canções de amor e de sofrimento de um compositor tão rico, é puro esnobismo.
Rossi levou para o túmulo uma mágoa que jamais conseguiu remover: a pecha de brega, uma idiotice fabricada pelos formadores das opiniões, incluindo a miúda e rasa imprensa. Mais importante do que abrir uma discussão sobre isso é a constatação de mais esse sintoma da esquizofrenia que rege as mentalidades desse Brasil que se arvora a moderno e grande. Grande no tamanho, pequeno de alma. Na curta história da música brasileira, tivemos poucos cantores tão talentosos como esse que pespegaram a fama de O Rei do Brega. Poucos conseguiram retratar com tanta humanidade as dores e as delícias da vida, particularmente das coisas do coração e da paixão. Mas é como se ele nem existisse. Melhor: para existir, tiveram de folclorizá-lo, transformá-lo num sub-produto da cultura, figura excêntrica, um personagem.
Acho que ele cansou de dizer que não era nada disso e resolveu encarar as coisas como elas estavam postas, ou seja, naturalizar o tratamento de imbecil dispensado por gente do naipe de Faustão, pra ficar no mais vistoso dos galhofeiros. Em terra de sapo, de cócoras com eles, afinal, era o preço cobrado pelo sucesso, a carreira e os louro$$ que tanto fascinam os homens e as mulheres. Rossi não deveria mesmo ficar de fora do circo musical e deixar de desfrutar da merecida glória. Mas nunca engoliu essa grosseria perpetrada por jornalistas burros e a classe média brasileira. Brega são vocês! Como pode alguém ouvir os sete ou oito CDs que ouvi ontem e concluir, depois de tudo, que se trata de uma obra brega? De onde esses estilistas do acaso tiraram seus conceitos? Não foi em Walter Benjamin nem em Adorno, claro. De todo modo, a mágoa de Rossi foi com ele no caixão, mas o espantoso é isso: a continuidade de nossa (nossa, e não dele!) breguice desfilando incólume, às vezes até buscando ares de elegância, como se vê nas entrevistas das ivetes da praça. Nossa jequice, esta sim, é a religião da hora, com a péssima música que toca nas ruas e uma televisão porcaria, que dá ouvidos a iniquidades como o Padre Marcelo, desgraçadamente também Rossi.
Por essas e por tudo o mais, Rey Rossi, a gente de alguma forma morre um pouco com você. Porque o espetáculo que fica está cada dia pior.

2 comentários:

sonia pedrosa cury disse...

Muito bom, Luciano. Como sempre!
E você tem razão: não dá para negar um fenômeno como RR!

Rafael Galvão disse...

É isso.