(Matéria produzida em 2004 para a (extinta) Rede de Notícias da UFS)
Pedro Juan não pegou tempo bom . Teve de se virar fazendo serviços pesados, alguns deles ilegais , além de trabalhar durante vários anos como jornalista , ganhando um salário de 3 dólares por mês . Em retribuição, viu-se desobrigado a engrossar o coro de beatos da revolução . Nunca se interessou muito pela política , nem permitiu que ela azedasse sua vida . Em vez de ser contra ou a favor de qualquer coisa , botou para quebrar nos seus esportes preferidos: sexo , drogas e rum , todos eles em doses bem servidas. De modo que a leitura de qualquer um de seus três livros lançados até agora no Brasil equilibra esses elementos com a poesia do cotidiano , garimpada na miséria dos habaneros residentes nos cortiços de Havana Velha .
O tom das descrições é tão direto , cortante e às vezes angustiado que nos remete a alguns vizinhos do lado que , da mesma forma , tocaram nesses mistérios do corpo e da alma , os integrantes da beat generetion, os chamados beatniks. A semelhança , além do estilo , se estende às opções de vida e a forma como ela e literatura se misturam. Mais semelhança ainda com outro outsider da literatura norteamericana, Charles Bukowski, que embora não tenha pertencido à geração beat, temperava sua obra com os mesmos fluidos que bafejam a obra de Gutiérrez, como sejam os vapores do álcool , sexo e drogas . Tanto que logo logo os críticos se apressaram em identificar no desleixado residente das ruínas de Havana “um novo Bukowski cubano”.
Gutiérrez já esteve no Brasil, onde participou de bienais e atendeu a jornalistas , roteiro que ele frequentemente cumpre pelo mundo inteiro . Numa de suas saídas , passou três meses em Estocolmo, como bolsista de uma instituição sueca. Diferente de muitos cubanos que não pensam em outra coisa senão pular fora da ilha , Pedro Juan, tanto o autor quanto o personagem , é um herói de verdade . Pouco se lixa com os desconfortos que enfrenta no seu caliente torrão caribenho , tão indiferente como em relação aos mimos de que o brindam por onde passa , seja em Madri ou na Escandinávia. Para não perder a viagem , arranjou uma namorada , uma daquelas louras glaciais , que esquentou suas geladas noites na Suécia. Mas nem isso abalou a certeza de que todo animal deve viver no seu habitat de origem . No final da temporada , teve de se esforçar para fazer a namorada deixá-lo voltar para casa .
A experiência na Suécia, incluindo as cenas do meloso romance , está registrada no seu terceiro livro , “Animal tropical ” (veja quadro abaixo ). Os outros dois são “Trilogia suja de Havana ” e “O Rei de Havana ”, todos eles lançados pela Companhia das Letras .
Trilogia suja de Havana - 1998
Companhia das Letras , 358 páginas
(Trecho )
“Precisava colher um pouco de carqueja-amargosa para um descarrego. Tinha de fazer uma limpeza no meu quarto da cobertura porque nos últimos dias senti duas vezes um leve perfume de mulher . Como se o hálito desse espírito passasse ao meu lado . E isso me deixa louco . Não é bom ter espíritos escuros rondando em volta ".
O Rei de Havana – 1999
(Trecho )
“Foi andando até o Malecón. Uns barris de cerveja a granel . Estavam preparando para o Carnaval . Comprou um pouco de cerveja barata . Tinha gosto de vinagre . Bebeu. Comprou mais . Bebeu. Gastou metade da grana . Ao entardecer começou a chegar mais gente . Acabou-se o dinheiro . Queria continuar bebendo. Em volta do barril formou-se um grande grupo de gente querendo comprar cerveja . (...)
Enfiou-se no meio deles. Estavam suados e cheiravam forte . Eram quase todos negros , musculosos, cheirando a suor , agressivos , se apertando uns contra os outros , emitindo com violência o seu bodum , de lenços vermelhos , colares de candomblé . Rey, metido naquele alvoroço , distribuía cotoveladas .”
(Trecho )
“Assim é. A vida é muito mais complexa que a literatura . Mas também é menos intensa . A literatura tem de avançar com excesso de velocidade para manter a tensão . Do contrário seria uma viagem sonolenta e aborrecida . Selecionam-se fragmentos , escreve-se e trata-se de não aborrecer . Enfim , o único guia com que conto é a intuição . Um pouco de intuição . E isso é muito pouco . (...)
Flutuava entre nós dois um vapor melancólico. Indefinido e cinzento, mas melancólico. Era inevitável . Tentamos esquecer dançando, conversando com amigos , rindo, mas voava sobre nós , silencioso , o anjo da tristeza .”
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