Vou dizer : nunca mais tinha visto um filme tão bom quanto “O discurso do Rei ”. Meus colegas da comunicação , sobretudo a turma da semiótica , têm ali um prato cheio para múltiplas análises , desde os campos da política , do marketing , da psicologia , da medicina , enfim , das coisas que inauguram a era moderna , dominada pelas ações midiáticas. Esse negócio de superprodução é uma bobagem , um clichê que nos remete às grandes bilheterias de Hollywood, mas é preciso dizer , em relação ao “Discurso ...”, que é uma luxuosa composição de tudo que conta no filme : a ambientação do início do século XX, os cenários britânicos , a iluminação primorosa em estúdio ou nas externas , os diálogos e roteiro consistentes e, por fim , uma direção de gênio .
O diretor aborda com maestria a vida da nobreza inglesa, a frieza das relações mesmo entre as famílias . “Nós somos uma firma , não uma família ”, diz, a certa altura , o ainda príncipe Albert ao rei George V, seu pai . Por ocasião da morte do pai , Albert, ainda o segundo na sucessão , tenta um abraço emocionado na mãe , que , formal , não o acolhe, com cara de quem não está entendendo. Era um tipo demasiado humano para os padrões da aristocracia inglesa, para o bem e para o mal , embora esta última faceta – seu anti-semitismo – não seja matéria do filme , sequer sugerida. Mas a humanização de (já tornado Rei ) George VI é justamente a matéria-prima do diretor Tom Hooper, que não só desnuda iniqüidades entre os nobres , como entre atores importantes , como a Igreja e seus arcebispos malandrecos, com suas ardilezas, sempre em nome de Deus , claro .
Hooper consegue seu objetivo ao contar o drama interior vivido por um Rei gago , atormentado por esta condição , ainda mais quando a trama da História o coloca num púlpito da altura do trono britânico . A relação tempestuosa com seu terapeuta da fala , Lionel Logue, e a ação cuidadosa deste “falso doutor ”, revela com riqueza o teatro das operações midiáticas no século tido como eminentemente da propaganda , aqui inaugurando a era do rádio. A história do homem de mídia por trás do político , tão em moda quanto atual , ganha tons de emoção até mesmo num filme inglês , com tudo que esta categoria representa. Vale a pena ver “n” vezes .
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